segunda-feira, março 21, 2005

Da minha janela vejo o mundo e reconheço o meu olhar - Infohabitar 18

 - Infohabitar 18



segue-se um texto da arquitecta paisagista Celeste d'Oliveira Ramos

Da minha janela vejo o mundo e reconheço o meu olhar 


A RUA é a rainha do espaço urbanizado e é património do peão

Calcorrear a rua atravessando o espaço definido pela sucessão das fachadas que se exibem contando a sua arte, o tempo que trabalhou as pedras de que são feitas, o tipo de homem que as desenhou, permite desenrolar perante o olhar uma espécie de filme com uma história e um enredo de formas, de materiais, de funções, de objectos singulares sinalando posições específicas, de esquinas revelando outros caminhos, como uma carta geográfica enriquecida pela presença dos “habitantes” de pedra por vezes rendilhada, de azulejo, de ferro forjado, de vidros e de vitrais, de cores, trabalhando e desdobrando a luz, entretendo o nosso olhar obrigando-nos a ser espectadores activos, críticos, contentes ou descontentes, ao percorrer o museu dinâmico que é qualquer espaço habitacional onde se aprende geografia e história, ecologia e sociologia, e artes, e vida, estampada nos rostos que por nós se cruzam

Caminhar ou deambular por um espaço histórico e cultural a contar a história do tempo e da arte dos homens

Rua, fachadas, esquinas, formas, volumes, luz e escuridão, envolvendo o todo e as partes, nos passeios, nos largos e jardins, e na árvore de sombra benfazeja, de copa volumosa com folhas e pássaros, inserindo a natureza viva dentro do habitar, ou sem folhas, escultura desnudada ainda dando a beleza, a escala da rua e do próprio homem e, ainda, o ritmo das estações do ano

Que bonita e fresca é a minha rua com árvores que dão flores e frutos, cores e perfumes, e me acordam para me obrigar a olhá-las mesmo que de relance porque vou com pressa a um qualquer lugar

Vou à minha vida atravessando este espaço de vida que a rua me obriga a compreender com todos os sentidos despertos, pelo que me deixa ver e consolar o meu próprio espírito, refrescando-me o corpo com a brisa que provoca, o ouvir dos pássaros que nela poisam, o excitar do olfacto com o perfume de suas flores, mesmo olhando para o chão que vou pisando desenhado e construído com as mãos inteligentes de carinho para embelezar o meu caminhar diminuindo a percepção do meu cansaço

A CASA, a habitação, isolada ou integrada num conjunto, é o abrigo do sol e da chuva, do frio e do calor, do olhar dos outros, do nosso cansaço e desespero, é ABRIGO e refúgio do que somos, do corpo e da alma

É a nossa caverna, o nosso buraco onde não queremos partilhar-nos com mais ninguém, a não ser com aqueles que pertencem ao nosso não querer viver connosco sós

Sendo um espaço fechado é no entanto o primeiro espaço de aprendizagem de vida colectiva com a família (e/ou amigos), o primeiro espaço cultural porque casa é mais do que o lugar de habitar porque é espaço onde acontece cultura

É a segunda pele que nos separa e distingue dos outros grupos-família, dos outros moradores de cada casa e de cada rua

Opostamente, os “homeless” são os que ou nunca encontraram esse abrigo, ou os que rejeitaram o que tiveram, ou até nunca tenham tido ou ainda, tendo tido, tudo lhes foi tirado e restou-lhes a rua da cidade

Da janela da minha casa vejo a RUA e as outras habitações e delas poderei pressupor parte do que se passa dentro

Vejo a chuva, vejo o céu e o sol que logo aparece, vejo a lua e as estrelas e os aviões a cruzarem os ares, e vejo as outras casas e também quem passa e se afadiga como se as janelas fossem os OLHOS da Casa

Da janela vejo o MUNDO, e à forma e dimensão desse espaço "vazio" de olhar o mundo, poderá ser acrescentada a qualidade que cada habitante, pessoalizando-a com as cortinas feitas por amor, ou vasos de flores, para que a natureza viva não se afaste do viver, e a minha janela poderá ser mais bonita do que a do vizinho

Não será a janela de uma Catedral, mas se o arquitecto que a desenhou tiver deixado espaço e forma, algo de pessoal se poderá acrescentar que diferencia e humaniza a rua que não será apenas uma sucessão de fachadas sem calor humano, algo que o arquitecto nunca poderá fazer, mas apenas sugerir, e permitir que aconteça, desenhando como quem desenha o sagrado, porque se trata de desenhar para a “vida” de cada um

