quinta-feira, fevereiro 22, 2007

127 - A árvore suporte do mundo no espaço urbano (II) – das árvores/jardins, artigo de Celeste Ramos - Infohabitar 127

 - Infohabitar 127

Celeste Ramos
Participação de António Baptista Coelho na ilustração (parte das figuras

Palavras-chave: ecossistemas globais [alianças florestais mundiais - floresta (mata) - continuum naturale-contínuo edificado]; REN urbana, estrutura verde urbana e corredor verde [pulmões urbanos]; árvore notável, árvore património e árvore viária [na estrada, no passeio de peão e alameda e no jardim público e privado]; água na cidade e fauna urbana; ecossistema urbano versus ecossistema humano [a alma das gentes e da árvore - espaços para a alma, o silêncio, a meditação e o divino - a música do vento e a árvore inspiração do poeta - a árvore que na copa capta o sol e na raiz capta a água]; o espírito da árvore e o espírito do homem


Resumo
Partindo de citação breve dos grandes agrupamentos fitossociológicos planetários a fim de ter uma ideia global das condições geo-edafo-climáticas que os determinam, passando pela caracterização de resinosas e folhosas, centra-se a forma como são "escolhidas" para o espaço urbano e referem-se as mais variadas funções na qualificação do espaço urbano e termina-se com apelo de geo-consciência e geo-cidadania.

Da árvore ao jardim uma excelente e crucial viagem urbana

Se for grande e muito arborizado qualquer jardim ou parque urbano, de tudo isto podemos recolher o prazer e ensinamentos da natureza sem precisar de sair da cidade, mas onde estão, nas cidades, esses grandes jardins? E o hábito de os frequentar?

Onde estão os grandes parques de periferia de equilíbrio ecológico e climático e de sinalização-verde da cidade, de recepção das grandes cargas pluviométricas previsíveis ou "anormais", lugares constantemente ameaçados pelo romper de mais estradas ou arruamentos e gigantescos equipamentos urbanos, e outras coisas da cidade, reduzindo-os a caricaturas de jardim e de espaços de protecção ecológica, que deveriam constituir as "cinturas verdes urbanas”, sobretudo nas grandes metrópoles, áreas também importantes para desporto e lazer, como é Monsanto (Mont Saint) ou o Bois de Bologne?

Fisiografia, solo e clima, determinam a existência das espécies, a não ser que se introduzam "exóticas", de que o melhor exemplo será o da Serra de Sintra de que foi responsável o rei D. Fernando de Sax e Cobourg, que por condição e amor às árvores e sua imensa variabilidade de formas e cor, coleccionou tantas espécies de quase todo o mundo que fez da Feteira da Condessa um verdadeiro Arboretum conhecido no mundo e visitado também por isso, parecendo-me que esse paraíso vegetal está actualmente no total abandono e degradação, sujeito a fogo e vandalismo, como tantas coisas preciosas e únicas do país, que tantos antepassados se preocuparam em trazer e humanizar para depois usufruir, privadamente, e mais tarde publicamente, e de que os melhores exemplos no país serão Serralves e a quinta do Convento de Tibães, com projecto de recuperação feito por arquitecto-paisagista, agraciado com prémio europeu pelo seu magnífico restauro.




Quase todos os climas do mundo

O país de norte a sul contém, também por condição de situação geográfica e orográfica, quase todos os climas do mundo (atlântico, alpino, euro-atlântico e mediterrânico) e, daí, a maior variabilidade do mundo vegetal, tanto na floresta como em culturas agro-fruti-florícolas, e tanto nas áreas de regadio como de sequeiro, que o FOGO, betão e betuminoso, expansão urbana e de Centros Comerciais, vão dizimando. Riqueza a que só alguns, muito poucos, dão valor, como se se tivesse implantado o "ódio à árvore" e aos Jardins e mesmo à terra agricultável – que é, apenas, 36% do território nacional segundo a investigação e execução da cartografia orientada por esse grande agrónomo Ário Lobo de Azevedo –, porque é “prioritária” a construção de equipamento de consumismo popular ou elitista como o golfe, ou é preciso que "o arquitecto" modernize aquela alameda ou outro espaço qualquer, que já fez história e é memória dos lugares e habitantes, mas que interesse tem? Se é preciso fazer e desfazer constantemente, porque a criatividade e desenvolvimento deste e daquele lugar só se faz "modernizando" desta maneira destrutiva e irracional, repetitiva e inútil a que os decisores nos habituaram como se fosse normal e inteligente? Não, não é, porque privado da sua história – paisagem-memória – um povo entra em degradação.

