domingo, março 30, 2008

190 - IDENTIDADE ESCOCESA - artigo de João Ferreira Bento - Infohabitar 190

 - Infohabitar 190

É sempre com um gosto muito especial que o Infohabitar edita um novo amigo e companheiro nesta pequena, mas estimulante, aventura editorial.
É o caso do Arq. João Ferreira Bento, que tem colaborado em vários estudos do Núcleo de Arquitectura e Urbanismo do LNEC, como é actualmente o caso de um grande trabalho no âmbito da análise das condições de habitabilidade do edificado do Bairro do Alto da Cova da Moura e que será, espera-se, muito brevemente, doutorando em áreas que muito têm a ver quer com o artigo que hoje nos traz, sobre as políticas de arquitectura europeias, quer com os aspectos fundamentais da qualificação arquitectónica residencial e urbana.

O João Ferreira Bento tem editado vários artigos sobre as políticas de arquitectura europeias no Boletim da Ordem dos Arquitectos; é o caso deste (atenção há novidades na política de arquitectura escocesa desde final de 2007 que não estão incluídas neste artigo), e será, espera-se, o caso de outros artigos que já nos prometeu sobre semelhante temas, mas sobre casos de estudo na Finlândia, Itália e Bélgica.
E já agora fica a indicação ampla para muitos sites que tratam esta matéria, hoje cada vez mais crucial num amplo cenário urbano e paisagístico que tem de passar a ser marcado por uma “obrigatória” qualidade, ou, que, pelo menos, tem de passar a estar garantidamente livre daqueles elementos que são autênticos intrusos sem qualquer qualidade ou mesmo elementos destruidores de uma boa paisagem urbana.

A edição do Infohabitar não tem qualquer dúvida sobre a urgente importância e a falta de divulgação desta temática em Portugal, condição que justifica bem a publicação destes artigos e a sua maior divulgação.

A edição do Infohabitar


Fig. 01

ESCÓCIA
Área: 78,782 Km2
População: 5,062,379 (9,6 % do Reino Unido)
Densidade: 64 ha/Km2
Capital: Edimburgo

Políticas de Arquitectura na União Europeia:

IDENTIDADE ESCOCESA

João Ferreira Bento


No panorama europeu, a Escócia tem-se salientado como um dos países mais inovadores no campo das políticas de arquitectura, não só através das intenções expressas na sua política nacional mas também através das conquistas que tem conseguido alcançar.

- Passado
Enquadramento
A Escócia nos últimos anos tem vivido mudanças governamentais muito importantes, devido principalmente à devolução de poderes parlamentares, por parte do Reino Unido para a Escócia.

Devido a problemas financeiros, o seu parlamento original foi dissolvido com o Tratado de União, em 1707, em detrimento de um único parlamento para a Grã-Bretanha, resultando numa união política e económica entre os dois países.

No entanto, após quase trezentos anos, o Reino Unido devolveu à Escócia os poderes legislativos que antigamente possuía, aproximando o debate político dos cidadãos escoceses, criando-se assim um governo regional e um parlamento.

Este processo iniciou-se após um referendo (em Setembro de 1997) no qual os escoceses, numa percentagem de três para um, votaram sim à criação de um parlamento regional separado do Reino Unido. Deste modo, em 1999, a Escócia volta a criar um governo e a eleger deputados.

Para a elaboração do projecto do parlamento foi lançado um concurso de ideias internacional e, paralelamente, iniciou-se o processo de elaboração da primeira política nacional de arquitectura escocesa.

Desenvolvimento de uma Política Nacional de Arquitectura


O início do processo de criação desta política deu-se com o compromisso do governo escocês em desenvolver uma Política Nacional de Arquitectura. Deste modo, em Setembro de 1999, após 4 meses do novo governo ter tomado posse, foi publicado o primeiro esquema da política, “The Development of a Policy on Architecture for Scotland”.

Este primeiro esquema estabelecia o contexto do desenvolvimento da política e salientava o porquê do interesse do governo na qualidade dos edifícios e espaços públicos, definindo também a importância dos edifícios em termos sociais, culturais e económicos. O documento foi submetido a consulta pública realizando-se discussões sobre áreas de intervenção “chave”.

Em Outubro de 2001, foi finalmente aprovado no parlamento Escocês o documento final da Política Nacional de Arquitectura.
Objectivos

Os objectivos da Política são os seguintes:

-Promover o valor e os benefícios da arquitectura de qualidade, encorajando o debate sobre o desenrolar da arquitectura na vida local e nacional, e levar a um maior entendimento dos produtos e processos no design dos edifícios.

-Premiar e reconhecer a excelência do design, celebrando conquistas no campo da arquitectura e do espaço urbano e promovendo a arquitectura escocesa ao nível nacional e internacional.

-Encorajar um maior interesse e envolvimento das comunidades em assuntos que afectem espaços urbanos locais.

-Promover uma cultura de qualidade na construção de edifícios públicos que englobem bom design como uma maneira de atingir um desenvolvimento sustentável.

-Assegurar que, tanto o projecto dos edifícios como os seus componentes construtivos e os processos associados, ambos promovam e facilitem o desenvolvimento uma arquitectura de qualidade.


Fig. 02: Parlamento Escocês, projecto de Enric Miralles,
2005, Edimburgo. Image © Scottish Parliamentary Corporate Body - 2005.

-Presente

Parlamento

Uma conquista importante para a política de arquitectura, foi a construção do novo parlamento, o qual, devido à sua função de lugar de debate, concertação e decisão, deveria ser um edifício que reflectisse o país que representa.

Deste modo, o desenho do edifício foi entendido como elemento fundamental a ter em conta, quer a nível nacional, quer ao nível internacional. O vencedor do concurso de ideias acabaria por ser o arquitecto espanhol Enric Miralles.

Este complexo edifício é uma mistura de aço, madeira e pedra, localizando-se em Edimburgo, perto de Holyrood Park. Recentemente, foi considerado como um dos edifícios mais inovadores da actualidade, existentes no Reino Unido.

Embora tenha havido vários problemas na sua construção, sobretudo devido ao adiamento sucessivo do prazo de execução da obra e ao grande aumento do orçamento previsto inicialmente para a sua construção, abriu as suas portas ao público em Outubro de 2004, tendo já recebido mais de 300.000 visitantes.


Fig. 03: Parlamento Escocês, projecto de Enric Miralles,
2005, Edimburgo. Image © Scottish Parliamentary Corporate Body - 2005.

The Lighthouse
Outra grande conquista da política de arquitectura escocesa foi a criação do Instituto de Arquitectura e Design, “The Lighthouse”, em Glasgow. O instituto situa-se num edifício de autoria do famoso arquitecto escocês Charles Mackintosh e abriu pela primeira vez ao público, em 1999.