Se a rua nas suas fachadas fala do tempo e do artífice que a desenhou e construiu prédio a prédio, a janela fala de quem lá vive, da sua alegria manifestada ou mesmo grau de pobreza

A janela que permite ver de dentro para fora tem igualmente essa dimensão de deixar ver o que ela reflecte

E até uma andorinha poderá ali poisar no parapeito na primavera e dar mais uma dimensão de vida do habitar

A janela separa do exterior mas não o elimina completamente – mostra vida de ambos os lados, comunica com a VIDA, dialoga com quem vive nele e por ela passa, e a olha

Abro a minha janela e deixo entrar o Sol e o vento, os perfumes da rua e os ruídos da vida dos homens acordados, quando a cidade se levanta

Esse diálogo da janela é também perceptido pela casa ou conjunto, relativamente ao local e forma como foi implantada, na natureza bruta, fazendo com ela um diálogo também de amor e inteligência ou, pelo contrário, desprezá-lo, ficando o local desmantelado sem ética ambiental, sem estética, desumanizado e destruído e a habitação desqualificada e o habitar penoso

A minha janela como o meu olhar

A minha RUA como a Vida do mundo dos Homens

Maria Celeste d'Oliveira Ramos
Lisboa 12 março 2005
14 fevereito 2005
Maria Celeste d'Oliveira Ramos
Engªsilvicultora
Arquitecta-Paisagista
Universidade Técnica de Lisboa


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Quercus apela ao fim do abate das florestas de carvalho - Infohabitar 17

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Segue-se um texto integral que me foi enviado por mail e cujo interesse dipensa mais comentários.

António Baptista Coelho
Encarnação, 21 de Março de 2005


Quercus apela ao fim do abate das florestas de carvalho


O Dia Mundial da Árvore, que hoje se comemora, levou os ambientalistas
Da Quercus a exigirem ao governo a protecção legal das florestas de carvalho, à semelhança do que já existe para os sobreiros e azinheiras.


"A lei não tem de ser tão restrita como a dos sobreiros e azinheiras.
Mas, de alguma forma, tem de se impedir o abate dos carvalhais", defendeu Domingos Patacho, da Quercus, em declarações à agência Lusa.

Este responsável justificou que os sobreiros e azinheiras, que estão
protegidos pelo decreto-lei 169/2001, representam cerca de 37 por cento
da área florestal portuguesa.

Os carvalhos autóctones constituem apenas quatro por cento da floresta
portuguesa e, por isso mesmo, devem ser protegidos, segundo Domingos
Patacho


"Estas áreas, muitas vezes de pequena dimensão, apresentam uma elevada
importância ecológica pela diversidade de vegetação e de fauna
silvestre que albergam", acrescentou.

Sem a protecção legal que se exige, os carvalhais portugueses vão
continuara ser destruídos sem que existam instrumentos minimamente adequados para travar o desaparecimento desta importante e singular floresta.

Assim, para além do sobreiro e da azinheira, os carvalhos mais raros
Devem também ser alvo de protecção legal, nomeadamente as espécies e habitats de reconhecido interesse comunitário para conservação.

Para a Quercus, as espécies e habitats que deviam merecer mais
protecção são os carvalhais-portugueses Quercus faginea - uma espécie considerada como uma relíquia da floresta portuguesa porque existe em reduzidas áreas no centro do país - e os carvalhais de Quercus robur e Quercus pyrenaica, no Norte de Portugal.

Domingos Patacho defende que estes carvalhais deverão ser protegidos
Através de um quadro legal simples e eficaz que permita acabar com as situações de abate sem qualquer parecer ou licença das entidades competentes.

