sexta-feira, março 10, 2006

73 - A Cidade e o Carnaval, festa de antecipação do Equinócio da Primavera - um artigo de Celeste Ramos - Infohabitar 73

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A Cidade e o Carnaval, festa de antecipação do Equinócio da Primavera

um artigo de Celeste Ramos
Imagens de António Baptista Coelho
O homem vive dia a dia os seus gestos quotidianos apercebendo-se de que são ritmados pelos ciclos do sol e do dia, da lua e da noite e é também pelo sol que se apercebe do ritmo das estações, o que o faz mudar os seus comportamentos nos períodos e ritmos de trabalho mas também de férias, aproveitando o sol no pino de verão para enxamear as praias um pouco por todo o mundo, podendo actualmente ir cada vez mais longe com a profissionalização da organização da viagem, o desenvolvimento dos transportes e das comunicações tornando o planeta cada vez mais pequeno e mais perto.
Assim o homem atento aos movimentos humanos aproveita-os para desenvolver economias algumas derivadas das novas circunstância e regenerando outras que adormeceram ou mesmo se extinguiram.



Focadas nas novas "peregrinações" o turismo é sempre o maior provocador mas também o responsável pela desmultiplicação de actividades económicas ligadas à cultura e religião, ao desporto mais descomprometido ou de valor internacionalizado, sendo que em paralelo nascem as indústrias do design e do vestuário específico para as diferentes ofertas de férias, para além da promoção da agricultura e da gastronomia locais e também renascimento de tradições.
Aproveitando o sol e as praias ou as bancas montanhas da neve nos locais já consagrados ou nos que se preparam, há uma imensa troca de usos e costumes pagãos e religiosos.
A distribuição do tempo de férias passou a ser feita ao longo de todo o ano e ao longo do planeta aproveitando-se também as festividades calendarizadas de cada país visitado provocando no caminho reverso, o conhecimento de outras partes do mundo através desses viajantes e ainda das mais modernas formas de comunicação e de publicidade da "oferta aliciando o prazer de viajar para locais antes exóticos" acordando lugares recônditos e esquecidos e que o "viajante identifica" e passa a cartografar num espécie de outro mapa mundi do que de mais belo e interessante, e diferente, o mundo oferece, tornando esses locais cada vez mais apetecíveis e de que os mass media também se apropriam para divulgar, para além de provocar também a publicação de livros de viagens, tornando tudo mais fácil e acessível.
Quem diria assim que só a partir dos meados do séc. XX estar queimado pelo sol deixou de ser sinal de inferioridade social atribuída aos trabalhadores do campo e do mar passando para o oposto como sinal de exibição das classes superiores "com o seu ar de mais saúde no corpo e na bolsa" e que a partir daí também são agentes de criação de novas economias de construção de transporte privado por terra ou mar, passando o turismo de massas e de transporte colectivo a ser feito em meios individuais de que os iates serão um exemplo notório, mas a que bem cedo a indústria naval e turística respondeu com a oferta de verdadeiras cidades flutuantes do mais luxuoso e inesperado, como se todos os ciclos da natureza que provocam o movimento diário de cada homem se transmitisse aos seus actos mais inesperados de criação contínua de riqueza e de bem-estar material a par do bem-estar em tempo de descanso e de férias desbravando o planeta por terra e pelo mar, movimento que não se confina nunca mais a um só país porque o homem quer ir sempre mais longe ou ao mais fundo do mar.
No solstício de verão o medo ocidental transformou-se em movimento económico, cultural e lúdico a que mais tarde se seguiu em paralelo o desenvolvimento das mais variadas indústrias ligadas ao solstício de Inverno com as Festas de Natal e de férias na neve.
As festas cósmicas das 4 estações foram interpretadas pelos homens primeiro pelos ligados à exploração da terra e do mar e posteriormente pelo homem urbano que acrescentou algo mais para o seu desenvolvimento e mesmo aproximação humana de classes e de raças e de linguajares, por sua vez redistribuindo mercados e saberes de que serão "mensageiros" os homens de negócio.
No solstício de Verão a terra culminou na sua oferta mais generosa de sol que tanto doira a nossa pele como doira os frutos e lhe acrescenta perfumes, enquanto no solstício de Inverno que culmina no Natal com nascimento de novo sol no coração do homem e quando a terra está mais despojada porque também ela parece precisar de fazer o seu descanso maior, mas continuando a formar o seu húmus para o período que se lhe seguirá no equinócio da primavera, se também o homem "acumulou no verão como a formiga bens para o Inverno", terá ainda a possibilidade de usufruir da beleza da neve e da cultura dos lugares frios de oferta diferente mas igualmente generosa, ciclos eternos do homem e da natureza cada vez aproveitados de forma mais consciente, fechando ciclos, mas alargando-os a cada vez mais homens e mais lugares, ao planeta inteiro que parece assim "conquistado"
Mas entre estes grandes ciclos equinociais e solsticiais, e os ciclos diários, há ciclos intermédios de que o Carnaval é um deles e que constitui festa de antecipação do equinócio da Primavera.
Calendarizado no mundo ocidental, poder-se-ia dizer que são três dias de folia em que "nada parece mal", espécie de limite de manifestação colectiva que fecha um "ciclo de compromissos e de trabalho porque as férias também já ficaram para trás" mas que imediatamente abre outro ciclo – o da Quaresma – , em que outro tipo de recolhimento é pedido ao homem, diferente do que foi pedido em tempo de Natal.


Do "excesso carnavalesco" em que Carnaval significa despedir da carne (carne-aval), passa-se ao oposto em que o homem religioso faz jejum e mesmo abstinência a partir da quarta-feira-de-cinzas (redução a pó e nada), para se preparar espiritualmente para a Páscoa da Ressurreição que se lhe seguirá, e se o corpo físico foi preparado no verão e de energias renovadas, é agora a vez da preparação espiritual durante 40 dias (os 40 dias que Cristo passou no Deserto que segue à Epifania depois do natal e do Dia de Reis) até ao Domingo de Ramos ou Domingo das Palmas em que cristãos e ortodoxos festejam a entrada de Jesus em Jerusalém a anunciar a Paz no mundo se houver Paz em Jerusalém.
Os calendários mundiais das festividades são os mais variados e focados na cultura e crenças locais havendo porém alguns que são praticamente comuns a todos os homens essencialmente ligados à religião como o Natal e Páscoa e o Carnaval, sobretudo no mundo ocidental.
O Carnaval em Portugal tem largas tradições por mais aculturado que tenha sido por outras culturas, e as suas origens perdem-se nos tempos para além da nacionalidade pois que pode remontar a milhares de anos, sobretudo em Trás-os-Montes, à cultura Celta, parecendo actualmente revestir o "desígnio da alma e do prazer" tendo no entanto por essência remota não apenas festejar o fim do Inverno mas também a morte (o pai velho que se queima na fogueira para que possa nascer o Pai novo), como antecipação do equinócio da Primavera de Abril.
O Carnaval é também motivação de grandes fluxos turísticos internos e internacionais e também um pico de dinâmica em vários sectores de actividade económica.
Ciclos e sub-ciclos do céu e da terra, do homem e da cidade.
Lisboa e Bairro de Santo Amaro
28 de Fevereiro de 2006
Maria Celeste d'Oliveira Ramos
Imagens de António Baptista Coelho

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