O instituto provou ser um grande sucesso e uma aposta ganha para a divulgação da arquitectura, como forma de arte e cultura, sendo considerado o Instituto de Arquitectura mais visitado da Europa, tendo recebido mais de um milhão de visitantes, nos últimos 5 anos.

O desenvolvimento cultural que o Instituto de Arquitectura e Design provocou tem tido um papel regenerador na afirmação da identidade Escocesa.

Centro virtual de arquitectura escocesa

Desenvolvido pelo Instituto de Arquitectura e Design, o centro virtual de arquitectura é um site dedicado a mostrar a melhor arquitectura Escocesa, através de exposições virtuais, artigos, elementos interactivos, etc.

É também capa e meio de lançamento de notícias importantes, sendo actualizado quase diariamente, permitindo aceder a um fórum de discussão e de opinião, debatendo-se assuntos polémicos do mundo da arquitectura.

Desde o seu lançamento, em 2002, tornou-se num recurso nacional de acesso a informação e de comunicação dentro do campo da arquitectura e do urbanismo.

-Futuro
No início de 2005, o governo escocês colocou na Internet um relatório sobre o progresso da implementação da política nacional de arquitectura, desde o seu início até à actualidade. São apontados os esforços e metas alcançadas de modo a conseguir atingir os objectivos propostos.

Os resultados apresentados são surpreendentes. A definição de uma política de arquitectura complementada pela criação de um Instituto de Arquitectura é fundamental para dar uma maior visibilidade à nossa profissão de arquitectos e à valorização da arquitectura e do urbanismo, dos edifícios e dos espaços públicos das nossas cidades.

Quanto tempo, ainda, teremos que esperar para podermos dispor destas ferramentas em Portugal?


Para saber mais ver os sites:

- Desenvolvimento de uma Política de Arquitectura Escocesa (1999)
http://www.scotland.gov.uk/architecture/archpolicy.pdf

- Política Nacional de Arquitectura Escocesa (2001)
http://www.scotland.gov.uk/library3/construction/apoa.pdf

- Relatório sobre a implementação da Política de Arquitectura (2005)
http://www.scotland.gov.uk/library5/culture/pasar05.pdf

- Centro virtual de Arquitectura Escocesa
http://www.scottisharchitecture.com/

- Instituto de Arquitectura e Design Escocesa
http://www.thelighthouse.co.uk/

- Ordem dos Arquitectos da Escócia
http://www.rias.org.uk/

- Parlamento Escocês
http://www.scottish.parliament.uk/

- Ordem dos Arquitectos do Reino Unido
http://www.riba.org/

- Charles Rennie Mackintosh
http://www.crmsociety.com/

- Arquitectura de Edinburgo
http://www.edinburgharchitecture.co.uk/

Este artigo sobre a Política Nacional de Arquitectura da Escócia, publicado no Boletim da Ordem dos Arquitectos, n.º 150 de Julho de 2005.
Informam-se os interessados que, desde final de 2007, já há novidades na Escócia sobre esta matéria.


Edição no Infohabitar em 30 de Março de 2008
Editor: José Baptista Coelho


Créditos das figuras:
Parlamento Escocês, projecto de António Miralles,
2005, Edimburgo. Image © Scottish Parliamentary Corporate Body - 2005.

domingo, março 23, 2008

189 - Arquitectura, Ciências Humanas e Habitar - Infohabitar 189

 - Infohabitar 189

3.ªConferência Alargada do Grupo Habitar, 31 de Março de 2008 na UNL

"O diálogo entre Arquitectura e Ciências Sociais Humanas na construção do Habitar - I"



APRESENTAÇÃO E CONVITE



No dia 31 de Março de 2008, segunda-feira, na Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – FCSH, decorrerá, desde as 18h.00, a 3.ª Conferência Alargada do Grupo Habitar sobre "O diálogo entre Arquitectura e Ciências Sociais Humanas na construção do Habitar", conferência esta que é aberta a todos aqueles que nela queiram participar, não sendo necessária inscrição prévia.

Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas: Avª de Berna 26-C, Auditório 2, situado no Bloco 2 – Torre B – 3,º andar (a U.Nova de Lisboa encontra-se praticamente em frente à Igreja de Fátima).

A ideia para a qual o convidamos é estar algum tempo connosco ouvindo, numa primeira parte da Conferência, algumas perspectivas disciplinares e pessoais sobre o tema da relação entre o habitar projectado e o habitar sentido, que é também o tema da relação entre a arquitectura do habitar, a "filosofia" do habitar e a vivência do habitar (a casa e a cidade), considerando a sua verdadeira adequação mas sem se perder a sua dimensão urbana e cultural; e depois o convite é que a conversa passe para toda a sala.

A sessão será iniciada às 18h e concluída, obrigatoriamente, antes das 20h.

Para apontar algumas ideias teremos diversas opiniões de projectistas e de estudiosos e especialistas na matéria e mesmo algumas imagens de soluções habitacionais marcadas pela adequação ao modo de vida.

Encontra neste documento o perfil dos colegas que farão as intervenções iniciais.

O Grupo Habitar regista, aqui, um agradecimento público à Comissão Científica do Departamento de Sociologia da FCSH da Universidade Nova de Lisboa pelo apoio disponibilizado.
A Direcção do Grupo Habitar




“Há alguma coisa nessa actividade, que é o filosofar, que tem alguma afinidade com o caminhar …”[Eduardo Prado Coelho (1)]


Um pequeno texto de introdução à temática da procura da relação entre o habitar projectado e o habitar sentido



Em torno e acerca dos espaços de habitar que fazem viver quer as cidades, quer os pequenos aglomerados, muitas disciplinas têm vindo a desenvolver, designadamente, nas últimas dezenas de anos, os seus conhecimentos e modos de actuação, assistindo-se, hoje em dia, e cada vez mais, a um esforço de concentração multidisciplinar em temáticas urbanas e residenciais que ainda não há muito tempo eram praticamente exclusivas da formação em arquitectura.

Afinal e tal como disse Fernando Gil (2): “Aquilo a que hoje se chama pluridisciplinaridade não é uma metodologia, é a única metodologia possível para se perceber seja o que for. E essa é a razão pela qual é necessário estar-se aberto para fora de um certo limite.”
Uma nota especial deve ser endereçada para a necessidade de se irem definindo e articulando, mutuamente, os conceitos empregues nestas amplas áreas do habitar, criando-se, por um lado, uma crescente e gradualmente consolidada plataforma multidisciplinar de discussão e cooperação técnica, enquanto, por outro lado, se deverão ir traduzindo tais conceitos numa linguagem a todos acessível e apoiada, sempre que possível, em exemplos práticos perfeitamente ilustrativos desses mesmos conceitos.