Cerca de 38 por cento do território continental português é constituído
por área florestal, fundamental para a produção de oxigénio, a fixação de gases com efeito de estufa (dióxido de carbono), a protecção do solo e a manutenção do regime hídrico.

sábado, março 19, 2005

Sobre os fundamentais concursos de arquitectura urbana – um desabafo - Infohabitar 16

 - Infohabitar 16

Não se trata aqui de criticar o conceito nem o objectivo, que são muito meritórios; encontrar ideias sobre um tema tão importante hoje em dia, nas nossas cidades, como é o (re)ver o centro apostando em novas formas de requalificar e provavelmente regenerar partes fundamentais do centro da cidade, neste caso de Lisboa, dotando-as de aspectos que contribuam activamente para uma sua vivência que se aproxime das 24 h do dia (“formulação de propostas de revitalização da Baixa Pombalina a partir da Rua Augusta em Lisboa. Mantendo-se o edificado e trabalhando os espaços vazios entre os edifícios”) – e, já agora se divulga o respectivo “site” que é o www.tektonica.com.pt.
E vale a pena aqui dizer que a referência aqui feita a este último concurso que está a ser promovido com a designação Prémio Tektónica 05/rua 24h , é uma crítica que, sublinha-se, se aplica, infelizmente, a este concurso, tão potencialmente interessante, mas também a outros concursos de arquitectura.
E a crítica é que, na opinião de quem escreve este comentário, faz muito pouco sentido um calendário de concurso que se inicia com o seu anúncio a 1 de Março de 2005 e com a entrega dos trabalhos a 11 de Abril de 2005. Pessoalmente não entendo este calendário, nem no caso de se tratar de um concurso de ideias esquemáticas, quanto mais quando se refere que a apreciação terá em conta os seguintes critérios (que se citam): “qualidade global da proposta; ideia e conceito; inovação e resolução construtiva; capacidade de comunicação.”
Há matérias e oportunidades que parece merecerem um pouco mais de atenção, esta é a opinião que aqui se expressa; e afinal será que teria custado muito anteceder o prazo de anúncio, por exemplo, cerca de um mês, ou até de dois meses, considerando-se que não se trata de um concurso de obras feitas e que basta apresentar, mas sim de algo que tem de ser pensado e desenhado de raiz?

Lisboa, Olivais, 19 de Março de 2005

Júlio Marques

quarta-feira, março 16, 2005

Por uma cidade habitada - Infohabitar 15

 - Infohabitar 15

Na sequência do desenvolvimento do 1º Congresso de Habitação Social” promovido pelo Comité Português de Coordenação da Habitação Social (Cecodhas.P), em Tomar em 14 e 15 de Março de 2005, e que aí reuniu um impressionante número de participantes, provavelmente na casa das seis centenas, tema a que voltaremos provavelmente noutros textos do infohabitar, junta-se, em seguida, a parte final de uma das intervenções aí apresentadas sobre a temática do património.

Por uma cidade habitada

A cidade deve proporcionar um complemento funcional mas também um verdadeiro suplemento de alma ao habitante, tal como diz Jorge Silva Melo (num artigo saído no Jornal Público de 22 de Janeiro de 2005): “um café aqui, um apartamento em cima, a rua larga, o Tejo ao fundo, passeios, gente que se encontra, gente que se salva, que se reencontra …”
A cidade precisa da vitalidade da habitação, que precisa da vida citadina para que o habitante possa ter verdadeira qualidade de vida urbana. É assim que deve ser, e para tal temos de enfrentar, rapidamente, os actuais problemas de falta de vida urbana em determinados bairros e de falta de bairros vivos em determinadas zonas da cidade.

Neste sentido propõem-se cinco ideias fundamentais:

A primeira é que a cidade, para ser cativante e emocionante tem de ter bairros e conjuntos habitados, vivos e caracterizados, marcados por redes de vizinhança e sentimentos de pertença.

A segunda, é que em qualquer conjunto residencial, por mais pequeno que seja, deve ser configurada uma vizinhança de proximidade e bem ponderada a integração de equipamentos conviviais.

A terceira ideia é privilegiar a qualificação e o potencial de convívio do exterior residencial de proximidade, pois escadas, galerias, passeios, pracetas, lojas e cafés fazem parte do espaço residencial, enriquecendo-o e proporcionando até eventuais compensações. E sublinha-se que foi a vizinhança de proximidade que entrou em crise, seja no centro seja nas periferias da cidade.
E neste espaço publico das vizinhanças de proximidade há que ter atenção muito especial para com os grupos de habitantes mais jovens e mais idosos, que são os mais sensíveis mas também os mais activos no espaço público; e há que controlar os veículos, pois a cidade não foi feita para eles mas para as pessoas, os veículos devem ser elementos funcionais dinamizadores, e não intrusos geradores de insegurança.