A tal propósito é oportuno citar a imagem que correu na TV1-20h de 12 Novembro 2006, de um milhão de ovelhas que os agricultores de Espanha levaram até à capital a fim de reclamar contra a destruição e o corte das áreas de pastagem, com 125 mil km de estradas e expansão urbana, de que Portugal é vítima não apenas com as famosas IPs, designadas de estradas-criminosas pela UE, por várias razões: local de implantação, desenho de traçado, declives longitudinais, ausência de separadores de trânsito central para a velocidade legal, destruição de pequenos e grandes relevos e respectivos micro-climas e ecossistemas, e, por fim, pelo desmantelamento de ecossistemas.

No país o problema agrícola foi resolvido da forma mais brutal. Pois que se deixou simplesmente de considerar o sector agrícola e a sua população, parte dela obrigada a demandar o litoral, abandonando-se a produção agrícola e tudo o que daí derivava de actos contínuos de âmbito de produção artesanal e cultural, só reanimada pelos emigrantes que nunca, por enquanto, desistem de voltar à sua aldeia, em férias de Verão e de Natal, reavivando tradições e costumes, mas com os dias contados porque seus filhos já construíram suas vidas fora do país.




Nunca vi nada, nada que valha a Pena

"Hoje é o dia mais feliz da minha vida. Conheço a Itália, a Sicília, a Grécia e o Egipto e nunca vi nada, nada que valha a Pena. É a cousa mais bela que tenho visto. Este é o verdadeiro Jardim de Klingsor e, lá no alto, está o Castelo do Santo Graal" – Richard Strauss.

Já decorreu muito tempo sobre a acção dos "Monges agrónomos" - os Beneditinos - com o seu amor ao cultivo da videira para produção do vinho de celebração da Missa, e das flores para o Altar, e de árvores de fruta, que deram fama a Alcobaça de que resiste muito pouco, porque os decisores insistem, desde 1986, no país florestal (que ardeu) e não no país agrícola que tem 2 mil anos, porque os produtos agrícolas "alheios", dizem, são mais baratos, embora sejam apenas produtos químicos que há muito põem em perigo a saúde pública, sendo que França já voltou atrás muito recentemente, recuperando a sua agricultura-ecológica.

E ainda assim somos o país mais velho do mundo na delimitação das fronteiras físicas, tendo também, sem ser por acaso, a mais velha zona agrícola demarcada do mundo, a região do Douro, que faz agora 250 anos, mais velha do que alguns países tidos como desenvolvidos e fazendo parte do grupo restrito dos que decidem a vida do resto do mundo. Pobre país que perdeu a sua independência alimentar e de tão alta qualidade, pois que a sua gastronomia continua a ser apreciada mundo fora, e é cartaz turístico associado a saberes respectivos do cultivo da terra, bem como a manifestações culturais ancestrais, que se vão perdendo, quebrando-se uma longa cadeia de interdependências saudáveis, produtivas e autosustentáveis, perdidas nos jogos políticos indecifráveis e empobrecedores da própria cultura primordial nacional, e sabendo-se, contudo, que nenhum país do Clube Europeu, tão recentemente criado, destruiu um único m2 agrícola.

E é, assim, o país obrigado a importar o que "come", sem que se vislumbre qualquer opção até porque, por outro lado, os jovens abandonaram o interior produtivo e não irão mais deixar a cidade, os que ficaram envelhecem e morrem, ou suicidam-se e os poucos resistentes não são bastantes para recuperar e reanimar tudo o que se perdeu em escassas dezenas de anos em que se destruiu o que se construiu em 2 mil anos – pão e história e tradição nunca recicladas ou reabilitadas.