Afinal, esta matéria das humanidades nos mundos do habitar tem a ver muito directamente com o eterno e matizado confronto entre quem habita e quem é responsável pelas soluções habitacionais e urbanas.

Há, assim, que desenvolver as matérias disciplinares e mesmo os procedimentos que possibilitem a melhor harmonização de tais esforços de todos os profissionais da cidade e do habitar.

O problema chega bem para todos e para os esforços conjuntos de todos, desde que cada especialização tenha a capacidade de contribuir com aquilo que realmente vai conhecendo melhor, e numa fundamental atitude de respeito duplo pelo bem-estar amplo do habitante e pelo hoje crucial constante desenvolvimento de uma mais-valia cultural, que tanta falta faz e fará.

Historiadores, engenheiros com diversas especializações, urbanistas, psicólogos, sociólogos, antropólogos, economistas, gestores, médicos, juristas, filósofos e geógrafos, tratam cada vez mais os temas urbanos e residenciais e assiste-se, também, a uma eclosão prática de novas especializações geradas pela fusão de diversos conhecimentos profissionais e académicos e/ou pela especialização objectiva na temática global do habitat urbano ou em algumas das suas sub-temáticas.

Será deste caldear de conhecimentos e de uma fundamental clarificação dos objectivos a perseguir, que poderão resultar adequadas intervenções habitacionais de raiz e de requalificação. E nesses objectivos as perspectivas da gradual constituição de um património urbano vivo e valioso e de uma afirmada aproximação à satisfação de quem habita são aspectos a privilegiar, considerando, ainda, as condições específicas e agravadas ligadas aos actuais e candentes problemas urbanos e sociais.

Entre exemplos recentes desta crucial confluência de especialidades recorda-se um trabalho coordenado por Panerai, sobre análise urbana, que trata da história da cidade numa assumida perspectiva multidisciplinar, que associa a história, a geografia, a cartografia, a análise arquitectónica, o desenho, a observação construtiva e a análise dos modos de vida.

Em Portugal, lembra-se, por exemplo, a ainda recente criação, em Janeiro de 2004, do Grupo Habitar – Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional, como sinal dessa perspectiva de urgente concentração multidisciplinar na temática do habitar; de certa forma construindo um novo pólo temático em torno do qual o estudo e o aprofundamento da cidade habitada assume contornos mais específicos e razoavelmente autónomos, concentrando esforços de um amplo leque de formações.



3.ªConferência Alargada do Grupo Habitar, 31 de Março de 2008 na UNL
"O diálogo entre Arquitectura e Ciências Sociais Humanas na construção do Habitar - I"



Intervenções iniciais de :

António Baptista Coelho, arquitecto (ESBAL), doutor em Arquitectura (FAUP), Investigador Principal com Habilitação e chefe do Núcleo de Arquitectura e Urbanismo (NAU) do LNEC, Vice-presidente da Nova Habitação Cooperativa, fundador e Presidente da Direcção do Grupo Habitar.

António Pedro Dores, doutorado em Sociologia (1996) com agregação em Sociologia (2004) pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), Coordenador de Mestrados sobre Sociologia da Instabilidade ou Instituições e Justiça Social, Gestão e Desenvolvimento, docente no ISCTE, investigador no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES, no ISCTE).

António Reis Cabrita, arquitecto (ESBAL), Investigador Coordenador ap. e Especialista do LNEC, Professor Catedrático Convidado e Coordenador da Licenciatura em Arquitectura do Pólo de Viseu da Universidade Católica Portuguesa, fundador e Vogal da Direcção do Grupo Habitar.

Bruno Marques, arquitecto (Univ. Lusíada-Porto), mestre em Planeamento e Projecto do Ambiente Urbano (FAUP), doutorando (FEUP), Docente na Escola Superior Artística do Porto (ESAP), autor de diversos projectos de realojamento, técnico na C. M. de Santa Maria da Feira, recebeu o Prémio do Instituto Nacional de Habitação em 2000 e Menção Honrosa em 2001 (Prémio INH), fundador e Vogal da Direcção do Grupo Habitar e do NAAV - Núcleo de Arquitectos de Aveiro.

Defensor Gomes de Castro, engenheiro civil, iniciou a sua carreira nas áreas do habitar no Fundo de Fomento da Habitação, foi Director da delegação no Porto do Instituto Nacional de Habitação desde a sua criação em 1984, foi um dos mentores do Prémio INH, ao longo dos seus 18 anos de desenvolvimento, é actualmente coordenador da Delegação no Porto do Instituto da Habitação e da Reabilitação urbana (IHRU) e é fundador Vice-presidente da Direcção do Grupo Habitar.

Guilherme Vilaverde, Dirigente e Gestor Cooperativo, Presidente da Cooperativa As Sete Bicas, Presidente da Direcção da FENACHE - Federação Nacional das Cooperativas de Habitação Económica, Director Nacional da CONFECOOP - Confederação Cooperativa Portuguesa, Autarca e fundador do Grupo Habitar.

João Lutas Craveiro, sociólogo, mestre em Sociologia Urbana e Rural (ISCTE), doutor em Sociologia do Desenvolvimento e da Mudança Social pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa onde é docente convidado na licenciatura e mestrado em Sociologia, Investigador Auxiliar no Núcleo de Ecologia Social (NESO) do LNEC, e membro do Grupo Habitar.

Informações: António Baptista Coelho, abc@lnec.pt , abc.infohabitar@gmail.com , www.infohabitar.blogspot.com e 914 631 004


(1) Eduardo Prado Coelho, “O inabsorvível”, Público - opinião, 17 Janeiro 2004.
(2) Fernando Gil ao Expresso de 10/12/93.

domingo, março 16, 2008

188 - Mais e melhor habitação, mais e melhor cidade - Infohabitar 188

 - Infohabitar 188

Mais e melhor habitação, mais e melhor cidade

António Baptista Coelho
Escreveu Christian Norberg-Schulz, alguém que marcou a teoria da arquitectura do habitar, que “o homem precisa de um ambiente urbano que lhe facilite referências de imagens”, o que destaca a importância da imagem urbana, “precisa de recintos ou zonas que tenham um carácter particular”, o que evidencia a importância da caracterização dos espaços habitados, “e precisa de percursos que levem a sítios específicos e de pólos urbanos que sejam lugares distintos e inesquecíveis", o que revela a importância do ordenamento, da coesão urbana e do bom desenho.

E atente-se que nesta qualificação não surgem, por exemplo, aspectos funcionais aos quais ninguém nega a importância, só que talvez agora a principal batalha seja outra.