A quarta ideia, que é fundamental, é associar, sistematicamente, a resolução dos problemas de carência habitacional à resolução dos problemas de falta de qualidade e de vitalidade urbanas. E isto faz-se através da introdução cuidadosa de conjuntos residenciais de interesse social que actuem como elementos duráveis, vitalizadores e enriquecedores dos respectivos contextos paisagísticos, funcionais, arquitectónicos e sociais, seja nos centros urbanos, seja nas periferias. E aqui fica clara a ligação directa e dinâmica que se propõe entre a promoção habitacional e a requalificação urbana.


No Bairro do Telheiro, S. Mamede de Infesta, num conjunto residencial de realojamento da Câmara Municipal de Matosinhos, projectado pelo Arq. Manuel Correia Fernandes, concretizou-se uma solução positivamente desenhada desde o nível urbano ao do pormenor, e que integra escala humana e urbana, adequação a quem aí habita e revitalização da zona envolvente.
A quinta e última ideia é dar a devida importância aos aspectos de qualidade arquitectónica e urbanística, considerando neles, especificamente, a integração do verde urbano, porque são aspectos fundamentais para a qualidade e felicidade do habitar, e, afinal, são aspectos que resultam de simples perguntas e respostas, tais como aquelas que em seguida servem de exemplo, referidas por Jorge Silva Melo ao pequeno conjunto comercial e residencial projectado por Chorão Ramalho para o Bairro do Restelo em Lisboa.

“Porque é que esta rua é tão humana? Porque é que a dimensão destes prédios, esta descida , tem esta luz? Porque é que esta rua é uma promessa, porque me promete ela uma cidade límpida, prática, espaçosa, calma, modesta, moderna, desinibida, visível, clara como a luz do dia,…?” Afinal não basta ordenar o espaço para se criar um ambiente interessante e motivador; o habitante também necessita de emoção na relação afectiva com o espaço urbano.

Concluindo, e citando Manuel Correia Fernandes, sublinha-se que “o modo mais natural de fazer cidade é (fazê-la) com habitação. Aliás. Cidade sem habitação não faz sentido. E quando faz, é certo estarmos a falar de cidades «únicas» e talvez nem sequer estejamos a falar da cidade dos homens. Não são essas cidades que agora nos interessam. As que nos interessam são as cidades onde vivem os homens e onde podemos ler a sua história.”

E temos de ter bem presente que “o problema da habitação se tornou o problema da cidade … um problema urbano, … de cidadania e político. Precisamos de mais arquitectura; mas, acima de tudo, precisamos de mais cidade.” (Luís Fernández-Galiano, no editorial “Vivienda sin ciudad”, saído há pouco tempo, no último número da revista espanhola “Arquitectura Viva”, centrado na temática “Piezas residenciales”)

Lisboa e Encarnação em 16 de Março de 2005

António Baptista Coelho


Redactor: José Romana Baptista Coelho
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domingo, março 13, 2005

Habitação sem cidade - Infohabitar 14

 - Infohabitar 14

O grande interesse e a oportunidade do tema leva-me a traduzir algumas partes do editorial do Arq. Luis Fernández-Galiano, intitulado “Vivienda sin ciudad” e saído há pouco tempo, tal como é felizmente hábito, no excelente último número da revista espanhola “Arquitectura Viva”, centrado na temática “Piezas residenciales”, que desde já se recomenda a todos aqueles que se interessam por estas matérias do habitar, não sendo preciso, de todo, serem arquitectos, basta apreciarem belas soluções urbanas e residenciais; e atenção que há belas soluções urbanas e residenciais portuguesas do atelier Promontório, muito bem apresentadas nesta revista.

Lisboa, Encarnação, 13 de Março de 2005
António Baptista Coelho

Habitação sem cidade


“ O problema da habitação tornou-se o problema da cidade. Durante o século XX, a transformação urbana provocada pela mecanização da agricultura e os fluxos migratórios do campo para a cidade provocaram o chamado «problema da habitação»...No princípio do século XXI, e no contexto do mundo desenvolvido, o alojamento não é já uma preocupação quantitativa ou sanitária, mas sim qualitativa e ambiental: garantidas as dimensões mínimas, a ventilação eficaz e a saudável insolação, a habitação contemporânea padece de mediocridade visual, programas rotineiros e envolventes anoréxicas.
...
É inevitável pensar que , independentemente dos nossos desejos, a degradação formal da cidade contemporânea é uma representação fiel da deterioração do organismo colectivo: um tecido doente no qual a beleza singular de algumas peças de arquitectura produz um efeito tão patético como jóias num rosto consumido.
A habitação no é hoje um problema que precise de experimentações estéticas ou inovações estilísticas; é um problema urbano, da civitas ou da polis, o que quer dizer, um problema de cidadania e político. Precisamos de mais arquitectura; mas, acima de tudo, precisamos de mais cidade.

