quinta-feira, junho 28, 2007

146 - Um dia por Lisboa – Fazer e não fazer. Texto de Nuno Teotónio Pereira - Infohabitar 146

 - Infohabitar 146

No passado dia 19 de Junho, foi organizado, no contexto da próxima eleição para a Câmara Municipal de Lisboa, um encontro de características inéditas e que se revelou do maior interesse. Tratou-se da iniciativa de um grupo de personalidades independentes relativamente às candidaturas em disputa e que se desenrolou no Teatro São Luís, numa maratona non-stop, das 18 às 24 horas.
Orientados por uma mesa composta por Luísa Schmidt, Nuno Artur Silva, João Seixas, Leonor Cintra Gomes e outros, foram ouvidos depoimentos de cerca de 30 pessoas convidadas, onde pontificavam figuras públicas das mais variadas profissões, entre as quais arquitectos, jornalistas, etc. Ao mesmo tempo, cabinas dotadas de gravadores foram postas à disposição dos assistentes, para poderem também manifestar as suas opiniões sobre o que fazer e o que não fazer em Lisboa, versando temas como ambiente, vida quotidiana, mobilidade, urbanismo, reabilitação, governação, participação dos cidadãos, etc.
Todas as intervenções estão a ser tratadas e sistematizadas, com vista à respectiva divulgação.



Fig. 01

LISBOA / Fazer e não Fazer



A – O QUE DEVE ABSOLUTAMENTE SER FEITO

QUATRO COISAS A EXIGIR AO GOVERNO / ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA PARA VIABILIZAR A GOVERNABILIDADE DA CIDADE



1. Um governo para a AML, com meios, competências e legitimidade democrática.


É sabido que muitos dos mais graves problemas da cidade só podem ser resolvidos à escala metropolitana. O que foi decretado recentemente pelo governo sobre a composição da Junta Metropolitana pouco ou nada adianta. É indispensável que este órgão e a Assembleia sejam eleitos – não necessariamente por sufrágio universal, mas pelo conjunto dos membros das assembleias municipais dos concelhos envolvidos.

Neste quadro, a criação da tão prometida Autoridade Metropolitana de Transportes deve ser imediata. Caso já existisse, teria sido possível que os milhões enterrados no inútil túnel do Marquês fossem investidos em parques automóveis gratuitos nos acessos rodo e ferroviários à cidade, reduzindo substancialmente a entrada de carros em Lisboa.

Estes objectivos devem ser concretizados no período de emergência dos próximos dois anos, Se tal não puder acontecer, a CML deverá, para garantir a governabilidade da cidade, propor aos municípios da AML um mecanismo permanente de concertação visando a obtenção de consensos relativamente aos problemas mais graves, funcionando como uma espécie de governo paralelo, com vista a suprimir a ineficácia da Junta, com a sua organização actual.


2. Exigir também legislação imediata com vista à penalização fiscal progressiva dos fogos devolutos,


dado que a duplicação do IMI há pouco decretada é absolutamente insuficiente para obrigar a colocar no mercado de venda ou arrendamento as quase cem mil habitações desocupadas na cidade.

Efectivamente, só com o agravamento, ano-após-ano, do imposto (como há anos se pratica em Espanha), será possível atingir um duplo objectivo: reocupar essas casas, ao mesmo tempo que, por efeito do aumento célere da oferta, fazer baixar os preços hoje praticados em Lisboa, inacessíveis a uma vasta camada da população.

Entretanto, após a tomada de posse da nova Câmara, devem os serviços iniciar de imediato o recenseamento dos fogos devolutos, tarefa que nas cidades do Porto e Coimbra se tem revelado extremamente lenta, devido à dificuldade em cumprir os preceitos legais.

Também esta questão deverá estar solucionada no período de emergência, para que os objectivos de repovoamento da cidade possam ser concretizados ao longo do mandato seguinte.

3. Exigir ainda a cessação do domínio absoluto das frentes ribeirinhas pela APL.


Tal poderá ser concretizado por uma gestão tripartida desses territórios, envolvendo APL, CML e AML, cabendo naturalmente ao governo as decisões finais nos casos em que não se verifique consenso.

4. Finalmente, exigir aos ministérios e outros órgãos a desocupação célere dos pisos térreos e das sobre-lojas do Terreiro do Paço,


com excepção apenas dos acessos aos edifícios – reduzidos ao mínimo indispensável.

Será assim possível, a curto prazo, a instalação, ao longo das arcadas, de espaços de animação, cultura, lazer e mesmo comércio, indispensáveis para que o Terreiro do Paço se transforme num pólo de convívio dos que moram em Lisboa, dos que aqui trabalham e dos que a visitam. Quanto à placa central, deve ser tratada e respeitada como um monumental espaço de contemplação.