Fig. 01: Cooperativa Coohafal, Funchal, 1988, Arq. Guilherme Barreiros Salvador


Para além de mais qualidade precisamos de mais habitação devido: à desagregação da família tradicional; ao aumento da esperança de vida; ao crescimento do trabalho e do lazer em casa; à “necessidade” de cada vez mais espaço doméstico; à existência de muitas habitações eventuais e outras degradadas e longe dos centros urbanos; ao constante crescimento das grandes zonas urbanas do século das cidades; à substituição de um parque habitacional sem viabilidade de reabilitação e sem valia cultural; e devido às graves carências habitacionais que ainda persistem – das habitações precárias à sobre-ocupação.

Uma necessidade recentrada numa habitação tipologicamente diversificada e amplamente qualificada, a tal com um “carácter particular num sítio inesquecível”, a tal que falta na cidade humanizada que também hoje nos falta, regenerada por vizinhanças vivas, e que harmonize satisfação residencial com qualidade arquitectónica.


Fig. 02: Cooperativa As Sete Bicas, Azenha de Cima, Matosinhos, 1989, Arq. Pedro Ramalho, Arq. Luís Ramalho

E nestas matérias de uma fundamentada adequação qualitativa e diversificação tipológica de soluções residenciais completas – que vão da casa á vizinhança urbana – salienta-se, na prática, o interesse da promoção cooperativa habitacional, estruturada por objectivos de participação dos habitantes, integração e gestão urbana; afinal objectivos de grande actualidade pois conduzem ao desenvolvimento de soluções habitacionais e citadinas marcadas pela identidade, pelo potencial de apropriação e pela adaptabilidade, num caminho de substituição da produção repetitiva e massificada por uma produção habitacional e urbana personalizada e caracterizada, uma perspectiva de desenvolvimento que se integra totalmente na perspectiva de desmassificação, que foi recentemente defendida, em Lisboa (2008), por Alvin e Heidi Toffler, como sendo de grande actualidade.

Sinteticamente, é possível afirmar que há que pensar muito menos em tipos de edifícios e muito mais em tipos de habitações, acessibilidades, agregações de habitações personalizadas, serviços residenciais diversificados e vizinhanças “únicas”, criadoras de orgânicas partes de cidade, atraentes, conviviais, afectuosas e culturalmente fundamentadas, pois está a fazer-se a cidade de todos. E esta é uma temática que exigirá aprofundamento numa série específica do Infohabitar.



Fig. 03: Cooperativa Coobital, Alto de S. António, Faro, 1991, Arq. José Lopes da Costa e Arq. Pais. José Brito.

É assim chegada a altura de não mais maltratar o habitar como um produto de consumo e deficientemente concebido, porque esquecido de boa parte das suas valências, de não mais repetir cegamente projectos-tipo sem desenho e de não mais fazer dormitórios tristes, pois soltos da cidade; é tempo de fazer cidade viva com habitação bem desenhada e que ajude as pessoas a serem felizes, e, em tudo isto, é urgente aplicar uma ampla política habitacional.

Uma ampla política habitacional que tenha em conta a necessidade de harmonizar a evidente necessidade de reabilitação urbana, numa perspectiva de revitalização citadina, com a também muito evidente necessidade de construir ainda muita habitação de interesse social em que há que equilibrar os fundamentais objectivos de integração social e física (integração positiva e em pequenas intervenções) com os ainda necessários objectivos ligados ao grande número; pois afinal debatemo-nos, ainda, com uma carência estimada em cerca de 200.000 novas habitações, às quais há que adicionar aquelas que são necessárias a um muito elevado número de famílias que vivem em sobre-ocupação (cerca de 250.000), e é também necessário ter, ainda, em conta um número também muito elevado de habitações que precisam de obras urgentes (mais de 300.000), indicações estas que consideram notícias recentes (finais de 2007 e início de 2008) que têm sido divulgadas na comunicação social.


Fig. 04: Alto da Loba, C. M. de Oeiras, 1993, Arq. Nuno Teotónio Pereira e Arq. Pedro Botelho.

Aprofundando, agora, a referida perspectiva de não mais maltratar o habitar, tratando-o como um produto de consumo e deficientemente concebido, uma preocupação que é sempre fundamental quando se apontam estes elevados níveis de carências habitacionais, que ainda persistem, é necessário sublinhar, desde já, que uma urgente e aprofundada preocupação com o habitar, seja o habitar a habitação, propriamente dita, ou a habitação das vizinhanças habitadas e amigáveis, seja o habitar (d)a cidade dos homens, é uma preocupação que tem de ser assumida como fundamental na megasociedade e na megacidade de hoje, se não perdemo-nos, perdendo-nos em identidade, perdendo-nos em cultura, perdendo-nos em humanidade e perdendo-nos na nossa fundamental dimensão cívica, tolerante e convivial.


Fig. 05: Cooperativa de Habitação de Massarelos, Porto, 1994, Arq. Francisco Barata e Arq. Manuel Fernandes de Sá

E não tenhamos quaisquer dúvidas que para (con)viver (n)a cidade precisamos de nos sentir bem com a nossa casa, entenda-se casa a casa entre paredes e em privacidade individual e familiar e a casa/bairro ou mesmo a casa/cidade, e que para viver à vontade a megacidade e para estar em rede com vontade e espírito aberto, é muito bom que nos possamos ligar a alguns aspectos fortes de enraizamento e de identidade:

. seja em mundos pessoais e familiares;
. seja em cenários afectivos e efectivos de vizinhança de proximidade;
. seja nos mundos citadinos intermédios e bem conhecidos de bairros bem caracterizados e funcionalmente bem estruturados.



Fig. 06: Telheiro/S. Mamede de Infesta, C. M. de Matosinhos, 2001; projectista coordenador Arq. manuel Correia Fernandes

Só assim, habitando, com gosto e satisfação, uma cidade bem habitada, e habitando-a (marcando-a e sendo por ela marcado) desde os recantos domésticos aos recantos urbanos, uns e outros envolventes e apropriados, só assim poderemos estar verdadeiramente disponíveis para o outro sentido mais global e sempre um pouco abstracto do habitar o mundo, que passa por realidades relativamente virtuais e “em rede”, que terão de encontrar uma excelente base real, capaz de incentivar a manutenção das relações sociais efectivas, num convívio feito em presença real do outro e entre outros.

