domingo, agosto 21, 2005

36 - Sentidos lugares I – algumas notas sobre o verde urbano - Infohabitar 36

 - Infohabitar 36


Sentidos lugares I – algumas notas sobre o verde urbano

Artigo de António Baptista Coelho

Entre continuar o estimulante comentário à temática dos lugares das casas e das cidades, que suscitou, de certa forma, um levantar de eventuais menores articulações entre baixa altura humanizada, verde urbano quase de “camuflagem” e outros problemas das nossas actuais cidades, com destaque para a sempre presente questão da verticalização, suas razões e seus limites; fica, por um lado, a vontade de continuar a aprofundar a questão da criação de lugares, mas não esquecendo a tão actual questão da altura do edificado e da sua caracterização e escala.

O verde urbano é uma ferramenta cuja importância em termos de caracterização e de humanização da paisagem urbana continua a ser descurada, ainda que, felizmente, exemplos históricos e alguns, poucos, novos exemplos demonstrem a potência arquitectónica real que pode ter uma árvore de arruamento, um alinhamento arbóreo e um muro ou uma fachada cobertos por uma trepadeira. Mas atenção, para se fazer isto bem, com respeito pela cultura que é a nossa e pelo sítio da cidade em que se actua, é necessário saber fazer arquitectura da edificação e da paisagem de uma forma simples mas realmente sabedora, sem apêndices inúteis e sem excessos de conteúdo, mas com uma pormenorização muito rica, mas depurada e cuidadosa.

Dá também vontade de dizer que, se o resultado for um ambiente global em que as árvores quase camuflam os edifícios, actuando como verdadeiro cenário de volume/espaço, ou, pelo contrário, se o resultado for um ambiente construído marcante onde qualquer presença natural seja um elemento protagonista, tudo bem, em qualquer dos casos, mas apenas se a globalidade da intervenção estiver bem desenvolvida e acabada, e tal não é fácil, sublinhe-se; mas afinal a boa arquitectura só provavelmente é fácil em aparência, antes de ser fácil para quem a vive na cidade, obrigou a um extenso e aprofundado cuidado de concepção.

Temos, assim, por exemplo, e felizmente, ruas urbanas que são verdadeiros jardins e em que a importância arquitectónica do todo se distribui muito equitativamente entre o edificado e a natureza humanizada; mas a ideia que parece prevalecer é que hoje em dia também se perdeu parte da sabedoria de se fazerem estes jardins/ruas. E vamos ligar este tema à questão da altura/escala do edificado: não dá ideia que este tipo de solução, tão humana, na escala/presença das árvores, se aplica preferencialmente em ruas com uma afirmada continuidade de edifícios bem pormenorizados, marcados pela horizontalidade e pela escala humana? Criando-se, de certa forma, um forte acompanhamento entre filas de árvores e filas de edifícios. Fica a ideia, que, naturalmente, merece desenvolvimentos.

Mas o protagonismo do arvoredo urbano, em grande aliança com o edificado, não fica por aqui, como se sabe. Não é por acaso que em importantes acções de requalificação de conjuntos habitacionais franceses “modernistas”, constituídos por edifícios altos (ex., até cerca de 15 pisos) e, em parte, isolados, se aplicaram extensas e pormenorizadas intervenções de arborização e naturalização, naturalmente aliadas a intervenções nos edifícios e na estrutura urbana. E basta pensar nas bases do próprio modernismo arquitectónico, com edifícios altos em grandes jardins com grandes árvores, para se perceber o sentido que tudo isto faz. Infelizmente, como sabemos, muitas vezes não se fizeram esses jardins, ou não se plantaram essas árvores, ou não se pensou na sua vital manutenção, ou até não se desenvolveram muitos dos elementos que fazem parte integrante de qualquer parte de cidade.

Sobre a altura dos edifícios na cidade falaremos noutros textos, em que também se falará, novamente das árvores na cidade e, afinal, do principal objectivo que têm todos estes elementos criadores do espaço urbano: a geração de lugares que possam ser sentidos pelos habitantes da cidade, e para isso é necessário investir no sentido dos lugares.

Provavelmente a identidade fortíssima que caracteriza cada elemento natural como único (presença marcante de uma natureza rica e sempre diferente e renovada) e, paralelamente, o agradável contraste entre esse elemento natural, ali humanizado, e a racionalidade da edificação citadina (fila de árvores, trepadeira sobre muro, vasos de plantas em janelas, etc.), produzem efeitos finais que muito contribuem para dar sentido e carácter aos lugares, ao mesmo tempo que se contribui para condições de estímulo e surpresa nos percursos e na paisagem urbana.

A tudo isto voltaremos e, para que não haja dúvidas, não se está aqui a fazer uma qualquer defesa “cega” do chamado “verde urbano”, mas sim apenas uma defesa forte de um urbanismo feito considerando, realmente, a natureza integrada na cidade, que assim se humaniza e caracteriza.

Realmente, não faz grande sentido falar do verde urbano de forma relativamente isolada. Há sim que falar da boa arquitectura urbana, globalmente e ao nível do pormenor, e nela encontraremos as facetas e os elementos do verde urbano, que, como acima se indicou, são valiosos factores de caracterização e de identidade dos lugares.

Seguem-se cinco imagens de diversas ruas e espaços arborizados do bairro de Telheiras (Telheiras Sul) em Lisboa. Como se poderá ver pretende-se, com estas imagens, ilustrar, com alguma informalidade, a linha de pensamento que se seguiu no texto, ficando em evidência a grande integração entre a edificação, o traçado viário e o verde urbano. As imagens foram recolhidas no início da Primavera (árvores ainda sem/ou com poucas folhas) quando de uma visita técnica do Grupo Habitar, que teve lugar há cerca de dois anos, e que foi orientada pelo nosso associado Arq. Duarte Nuno Simões; é desta visita a fotografia de grupo que também se junta.







O bairro de Telheiras Sul (63,5 hectares para 3.600 fogos) foi promovido pela EPUL e pela Câmara Municipal de Lisboa, entre 1976 e o início dos anos 80, com desenho urbano pormenorizado (projecto de 1973/74) de Pedro Vieira de Almeida e Augusto Pita.

Regista-se, ainda, que a última imagem se refere à rua residencial projectada por Duarte Nuno Simões e Maria João Cardoso, onde altos edifícios integram tipologias habitacionais diversificadas e com áreas limitadas e dialogam intensamente com um verde urbano muito expressivo, criando-se agradáveis condições de caracterização urbana e natural.


António Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação, 20 de Agosto de 2005

1 comentário :

Anónimo disse...

ABC
Bom texto, acompanhado de uma exemplificação cuidada dos conceitos nele expressos.
Venha mais!