Sobre as velhas árvores e sobre o que não faz qualquer sentido

Pobres as árvores que levaram dezenas e centenas (ou milhares como as oliveiras - Olea sativa ou Sequoias sempervirens) de anos a ser Árvore e a conquistar o seu ecossistema de árvores de sombra que abriga, de árvores e arbustos de orla ou de clareira, e que, em minutos, a serra mecânica corta e transforma em lenha, inútil, dizimando-se o clima e a fertilidade do solo, pobres as árvores de espaço urbano que, igualmente, têm de dar lugar ao betão.

E é interessante focar como as velhas oliveiras que restaram em Lisboa (em Portugal há figueiras e oliveiras de norte a sul e de este a oeste), mesmo milenares, são muitas delas transplantadas, como é o caso do Jardim a que deram o nome “Jardim das Oliveiras”, no CCB; oliveira, a Árvore dos Santos Óleos dos cristãos do Mediterrâneo e ainda hoje respeitada pelos Judeus portugueses, cujo óleo é usado para cerimónias especiais da sua religião, afirmando-se que a qualidade do seu azeite é de valor superior, sobretudo o das oliveiras que ainda persistem em Trás-os-Montes.

Não será que a árvore também sofre? Não será que também a árvore tem alma?

Sobre a árvore centro de vida

E os animais da fauna cinegética (aves e mamíferos) que abriga bem como todas as espécies vegetais que à sua sombra se desenvolvem? E as colmeias? E todos os produtos dela derivados que são vida e economias e património do país e do mundo global? E que são igualmente ecossistemas de áreas ribeirinhas e outras zonas húmidas, que são local privilegiado de aves migradoras que, sem local de alimento e nidificação, se vão extinguindo, e que a UE insiste, através de Directivas, em fazer conservar nos países do sul (e do Sol) tanto as Aves como os Habitats.

E o como se destrói o seu húmus doce (mull), que a chuva ajuda a fazer escorrer encosta abaixo para fertilizar e ajudar a determinar o zonamento agro-silvo-pastoril; para além das sementes que vai "semeando".

Ora desta multiplicidade de árvores produtivas e benfazejas, incluindo árvores de fruto, o homem urbano escolheu algumas para as introduzir no seu espaço de habitar .




A cidade jardim no miolo dos quarteirões

No miolo dos quarteirões, fez pomar e horta-jardim quase como reminiscência da sua origem rural ancestral, plantou figueiras e nespereiras, pessegueiros e amendoeiras e pilriteiros, fez horta de legumes que consome ao longo ao ano, e não se esqueceu de plantas ornamentais como a bouganvillea, a roseira e os jarros, os narcisos e as dálias, e tantas outras espécies de jardim, que há pouco tempo ainda se assomavam aos muros de delimitação do casario nobre ou menos nobre, ou eram por outros vistos de andares mais altos, regalo para o olhar e memória ancestral e, ainda, terra permeável que absorvia grande parte da queda pluviométrica alimentando toalhas freáticas urbanas, e assim amenizava o clima, através da evapo-transpiração no Verão, e permitia respirar ar puro e nunca ozono e que, a seu tempo, impedia as enxurradas, que apenas há uma vintena de anos aumentam de intensidade e gravidade; e que, no Inverno, já sem folhas, deixavam olhar o Sol que aquecia a cidade.

Hoje, esses quarteirões são locais de densificação urbana ou de construções auxiliares para estacionamento automóvel ou, simplesmente, lixeiras colectivas dos materiais mais imprevisíveis, que se abandonam, porque "educação ambiental" é, também, assunto escolar de meninos, para desenhar e aprender a brincar, sem intenção de ir formando cultura e consciência.

Os jardins de traseira, tão importantes como os pequenos jardins de quarteirão, cheios de árvores e arbustos e plantas anuais, que se enchiam na primavera de pássaros de telhado e andorinhas, que voltavam na primavera ao mesmo lugar, já não existem nem fazem história, mas não são merecedores de qualquer manifestação na Avenida da Liberdade; porque qualidade de vida, sobretudo desde a década de 80, não passa de peditório de aumento salarial, porque a tal se resume a exigente cultura urbana portuguesa.


A cidade histórica desmorona de esquecimento e desprezo. A VIDA começa a morrer na Cidade.