Há assim, portanto, muito a fazer num combate sem tréguas a um habitar desenraizado, descaracterizado, impessoal e sem natureza cívica e convivial, um combate onde há que harmonizar, sem hesitações e sem recuos, mais e melhor habitação e cidade, pois, tal como muito bem afirmou Luís Fernández-Galiano, “o problema da habitação tornou-se o problema da cidade”, e pode acrescentar-se que o problema da cidade se tornou o problema deste mundo que é afinal, hoje em dia, o mundo das grandes cidades, que devemos resgatar e reganhar para os homens.


Fig. 07: Nova Habitação Cooperativa (NHC), Plano Integrado do Zambujal, Amadora, 2003, Arq. Carlos Carvalho.

E citando um belíssimo texto de Rafael Toriz (1) podemos dizer que “foi erro nosso pensar a cidade como abstracções, conjugando um plural aberto com o qual se apontam imensidades: fizemos das megacidades labirintos e totalidades abissais – sem harmonia – para o objectivo/finalidade que as habita: o nosso corpo e a sua tão delimitada visão.” Uma frase que nos remete para a importância que tem o aprofundar de uma ampla humanização do habitar e da cidade habitada, uma humanização com reflexos directos numa qualidade arquitectónica que seja qualidade cultural e qualidade sentida pelos seus habitantes.

Notas:. A ilustração é indicativa das matérias abordadas no texto, desenvolvendo a via dos bons exemplos e dos casos de referência, apontando essencialmente a prova de ser possível (e urgente) aliar: “habitação social”; qualidade arquitectónica; habitação com qualidade; e revitalização urbana.
. Num outro nível de leitura, a que voltaremos, proximamente, aqui no Infohabitar, a ilustração quer apontar ser possível pensar muito menos em tipos de edifícios e muito mais em tipos de habitações, acessibilidades, agregações de habitações personalizadas, serviços residenciais diversificados e vizinhanças “únicas”, criadoras de orgânicas partes de cidade, atraentes, conviviais, afectuosas e culturalmente fundamentadas, pois, além de habitação, está a fazer-se a cidade de todos.
. Boa parte destas matérias são desenvolvidas em diversos trabalhos realizados no Núcleo de Arquitectura e Urbanismo do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), que estão disponíveis na Livraria do LNEC e designadamente os seguintes: “Qualidade arquitectónica residencial” (2000) e “Habitação Humanizada” (2007).
. Parte deste artigo foi editado no n.º 9 da Revista “Cubo” de 23 de Fevereiro de 2008 com o título “Mais e melhor habitação e cidade”.

(1) “Cartografias: Las ciudades – el lenguaje – y la voz que las habita”, um artigo editado no excelente site “Antroposmoderno” (
http://www.antroposmoderno.com )

quarta-feira, março 12, 2008

7.ª ASSEMBLEIA GERAL DO GRUPO HABITAR: CONVOCATÓRIA - Infohabitar 187

 - Infohabitar 187

GRUPO HABITAR (GH)
Grupo Habitar – Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
CONVOCATÓRIA:
7.ª Assembleia-gerala realizar em Lisboa nas instalações da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
em 31 de Março de 2008





Em cumprimento do disposto nos artigos 17º, 27º e 42º dos Estatutos, convoca-se a 7.ª Assembleia-geral, em sessão ordinária, para reunir em Lisboa, na Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – FCSH, na Av. de Berna 26-C, Auditório 2, situado no Bloco 2 – Torre B – 3,º andar, na tarde da segunda-feira, dia 31 de Março de 2008, pelas 19,30h , com a seguinte Ordem de Trabalhos:
1. Apreciação e aprovação da Acta da Assembleia-geral anterior;
2. Apreciação e aprovação das contas de 2007;
3. Admissão de novos associados, que se convidam a estar presentes;
4. Reflexão geral sobre as actividades desenvolvidas e a desenvolver no âmbito do GH, considerando, objectivamente, a sua dinamização em 2008;
5. Informações.
Se à hora marcada não estiverem presentes metade dos associados, a Assembleia reunirá meia hora depois, com os membros presentes, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 28.º dos mesmos Estatutos.

Lisboa, 12 de Março de 2008


O Presidente da Mesa da Assembleia-geral,
Duarte Nuno Simões


Nota importante: esta convocatória foi enviada por mail com aviso de recepção e editada na revista/blog
http://www.infohabitar.blogspot.com – a partir de 12 de Março de 2008.
ANTECEDENDO A ASSEMBLEIA GERAL, PELAS 18,00 H, NO MESMO LOCAL, TERÁ LUGAR uma Conferência Alargada sobre "O diálogo entre Arquitectura e Ciências Sociais Humanas na construção do Habitar", O PROGRAMA DESTA CONFERÊNCIA SERÁ, EM BREVE, DIVULGADO.
Esta conferência é aberta a todos aqueles que nela queiram participar, sem necessidade de inscrição prévia;

domingo, março 09, 2008

186 - Paisagens II: algumas notas sobre a árvore na cidade - Infohabitar 186

 - Infohabitar 186


Algumas notas sobre a árvore na cidade

Texto de António Baptista Coelho sobre palestra de Maria Celeste Ramos.

A propósito de um relato informal do que nos disse a Arq.ª Paisagista Maria Celeste Ramos na sua excelente palestra no Auditório 2 do Departamento de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa em 14 de Fevereiro de 2008, apontam-se muitas ideias referidas pela palestrante e desenvolvem-se, um pouco, algumas linhas de pensamento sobre a árvore e a cidade.
De forma alguma se faz aqui um apontamento sistemático da muito rica intervenção de Celeste Ramos, apontam-se apenas algumas das ideias expostas, que mútua e minimamente se estruturam e sobre as quais se desenvolvem alguns comentários pessoais. E desde já se afirma que não se está aqui a esgotar o tema da relação entre a árvore e a cidade, previsto para esta sequência de artigos sobre a paisagem.

Falemos um pouco da cidade para começar.

A dimensão da cidade já não é aquela pela qual se optou ao longo de milénios e neste jogo relativo à dimensão da cidade há aspectos fundamentais a considerar, entre os quais um dos mais importantes é que a cidade é tanto um espaço físico como um espaço emocional – e, por vezes, e, hoje em dia, muitas vezes, há um grande esquecimento da dimensão emocional da cidade e das suas partes e elementos constituintes. De certa forma já nos aproximámos desta matéria no primeiro artigo desta série, quando se referiu a importância da paisagem urbana e quando se tentou oferecer uma definição de paisagem, muito ampla e afectiva.

É importante lembrar aqui que, em séculos passados, para além de se tratar de outros tempos e outras realidades, nas quais havia realmente graves problemas em termos de pobreza e de qualidade de vida, e tal como apontou Celeste Ramos, as cidades tinham uma dimensão mais palpável, mais sentimental, mais física. E não será possível recuperar, hoje, um pouco dessa dimensão? Reaprendendo como fazer ruas e praças para as pessoas e pondo de lado, para sempre, o urbanismo feito para ser bonito nos desenhos e para ser útil ao veículo e a uma sociedade que, afinal, nem será aquela que mais nos interessa e que é a mais adequada a um ambiente regenerado?