Luis Fernández-Galiano, em “Vivienda sin ciudad”, n.º 97 da revista “Arquitectura Viva”, p. 20.


Apenas como um primeiro comentário a este óptimo texto, que merece ser integralmente lido, e não entrando no cerne da questão, diz-se apenas que mesmo as matérias do conforto funcional e ambiental acima indicadas (dimensões mínimas, ventilação e insolação), consideradas como “dados adquiridos” não o são, infelizmente, entre nós. E por aqui me fico, prometendo voltar a esta temática.
ABC

quinta-feira, março 10, 2005

Sobre as novas ferrovias - Infohabitar 13

 - Infohabitar 13

Na passada segunda-feira tive o grato prazer de ler no jornal Público um artigo de F. Almeida e Castro, que não irei aqui, nem de longe, resumir, mas apenas salientar alguns aspectos:

A Espanha tem uma bitola diferente da europeia, mas na nova rede de Alta Velocidade (AV) vai deixar de a ter, ligando-se aos traçados europeus, enquanto nós parece que pretendemos instalar uns tais "mecanismos de geometria variável" para adaptar as ditas bitolas, e, quem sabe, depois de uns anos de serviço verificar que tais mecanismos (eixos telescópicos) acabam por ter uma prestação menos adequada, não imagino sequer com que tipo de consequências.

O aproveitamento da ligação Lisboa-Porto para a nossa rede de AV não parece levar em devida conta "os encargos com a loja aberta", nem como tão bem diz Almeida e Castro, que provavelmente a AV lisboa-Porto irá retirar apenas meia hora ao tempo de percurso que fariam os Pendulares já existentes, "se os deixassem correr" e dá vontade de perguntar qual o custo dessa meia hora e se mesmo com essa meia hora a mais, e julgo que com cerca de duas horas de pendular não será já este percurso vantajoso relativamente ao feito de avião.

Um terceiro aspecto que me mereceu atenção especial no citado artigo é a importância que teria/terá, espero, uma ligação, pelo menos dupla, e claramente assumida entre Lisboa e Porto, individualmente, e os respectivos traçados mais próximos do lado espanhol; digo pelo menos pois ainda chamo a atenção para a importância que teria a ligação também por Faro, quem sabe talvez noutro tipo de "velocidade" (mas não sou especialista, nem de longe).

Termino com uma clara recomendação para lerem o artigo dp Eng. Almeida e Castro intitulado

"A alta velocidade ferroviária espanhola e Portugal - falando sério sobre coisas sérias (fim)."


Gostaria, no entanto, de meter aqui mais uma colheradazinha pessoal, não sendo, nem de longe, especialista na matéria, a ideia que tenho é que um verdadeiro projecto de AV português, que, por um lado, sirva as nossas principais zonas urbanas e também, se possível (ainda que de forma indirecta se não puder ser directamente), as nossas zonas territoriais mais desfavorecidas (estou a pensar por exemplo da Beira Interior e de Trás-os-Montes) e que proporcione ligações ibéricas e europeias funcionais e estimulantes pode ser um projecto verdadeiramente estruturante para o País, ligando-o "finalmente" a uma nova europa das culturas e da diversidade. E termino novamente com uma referência ao artigo citado quando refere que parece que não estamos interessados numa verdadeira rede de AV.
Imaginem apenas as potencialidades que teriam/espero terão ligações múltiplas de vários pólos do País através de Espanha e além Pirenéus, sobre carris, suavemente, em Alta Velocidade, deslocando-nos entre centros de cidades históricas; julgo que será "o verdadeiro sal" das enormes potencialidades do turismo europeu, só espero que então Portugal não continue a estar impossivelmente distante.