A ecologia urbana passa a ser diferente e os habitantes animais são outros, como as formigas, as baratas e as ratazanas e a insalubridade geral, porque os funcionários da CM envenenam os pombos e dizimam cães e gatos "vadios", pois que já nem esses habitantes "tradicionais" existem, porque não é sinal de se ser civilizado nem mesmo nos bairros periféricos e mais "familiares".




A Árvore na Cidade

Assim a ÁRVORE na Cidade, seja a de arruamento (ou alinhamento) em fileira única ou em alameda, em sebe para protecção do vento ou divisão de propriedade, ou maciço em Jardim, isolada como exemplar-património, em enquadramento paisagístico de edifícios singulares, não é mais do que a que foi escolhida nos ecossistemas naturais por poder adaptar-se às mais difíceis condições de poluição e exiguidade de espaço, tendo o "jardineiro" imitado em espaço artificial os ecossistemas naturais de que o mais brilhante exemplo é o Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian.

Ou quase "torturando" os seres vegetais obrigando-as ao desenho mais geométrico obedecendo à planta do espaço ajardinado ou mesmo domesticando-lhe a forma natural de que Vaux-le-Vicomte será o mais belo exemplo de jardins do mundo, desenhado pelo erudito jardineiro e hidráulico Le Nôtre para o ministro das finanças de Louis XIV, que logo encomendou a construção de Versailles, num pântano, sendo que Villandry, no Vale do Loire, do séc. XVII, é igualmente de grande beleza, sendo duplamente jardim de prazer e de ervas de cozinha, horta e pomar, mas sendo que, em Versailles, continua a existir o "Potager du Roi", embora se tenha destruído, em Serralves, a área de Horta, para construir Museu de Arte Moderna desenhado por altamente premiado arquitecto - sem opção, porque para arquitecto das pedras não há opção para arquitecto-paisagista.

Quando o homem se tornou sedentário e fez agricultura, fez o primeiro jardim

Quando o homem se tornou sedentário e fez agricultura, fez o primeiro jardim. Sempre o homem procurou o divino nas estrelas do céu, mas foi nos jardins que o encontrou e lhe chamou Éden. Dos jardins suspensos da Babilónia chegou-se ao esplendor do jardim formal obrigando as plantas a conterem-se na forma artificial até que o próprio homem se libertou da sua imposição à natureza libertando-a à sua forma natural com o jardim à inglesa.

A árvore na cidade já pouco é indicadora das quatro estações do ano com as suas folhas perenes ou caducas exibindo todas as cores de doirado a castanho e ferrugem de Outono, não dá ninho e alimento aos pássaros e não obriga o cidadão a lembrar-se como é a natureza e o clima e como são os ritmos naturais, como acontece no espaço rural que ainda é habitado, a árvore já não transpira no Verão para equilibrar a humidade relativa do ar, juntamente com a evaporação da terra, que já não há por ter dado lugar ao betuminoso, sendo assim quase nula a evapo-transpiração; e assim a temperatura média urbana alterou-se porque as áreas são de matérias artificiais acumuladoras de calor, a árvore já não é agente de infiltração da chuva através dos orifícios criados pelas suas raízes, porque nos jardins já só há cimento e as caldeiras são calcadas e impermeabilizadas pelo automóvel que sobre ela estaciona.
Há/houve árvores na cidade

Há árvores de folhas persistentes e outras, cujas folhas são caducas.Mas o que me faz confusão, é que andem nuas no invernoe vistam um sobretudo de folhasno verão!
FolhagensJorge Sousa Braga, Herbário (1999)

Era uma árvore no passeio
E fosse tempo claro ou feio
havia uma paz de agasalho
dependurada em cada galho
E foi vivendo. Viveu gasta
músculo e flama de ginasta
quanto mais uma arvorezinha
meio garota de sobrinha




Carlos Drummond d'Andrade, Mola de Bolso


A Árvore já não existe nos separadores de trânsito centrais que foram destruídos para alargar o número de faixas de rodagem ou, nos que existem, a terra foi tapada por betuminoso para servir de estacionamento automóvel, que não pode ficar sujo de lama.

O homem urbano só olha para a árvore quando os seus ramos lhe entram pela janela ou lhe tapam a vista e quer ver cortadas, mas é capaz de se queixar da sua ausência quando o calor de verão aperta.