Fig. 01: Alfama

E desenhar agora, desta maneira, formalizando-se aquilo que muitas vezes se fez de forma relativamente espontânea, mas também, muitas vezes, de forma exemplarmente objectivada e concretizada, será, como indicou a palestrante: desenhar com a natureza, organicamente; e/ou desenhar com uma racionalidade esclarecida. Empenhando-nos, sempre, na nobre e exigente tarefa de criar os ambientes da casa e da cidade.

Um outro aspecto a considerar é que a cidade é também o espaço dos serviços, dos serviços “ao pé da porta” e da rica conjugação de uma grande diversidade de serviços, mas Celeste Ramos defende que até isso está a desaparecer, substituído pela especialização e concentração excessivas. E esta noção de cidade de serviços ao pé da porta, de cidade que se habita entre a casa de cada um e a rua que é de todos, é uma noção de plenitude urbana que se integra bem com os aspectos de ligação à natureza que nos são proporcionados pelo verde urbano, pelo jardim urbano e especificamente pela árvore urbana, que é afinal um pequeno jardim em altura. E teremos, assim, idealmente, as vantagens da civilização, sem perder parte das vantagens da natureza.

Para além destas questões ligadas à concepção e à cidade desenhada, a cidade é também, como referiu Celeste Ramos, o espaço do sonho, o que obriga a ser um espaço condigno e com relações com a imaginação, a criatividade e a diversidade e isto terá sempre a ver com o verde urbano.

Afinal, e tal como referiu a palestrante, um dos elementos da cidade é o conforto visual, e se ele existir sentimos paz, quando percorremos a cidade, e há também os equilíbrios nas alturas e nas cores dos elementos dos cenários urbanos; e se assim acontecer sentimo-nos bem e ficamos mais disponíveis para a cidade e as outras pessoas que também a habitam, e em tudo isto, e tal como afirma Celeste Ramos, o que mais nos atrai e o que mais nos faz sair e flanar na cidade é o belo, e o belo tem a ver com o direito ao belo.

E assim se vai conformando e vitalizando uma cidade mais próxima de nós, humanos, próxima, por proximidade física e por identidade e atractividade, uma cidade que nos distrai verdadeiramente e que nos emociona e, consequentemente, nos convence a sair e a usar os seus espaços e que nos diz, em todos eles, que o que ali nos oferece é um verdadeiro suplemento de alma e de funções ao que temos bem guardado e ali bem à mão nos nossos mundos domésticos.


Fig. 02: Lisboa, da Graça ao Castelo

Naturalmente que tudo isto não se faz apenas com o verde urbano, mas faz-se sempre considerando e incluindo a natureza e a paisagem natural, de forma integrada com e na paisagem urbana, mesmo quando numa relação paralela ou de contraponto.

Este é o caminho certo, mas há muitos caminhos errados, caminhos que Celeste Ramos foi referindo e sublinhando numa sequência de situações negativas que apontou, referidas a um bairro de Lisboa, onde mora, mas que podem ser infelizmente generalizadas a outros bairros de Lisboa e de outras cidades. E nestas situações destacam-se os crime da gradual impermeabilização dos espaços urbanos, do abate dos pequenos bosques que ainda resistem seja em velhos jardins seja no miolo dos velhos quarteirões, da falta de respeito pelas grande árvores que deviam ser preservadas, e da gradual elevação da altura do edificado que reduz a amenidade ambiental das ruas e que afasta cada vez mais as pessoas dessas ruas; e depois, depois, é a redução do conforto ambiental exterior, é a redução da biodiversidade, é a descaracterização de bairros e vizinhanças, é a redução do interesse funcional e visual dos espaços urbanos e é a contribuição para a desvitalização destes espaços. E Celeste Ramos resume tudo isto ao dizer “que já não há vida na minha rua”.

E não tenhamos ilusões sobre o protagonismo da árvore urbana em todas estas matérias, pois com apontou a palestrante a árvore dá: beleza, natureza viva na cidade, escala, variabilidade e diversidade de cenários e equilíbrio ambiental ao longo do ano. Pois a árvore é um verdadeiro e concentrado micro-jardim vertical.

Disse Celeste Ramos que na cidade antiga não eram precisas árvores, porque a natureza, o rio – no caso de Lisboa e de tantas outras cidades – e as próprias árvores de bosques e de hortas estavam logo ali, pois o campo estava logo ali, e, além disso, não havia poluição urbana significativa que, por exemplo, libertasse CO2, e exigisse uma intervenção específica. Mas hoje em dia, o campo está bem longe, e há muita poluição; logo, o verde urbano e especificamente as árvores são também necessárias como elemento de regeneração ambiental.

E note-se que o verde urbano e especificamente a árvore urbana é elemento positivo não apenas para o clima físico, seja no Verão seja no Inverno, mas também para o clima emocional e mesmo para o clima estético de um dado bairro de uma dada cidade, assim o sublinhou Celeste Ramos; e note-se aqui a importância de tais facetas qualitativas na nossa sociedade da pressa e da descaracterização.

A árvore na cidade foi ainda referida como um elemento urbano que ou se associa à estrutura/organização da cidade, sendo a sua presença imperativa, ou, é de algum modo descartado por determinadas soluções e ambientes específicos. Mas defende-se que, em qualquer dos casos, o verde urbano tem de estabelecer um diálogo continuado com o edificado urbano; numa relação contínuo edificado/contínuo verde, que irá variar, caso a caso, zona a zona, que poderá caracterizar-se em determinados locais por uma quase ausência de verde urbano, mas que, mesmo em tais locais, assim se criarão ambientes em positivo contraponto com a referida relação de continuidade edificado/verde, muito variável e rica em termos de aspecto e de caracterização.


Fig. 03: Campo de Ourique

Este será, provavelmente, um dos principais meios de assegurar a fundamental relação afectiva e efectiva com cada lugar. Uma relação que se ligará à essência primordial que em tudo existe, tal como defendeu a palestrante, que marca todas as bases de conhecimento, e assim também devemos considerar que há uma essência primordial no habitar e no habitar a cidade e parte desta essência liga-se à presença ou ausência premeditadas de árvores nas ruas e praças citadinas.