Fig. 02

OUTRAS QUATRO COISAS QUE DEVEM ABSOLUTAMENTE SER FEITAS, NO ÂMBITO DAS COMPETÊNCIAS DOS ÓRGÃOS MUNICIPAIS


1. Refazer o mapa das freguesias, agrupando as de área mais reduzida, por forma a dotá-las de dimensão e massa crítica capazes de desempenharem um papel relevante na administração de proximidade.


No mesmo sentido, estes órgãos devem ser dotados de competências e meios, descentralizando os serviços camarários, de acordo com o princípio da subsidiariedade. Estas novas unidades administrativas poderão ser designadas por “bairros”, como acontecia nas primeiras décadas do século XX, preservando as freguesias históricas o seu carácter simbólico.

2. Retomar com vigor a política de habitação social, mas em moldes radicalmente diferentes dos anteriores.


Com a execução do PER e a extinção do Casal Ventoso, levadas a cabo com um decidida vontade política, mas com soluções algo desajustadas, foi possível erradicar na quase totalidade os bairros degradados e de barracas em Lisboa, subsistindo todavia milhares de famílias vivendo em condições indignas na cidade. No entanto, a solução não estará na construção de novos bairros, guetizados, mas sim na adopção pela CML da nova política em ultimação pelo governo com a designação de “Porta 65”. Trata-se de realojar as famílias carenciadas em habitações devolutas dispersas na cidade, contando para isso com apoio estatal, em termos de financiamento e de agilização de procedimentos. Também para este fim a forte penalização fiscal dos fogos devolutos é necessária e urgente.

Complementarmente, os núcleos de habitação social construídos no âmbito do PER, isolados do tecido urbano e por isso muitas vezes com carácter de guetos, deverão ser inseridos em contextos alargados e socialmente diversificados, tarefa a atribuir à EPUL, no cumprimento dos objectivos que, há 40 anos, justificaram a criação da empresa.


3. Arrancar com o Plano da Baixa-Chiado, como objectivo fulcral para a cidade


 mas pondo de lado propostas fundamentalistas de restrições ao tráfego automóvel – antes procurando promover a sua conveniência com o peão – de forma a evitar um novo factor para a desvitalização da zona.

Ainda no campo da mobilidade, promover a construção de parques de estacionamento:

a) de carácter dissuasor e gratuitos, junto dos eixos de transportes colectivos que convergem para Lisboa;

b) a preços acessíveis, para residentes, nos bairros mais carecidos de Lisboa, como forma de evitar o êxodo populacional para as periferias.

4. Finalmente, sujeitar a ampla discussão pública as medidas mais relevantes ou polémicas, antes da tomada de decisões.


E isto aos diferentes níveis: municipal, de bairro, ou mesmo da AML. Entretanto, rejeitar, como método de participação, os referendos, muitas vezes de efeitos perversos e de clara ilegitimidade no contexto da democracia representativa. Debate público, tão alargado quanto possível, sim, mas reservando sempre as decisões para os órgãos eleitos.

Ainda no campo da participação dos cidadãos, duas iniciativas:

a) ao nível de bairro, ensaiar a prática do orçamento participativo;

b) para melhoria e manutenção do espaço público, organizar grupos de voluntários, também ao nível local, para a detecção de anomalias ou incongruências lesivas da sua dignidade e harmonia e de fácil resolução – e que muitas vezes se prolongam por décadas perante a inacção dos poderes públicos.


Fig. 03

B – O QUE NÃO DEVE ABSOLUTAMENTE SER FEITO


1. Licenciar mais condomínios fechados


que são, no interior das cidades, como que tumores malignos que prejudicam a função de sociabilidade que estas devem desempenhar.

2. Licenciar mais grandes superfícies


pois as que já existem têm contribuído para asfixiar o comércio de bairro e das zonas centrais da cidade.

3. Instalar um hotel no Terreiro do Paço


pois isso constituiria um atentado gravíssimo ao estatuto de símbolo do poder que o conjunto monumental possui e que deve ser respeitado.

4. Entaipar o Jardim Botânico com volumes de construção no Parque Mayer


por forma a que esse tesouro escondido de Lisboa possa ser contemplado a partir desse recinto e da Avenida da Liberdade.

Lisboa, Teatro S. Luís / 19.06.07
Nuno Teotónio Pereira


Ilustrações de ABC inseridas pela edição.
Edição no Infohabitar: Lisboa, Encarnação – Olivais Norte, 28 de Junho de 2007.
Artigo editado por José Baptista Coelho.

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