Com o sol a trepar pelas árvores
Não tardará
que a manhã corra mais limpa
e se possa beber

Véspera de Sol
Eugénio de Andrade, O Peso da Sombra, 1982





Cidades "plantadas" à beira-rio



São muitas as cidades "plantadas" à beira-rio, mas nem todas têm um rio tão largo, um rio tão belo como o Tejo, que não é apenas ocupado com os transportes públicos como a maioria dos que atravessam a cidade ao meio, partindo-a e desligando-a, porque os serviços tomam conta dela pois que o Tejo separa e une as cidades que se implantaram na borda do seu pequeno "mediterrâneo" - O Mar da Palha -, na cidade-capital que lhe é "sobranceira" do alto das suas colinas, sentinela vigilante de ambas as margens, tão maltratadas e mal aproveitadas para usufruto da população que as invade logo que o tempo seja de sol.

Haverá muitos rios belos como o Tejo mas não há nada mais belo do que o Rio da minha aldeia/cidade e com as áreas verdes, que entram na cidade e se vão ligando aos grandes e pequenos jardins privados e públicos, por ela dispersos, perfaz o Continuum naturale.

Morreu no Tejo a gaivota mais esbelta
a que morava mais alto e trespassava
de claridade as nuvens mais escuras com os olhos
Cantos de pescadores, embalai-a!
Versos de poetas embalai-a!
Brisas, peixes, marés, rumor de velas, embalai-a


Tejo – elegia para uma gaivota, Sebastião da Gama – Campo Aberto


Tu que passas por mim tão indiferente
no teu correr vazio de sentido,
na memória que sobes lentamente
do mar a nascente
és curso do tempo já vivido
Não, Tejo,
não és tu que em mim te vês,
sou eu que em ti me vejo ??

Por isso, à tua beira se demora
aquele que a saudade ainda trespassa
repetindo a lição, que não decora,
de ser, aqui e agora
só um homem a olhar o que passa
Não Tejo
não és tu que em mim te vês,
sou eu que em ti me vejo !

Um voo desferido é uma gaivota
não é o voo da imaginação
gritos não são agoiros, são a lota ...
Vá, não faças batota,
deixa ficar as coisas onde estão
Não Tejo
não és tu que em mim te vês,
sou eu que em ti me vejo

Tejo desta canção, que o teu correr
não seja o meu pretexto de saudade
Saudade tenho sim, mas de perder
as águas vivas da realidade
Não Tejo
não és tu que em mim te vês,
sou eu em mim que me vejo !

O Tejo corre no Tejo, Alexandre O’Neill - Feira Cabisbaixa





O fantástico século XX



Depois da II Guerra Mundial o mundo parecia regenerar-se e engrandecer e dar espaço ao enriquecimento material já que à libertação do feminino no virar do século XIX-XX se seguiu, nos anos 60, o movimento juvenil de S.Francisco do flower-power, make love not war, que foi o primeiro "ensaio já de escala mundial" de resposta à liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução francesa, pois que também nasciam novas nações submergidas no colonialismo.

Mas a segunda metade do séc. XX foi, em paralelo, o tempo de maior desenvolvimento, de todos os tempos, de todas as ciências e tecnologias que se por um lado vieram em benefício do Homem, por outro, foram de destruição até ao actual nível de agonia da Terra-Mãe, a Gaia, planeta sagrado. Da individualização imperou o individualismo, mas estando mais uma vez atentos, os jovens que são sempre o sangue novo e a seiva do mundo, construíram a universalidade do amor entre todos sem distinguir nem famílias nem idades, nem mesmo nações, de que vocês são, todos, o produto final como se se tivesse finalmente encontrado o ecossistema global Terra-Homem.

Da grande escuridão do Poder da Igreja e dos Estados, ou mesmo da família, começa-se a ver acenderem-se cada vez mais velinhas no mundo de que vocês já fazem parte e que disso têm de ter consciência e, agora, não apenas em termos de relacionamentos humanos, mas também da relação HOMEM-HABITAT, dando continuidade a esse Geo-instante para construção de uma Geo-consciência de Geo-cidadania, ou não estivéssemos já numa total visão do sentido da globalização, não da selvagem que vigora, mas daquela que vos pertence continuar como tarefa gigantesca, sob pena de estar em perigo não apenas a Terra mas também o homem e a vida global, homem que, apenas em 50 anos, desbaratou o que a Gaia ofereceu depois de se ter engalanado em festa durante 4 mil e 600 milhões de anos para que estivéssemos aqui.