Na discussão que se seguiu falou-se, ainda, do “subúrbio do subúrbio”, das estradas que foram plataformas de paisagens e hoje são amostras de pequenos horrores, falou-se, assim, de uma macrocidade descaracterizada e inimiga, que destruiu a paisagem ampla em que cresceu e que não tem “espaço” para o verde urbano no seu âmago, uma cidade da pressa e do feio, afinal uma cidade bem diferente daquela onde um qualquer pequeno jardim, bem cuidado mas sem vaidades, pode ser um sítio sobre o qual se diga: “aqui não há tempo, só há calma e beleza”, assim o disse Celeste Ramos.

E imaginemos, apenas, o bem que fará podermo-nos refugiar, por momentos muito longos, em tais ambientes, e consideremos imaginemos a simples possibilidade de poder ter também alguns simples jardins de árvores ao longo das ruas, árvores que, tal como apontou Celeste Ramos, nos dizem: “sou natureza, sou abrigo, dou sombra, sou diferença, não tapo as fachadas, sou beleza.”

A propósito de uma palestra falámos um pouco da cidade, da árvore e da árvore na cidade. Tal como sublinhámos no princípio do texto desenvolvemos apenas algumas notas breves sobre um tema apaixonante e hoje crucial nas tantas tristes cidades que temos e nas megacidades que teremos, e, portanto um tema a que se voltará várias vezes, e talvez sob perspectivas específicas, nesta série de artigos sobre as paisagens, pois as árvores são quase sempre as protagonistas da paisagem natural e muitas vezes partilham protagonismo com os edifícios na paisagem urbana, não lhes retirando o papel principal e muitas vezes valorizando-o, uma capacidade que dota a árvore urbana com uma capacidade de extrema utilidade quando pensamos em acções de regeneração e melhoria amplas do tecido urbano.

É ainda muito interessante aprofundar a importância do papel da árvore na cidade, afinal o sítio dos edifícios, mas árvores e edifícios talvez tenham pontos comuns, e muitas vezes as cidades sucederam aos bosques nas orlas das florestas e nas margens de rios e de mares, e, além de tudo isto, que longe nos levaria, é ainda importante referir, desde já, que tal como disse Levi-Srauss: “É lícito comparar, e não de maneira metafórica (...), uma cidade com uma sinfonia ou com um poema; são objectos com a mesma natureza. Possivelmente mais pormenorizada(preciosa), ainda, a cidade situa-se na confluência da natureza e do artifício (...). É tanto objecto natural, como sujeito cultural; indivíduo e grupo; vivida e sonhada; a coisa humana por excelência.”
O sublinhado, relativo a estar a cidade na “confluência da natureza e do artifício” foi nosso e a citação foi retirada do belíssimo artigo de Rafel Toriz, intitulado “Cartografias: Las ciudades – el lenguaje – y la voz que las habita”, um artigo editado no excelente site “Antroposmoderno”, recomendando-se vivamente o artigo e o site.


Fig. 04: Graça

E sobre uma tal confluência citadina entre natureza e artifício parece ser, desde já, fundamental apontar que se ela existe então ela tem de ter presença efectiva e afectiva, e se não existir então essa cidade não é a cidade dos homens, não é a cidade onde nos podemos rever e que nos apoia e motiva todos os dias, desde os aspectos de pormenor aos de orientação, pois, como já se disse atrás, mesmo quando na cidade não há pontualmente verde urbano pode e deve haver uma forte presença da natureza na relação com a paisagem e com o ambiente do local (como acontece, por exemplo, nas ruas da Baixa de Lisboa abertas ao Tejo) e pode e deve haver um excelente contraponto ou com partes da cidade caracterizadamente naturalizadas ou com margens da cidade muito marcadas pela natureza e numa tal caracterização a árvore é realmente protagonista, pois além de constituir um verdadeiro jardim vertical e concentrado ela de certa forma é um edifício vivo que boa companhia faz aos de pedra e cal pois suaviza-os e dá-lhes escala, isto para além de habitar verdadeiramente o espaço público e aí ela é de certo modo parceira e amiga do homem.

E já agora acabemos esta primeira e pequena reflexão sobre uma cidade naturalizada e habitada pelas árvores, com as primeiras palavras de Rafel Toriz no referido artigo:
“É uma certeza: estamos condenados a viver nas cidades, a desprezá-las e a adorá-las com horror e simpatia.(...)”

Sem dúvida que as árvores poderão ajudar-nos a desprezar muito menos e a adorar muito mais as nossas cidades, mas para isso há que pensar, objectivamente, em tudo aquilo que podemos e devemos fazer para melhorar as suas respectivas condições de instalação e tratamento, pois as árvores não são adereços citadinos, são sim elementos vivos e protagonistas urbanos de pleno direito, que muito nos darão, bastando para isso serem apenas minimamente cuidadas e respeitadas; e se passarmos destes mínimo e entrarmos na arte da paisagem, então ficaremos e ficamos deslumbrados com o verdadeiro e caloroso espectáculo de certas árvores na cidade.

Nota:
http://www.antroposmoderno.com/

Texto desenvolvido a partir da palestra de Maria Celeste Ramos, na Universidade Nova de Lisboa em 14 de Fevereiro de 2008, concluído em 1 de Março de 2008 na Encarnação – Olivais Norte, e ilustrado posteriormente.

Editado em de Março, por José Baptista Coelho

domingo, março 02, 2008

185 - O LIXO É TAMBÉM RESPONSABILIDADE NOSSA – um artigo da Arq.ª Marilice Costi - Infohabitar 185

 - Infohabitar 185
É com uma alegria muito especial que o Infohabitar volta a publicar um artigo de uma das suas redactoras de primeira hora, a Arq.ª Marilice Costi. MS, de Porto Alegre.

A Direcção redactorial do Infohabitar
ABC



O LIXO É TAMBÉM RESPONSABILIDADE NOSSA


Marilice Costi



Assuntos que se repetem deixam de nos interessar. Assim como as barbáries, as guerras, as migrações na procura de territórios necessários para que nos sintamos inteiros, pertencentes, existentes, enraizados, e não ao sabor dos tufões. A repetição cansa e dessensibiliza. Com o lixo é a mesma coisa. Somos todos responsáveis por dejetos, matérias contaminantes (pilhas, baterias, sangue, registros de Rx), entulhos de obras e outros tantos. E tudo precisa de embalagem.

Os apelos ao consumo são tão intensos que, mesmo tendo a capacidade de compreender, criticar e mudar comportamentos, criamos lixo. Todos os dias. O melhor seria valer a frase: tudo se transforma. Mas transforma-se em que?