2005 - 03 - 10, Lisboa, Olivais,

Júlio Marques

quarta-feira, março 09, 2005

Dos bairros do crime ao verdadeiro problema da habitação - Infohabitar 12

 - Infohabitar 12

Sob o título “bairros de crime”

no Correio da Manhã de domingo passado, 6 de Março de 2005,o jornalista Henrique Machado traz-nos uma lista do que será uma espécie de roteiro dos “bairros sem ordem” que “fazem lembrar territórios sem lei, onde mandam os senhores do crime que trazem em pânico moradores que ainda resistem à marginalidade.”
A lista é significativa (de sul para norte): Palácio, Portimão; Bela Vista, arredores de Setúbal; Vale da Amoreira, Baixa da Banheira; Pica-pau Amarelo no Monte da Caparica, Almada; Zambujal em Alfragide, Amadora; Estrela de África e Venda Nova, Amadora; Cova da Moura nos arredores de Lisboa e várias zonas do grande bairro de Chelas (e provavelmente de outras zonas com elevados números de realojamentos/notar que este comentário entre parêntesis é meu) em Lisboa; Quintas do Mocho e da Fonte em Loures mas muito próximo de Lisboa; Ingote em Coimbra; Santiago em Aveiro; Paradinha em Viseu; e S. João de Deus e Aleixo no Porto.
Saindo do artigo este tema leva-nos muito longe e, para já, e eventualmente questionando a validade de algumas referências eventualmente não muito justas e a ausência de outras provavelmente bem devidas, aponto apenas que seria muito acertado realizar um estudo prático deste universo da nossa vergonha urbana e para ele tentar e aplicar, de forma expedita, as melhores receitas para lhes aumentar urgentemente a qualidade de vida e naturalmente lhes reduzir a insegurança e a intolerância.
E já agora tal estudo também ajudaria a não repetir os erros, como ainda vai acontecendo, embora menos frequentemente do que aconteceu, entre nós, no período entre o início dos anos 70 e meados dos anos 80.
Fica ainda uma reflexão urgente sobre quantos desses conjuntos têm dimensão excessiva, tipos de edifícios pouco adequados aos seus moradores, espaços públicos pouco acabados ou mesmo quase inexistentes, e deficientes condições de ligação à cidade, seja por reduzida continuidade urbana, seja por reduzido serviço de transportes públicos. E tudo isto é essencial para que a cidade se faça com habitação, como se tem de fazer.
E concluo com duas frases de um sábio colega espanhol, o arq. Luís Fernandez-Galiano:
“O problema da habitação tornou-se o problema da cidade”.
“A habitação ... é um problema urbano, da civitas ou da polis, isto quer dizer, de cidadania e político. Precisamos de mais arquitectura; mas acima de tudo precisamos de mais cidade.”

Lisboa, Encarnação, 09 de Março de 2005
ABC

sexta-feira, março 04, 2005

Onde acaba a identidade e começa o turismo? - Infohabitar 11

 - Infohabitar 11

Onde acaba a identidade e começa o turismo?

(a propósito de um artigo de Bruno Alves no Público de 4 de Março)

No âmbito da actividade do Grupo Habitar no respectivo blog infohabitar, salienta-se a questão acima referida, apontada pela Vereadora da Cultura de Cascais, Ana Justino, no II Fórum Ibérico sobre Centros Históricos, realizado a 3 de Março no Centro Cultural de Cascais (três dias de debate).
Onde acaba a identidade e começa o turismo?
E sobre esta questão cita-se José Noras, Secretário-geral da Associação Portuguesa de Municípios com Centro Histórico, quando disse que “o viajante não é um turista e ao viajante interessa particularmente a imagem de uma cidade desaparecida” (relembrando palavras de José Saramago em “Viagem a Portugal”) e sublinhou a importância da preservação de “toda uma memória.”
Sobre estas matérias gostaria de deixar aqui a seguinte reflexão em duas “partes”:
Parece ser fundamental articular um verdadeiro ordenamento do território com o desenvolvimento de uma actividade turística consistente e com futuro, não deveria ser possível “sofrer” certos tipos de percursos, perfeitamente destruídos na sua imagem e ambiente, para depois e finalmente se chegar a um local “turístico” e digno de atenção e fruição, esta não é a maneira certa de se dinamizar uma actividade que é provavelmente essencial para a nossa economia e, acima de tudo, para a nossa cultura e memória.
Parece ser possível e desejável reduzir a distinção entre espaço de viver e espaço de turismo, provavelmente o habitar do dia-a-dia ganha com algumas técnicas ligadas ao turismo, enquanto o turismo pode ganhar muito com alguma da qualidade espontânea e com o sentir e participar (d)a vida de comunidades residenciais positivamente caracterizadas e activas, e exemplo disto encontra-se, entre outros “centros”, no centro histórico de Guimarães.

Lisboa, Encarnação, 4 de Março de 2005

António Baptista Coelho