A esperança


Eu que herdei o passado de que vos falo e atravessei a grandeza e queda do Homem e do Planeta só posso, como ser vivo no fim da linha da vida, confio na juventude, e por isso digo que os jovens portugueses não são já só portugueses, mas sim pessoas globais, apenas se distinguem dos outros jovens pela língua-mãe e talvez por uma alma tão diferente das dos restantes países, alma-colectiva e riqueza nacional a preservar neste mundo global mal entendido de estandardização dos gestos da vida.

Que parte cabe a cada cidadão, e a cada jovem, para manter viva a tradição-memória definidora da nossa cultura, e seguir um bom caminho? Cabe às novas gerações tratar, como trata a sua casa, esta Gaia e dela ser vigilante responsável não apenas em termos de local de habitar nem mesmo de território nacional, já que a Natureza não tem as fronteiras que o Homem desenhou para criar países, pelo que, hoje, no mundo global de gestos e costumes semelhantes, aculturados e hibridados, o que fizermos na nossa “casa” reflecte-se além fronteiras próximas e longínquas, porque só há uma Casa, o Planeta Azul.

A função das árvores

Nos cinco continentes, as árvores, na sua maior diversidade têm todas a mesma função de suportar o mundo e o clima e a vida global.

Formas imponentes à beira rio, nas montanhas geladas ou nos vales, e mesmo nos oásis dos desertos de areia. Esculturas vivas definidoras geoestratégicas e geoclimáticas de todas as longitudes e latitudes do planeta.

Lições de vida do ser e no estar no “lugar identificando-o diferenciadamente, dele tomando a identidade e, aqui sim, o termo sustentável colhe a sua maior expressão e significado. Mas multiressistentes e adaptáveis o homem colheu-as de um lugar e levou-as para mais perto de si, mesmo para ao-pé-da-porta e por isso nos permitiram conhecer de perto o que estaria só tão longe.

E se o país pequenino em dimensão física pela sua situação geo-gráfica-climática na ponta mais ocidental da Europa, solo e relevo, é repositório da maior variabilidade de árvores atlânticas e mediterrânicas, também, recebeu as muitas exóticas para aqui trazidas ao longo de séculos por reis ou viajantes, que tão bem se adaptaram não se sentindo “estrangeiras” nesta “nesga de terra rodeada de mar”. E assim sendo é repositório de espécies arbóreas dos cinco continentes, neste rectângulo “quase” de oiro.

Mas riqueza tamanha foi transformada em “achas para a fogueira” e tal que, desprotegidos os solos a chuva os faz aluir e descarnar até às pedras-mãe (rocha-mãe), fazendo jorrar a pouca vegetação que resta e o solo fértil transformado em lama até entrar na habitação e mesmo em património monumental provocando enxurradas catastróficas, pobreza e dor, apesar de chuvadas com queda pluviométrica normal, própria do clima português de características ancestrais de instabilidade.


Fora da cidade e dentro dela à árvore foi roubada a sua função planetária

Fora da cidade e dentro dela à árvore foi roubada a sua função planetária – vida – beleza – livro de leitura e de aprendizagem também das quatro estações do ano e da sua dimensão de abrigo de outros seres que dela dependem. Na área geográfica de clima planetário equatorial e Ásia das Monções, as árvores são eternamente verdes (abundância de calor e chuva todo o ano – duas estações – das chuvas e do cacimbo).

Cada árvore, porém, ao ser deslocalizada, mantém, em outro lugar, as suas características genómicas.


PLANTAI ÁRVORES


PLANTAI VIDA


Lisboa 28 de Outubro a 8 de Novembro - Bairro de Santo Amaro
Maria celeste d'Oliveira Ramos
engª.silvicultora e arquitecta-paisagista

Refere-se, em seguida, um elemento bibliográfico fundamental nestas temáticas:
Contributos para a Identificação e Caracterização da Paisagem em Portugal Continental (+ volume Açores)”
Editado pela DGOTDU-Projecto co-financiado pela Comunidade europeia - FEDER - Programa Interreg II C – Sudoeste europeu
Edição elaborada pela Universidade de Évora - departamento de Ordenamento Biofísico e Paisagistico, 2002
Coordenado pelos professores arquiectos paisagistas - Alexandre Cancela d'Abreu ,Teresa Pinto Correia e Rosário Oliveira
Sete livros: uma caixa de cartografia das unidades de paisagem do país e um CD – preço 100 euros


Texto-base de conferência proferida pela Arq.ª Maria Celeste Ramos em Novembro de 2006 em Lisboa, na Universidade Nova, FCSH.

Revisto para publicação no Infohabitar e re-ilustrado por António Baptista Coelho, em 11 de Fevereiro de 2007.

Editado por José Baptista Coelho, em 22 de Fevereiro de 2007


Nota do editor:
Acaba aqui este novo excelente e grande artigo de Celeste Ramos que foi editado esta semana e na semana passada aqui no Infohabitar com o título e sub-títulos: “A árvore suporte do mundo no espaço urbano: (I) dos homens-árvore às florestas de resinosas e folhosas; e (II) das árvores/jardins”.
Este artigo corresponde ao texto-base de uma conferência que foi proferida pela Arq.ª Maria Celeste Ramos em Novembro de 2006 em Lisboa, na Universidade Nova, FCSH.


Alguns sites que “falam” de árvores:

http://www.dias-com-arvores.blogsopt.com/

http://arborday.org/trees/majTreesMain.cfm

http://asiatours.net/press/en/images-laos.html

http://www.europanostra.org/images/awards_2004_winners/buckelwiesen2.jpg

http://fount-k.com/~tomo/sumb/yun_2654.jpg

http://www.owlfish.com/weblog/2004/10/toronto-autumn.jpg

http://www.britishacorn.com/tourism/sandalwood/index.html

http://www.fireflybooks.com/travel/new.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Jakarta_silhouetto.jpg

1 comentário :

Anónimo disse...

Existe sempre a possibilidade de viver no campo ou nos Olivais. Porque raio não nos deixam a cidade em paz com as árvores? Acaso Vos agrada que se construam edifícios no campo? Será que nunca repararam que as cidades começaram a deixar de o ser quando começou a obsessão pelo verde? Por que será que as casas no Olivais são as mais baratas de Lisboa? Por que será que nas ruas com árvores todas as pessoas preferem as casas acima da copa? Por que será que não se atravessa o Parque Eduardo VII depois do entardecer (a não ser durante a Feira do Livro)? Por que será que não querem perceber que a árvore tem um lugar na cidade mas é diferente desse? Por que não experimentam passar uns dias em Paris - nos arrondissements interiores ocidentais, porque os outros já começam a perder qualidades - de olhos bem abertos para tentar perceber o lugar das árvores na cidade?

Será também conveniente deixar de chamar cidade ao produto da tenebrosa disciplina inventada com a melhor das intenções por Ildefonso Cerdà no século XIX - o Urbanismo. Alguns arquitectos lúcidos começaram já a distinguir a cidade do urbano, o que poderá ser um primeiro passo.

O Marquês de Pombal - que tinha árvores a perder de vista em Oeiras - publicou um decreto, em Dezembro de 1755, que impedia a construção nova fora da cidade devastada. Ideia tão brilhante como dolorosa para os habitantes,alguns, como o Marquês de Fronteira, tiveram a possibilidade de se instalar nos subúrbios, onde já tinham propriedades, mas os restantes foram obrigados a sustentar a vida da cidade, que se manteve viva até à triste ideia (porque é emblemática, bem intencionada e até tem arquitecturas interessantes) do Plano dos Olivais, da cidade queijo suiço, que serviu de mote ao descalabro suburbano dos anos setenta.

Também me parece que falta um jardim na Baixa, mas o que falta antes disso são vidas que permitam parar ali entre o trabalho e o regresso a casa - em Paris conseguem, vá-se lá saber como - para que não seja apenas para os inactivos - os bons e os maus - como vai acontecendo hoje.

John Le Doe