Fig. 01


Procure imaginar o peso: uma sacola não move o ponteiro de uma balança comum. Uma tonelada de sacolas é uma imensa montanha. Imagine a quantidade de plástico produzido (210 mil toneladas no Brasil): cerca de 10% do lixo do país! Inicialmente utilizadas apenas para coleta de lixo, as sacolas passaram a substituir as de tecido e de papel. Tudo passou a receber proteção impermeável: equipamentos, malas, roupas, alimentos, remédios e tantos materiais. Por ser um plástico muito barato, o filme das sacolas não tem muito valor na reciclagem, por isto, os lixões urbanos estão cheios delas a contaminar o solo. Produzido a partir de uma resina chamada polietileno de baixa densidade (PEBD), o material -do qual são feitas as sacolas – precisa de um século para degradar. O que faremos quando o solo todo degradar? Quando no meio do lixo, baratas, ratos e outros vetores proliferarem resistentes a tudo?

Para pensarmos e nos posicionarmos, o que falta? Até que ponto somos omissos, até que ponto induzidos? O que estamos esperando para recusar embalagens? Não precisamos de tantas. É só devolvermos aos empacotadores. Uma cadeia de comportamento positivo – tal como um vírus da consciência ambiental - depende de cada um de nós.

A peste, após a tomada da Bastilha, ocorreu porque ninguém mais cuidava das cidades: esgotos, lixos acumulados, vetores proliferando. muito grave e que só aparece quando há greve dos lixeiros, ou contaminação como foi com o césio. Ou epidemias. A legislação brasileira referente a lixos é bem redigida: controle, estoque, manipulação e destino de diversos tipos de lixo, cuidados importantes. Mas quem fiscaliza? O poder público precisa da parceria do privado, que precisa abrir mão de postura oportunista.

Mexer com lixo rende muito dinheiro. Mas não parece. São os desafios para o século XXI: buscar rotas novas para o problema, o diálogo com a sociedade, a conscientização, o investimento em pesquisa e em ações efetivas.



Fig. 02


Além disto, os aterros e os lixões estão no total limite. As áreas ficam degradadas, gases intoxicam os catadores, enfim, um enorme problema ambiental. Na capital paulista são 18 mil toneladas só de lixo domiciliar: 18% é só plástico. Toneladas que durarão cem anos para degradar. A cada dia, em escala crescente, tornando-se um problema insolúvel.

Minha mãe fazia bolsas de tecido com retalhos de suas costuras e presentava. As sacolas não estragaram, nem envelheceram, porque foram substituídas pelas de plástico que somem de nossas vistas carregando nossos detritos. Viramos todos plasticólatras? Ou estamos atrasados? A troca de sacolas de plástico por outras de pano vem sendo estimulada por prefeituras do RS. Há outras possibilidades como reciclar ou facilitar a degradação do plástico através de aditivos agregados a ele ou através da mudança de sua composição.

Na Alemanha, a plasticomania deu lugar à sacolamania (cada um com sua própria sacola). Quem não anda com a sua a tiracolo é obrigado a pagar uma taxa extra pelo uso de sacos plásticos. A guerra contra os sacos plásticos ganhou força em 1991, quando foi aprovada uma lei que obriga os produtores e distribuidores de embalagens a aceitarem de volta e a reciclar seus produtos após o uso. Os empresários repassaram os custos para o consumidor. O preço é salgado: o equivalente a sessenta centavos a unidade. Na Irlanda, desde 1997, paga-se um imposto de nove centavos de libra irlandesa por cada saco plástico, multiplicando o número de irlandeses indo às compras com suas sacolas de pano, de palha ou mochilas. A meta de uma rede de supermercados inglesa era emplacar em 2008 com pelo menos 2/3 de todos os saquinhos feitos de material que se decompõe dezoito meses após descarte. Com um detalhe: mesmo sem contato com a água, o plástico se dissolve, porque serve de alimento para microorganismos encontrados na natureza.


Fig. 03


Mas não temos só o plástico como um problema grave. O Rio Grande do Sul é responsável por 5 milhões de lâmpadas fluorescentes usadas, o que contamina milhões de metros cúbicos de água potável. O alerta foi dado por IPOA Ambiental numa audiência pública. O mercúrio contido nos bulbos é altamente contaminante. Mas como proceder com as lâmpadas usadas? Quem sabe como fazer? Para onde encaminhá-las?

A única iniciativa de regulamentar o que hoje acontece de forma aleatória e caótica foi rechaçada pelo Congresso na legislatura passada. O então deputado Emerson Kapaz foi o relator da comissão criada para elaborar a "Política Nacional de Resíduos Sólidos". Seu projeto apresentava propostas para a destinação inteligente dos resíduos, a redução do volume de lixo no Brasil, e definia regras claras para que produtores e comerciantes assumissem novas responsabilidades em relação aos resíduos que descartam na natureza, assumindo o ônus pela coleta e processamento de materiais que degradam o meio ambiente e a qualidade de vida. O projeto elaborado pela comissão não chegou a ser votado. Nem se sabe quando será. Por isto, nas próximas eleições, escolha bem seu candidato, verifique o seu comprometimento com a qualidade de vida, sua postura e ética, sua visão ambiental e sua atuação efetiva.

Quem sabe passamos a fazer a nossa parte? Avalie o lixo que você produz, converse com seus vizinhos, participe das reuniões de condomínio, conheça os coletores. Mesmo que na sua cidade o lixo não seja separado - orgânico e seco - separe. Os catadaores reconhece a diferença pelo peso das sacolas e demoram menos tempo em contato com os lixões.
Que tal declarar guerra contra a plasticomania? Devolver os sacos desnecessários? Se existem leis, regulamentos, normas para a gestão dos resíduos sólidos. Que sejam implementadas. Que haja fiscalização. Se há muitos interesses em jogo, qual é o nosso?

Qual é o seu? Faça a sua parte, crie parcerias. Convoque os amigos, a família, procure alternativas. Se ainda há tempo para reverter o quadro, o que fazer? Não perca tempo esperando apenas que o poder público faça sua parte, pois o que fazemos hoje será o legado de nossos filhos e netos.



Fig. 04


Breve apresentação da autora:

MARILICE COSTI é Mestre em Arquitetura, arquiteta e urbanista, professora, consultora e pesquisadora. Especialista em Arteterapia.
Ministra oficinas, cursos e palestras. Tem vários livros publicados, artigos em congressos e em revistas, crônicas e poesias e diversos prêmios em literatura, entre eles o Açorianos 2006, de poesia.
Entre os livros publicados um destaque para: “A influência da luz e da cor em corredores e salas de espera hospitalares”(esgotado); “Como controlar os lobos? proteção para nossos filhos com problemas mentais”; “Clichês domésticos”; “Mulher ponto inicial” (esgotado) e “Ressurgimento” (poesia 2006).
É membro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, da Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul, da Associação Sul-brasileira de Arteterapia.
No site:

www.sanaarquitetura.arq.br .
e-mail:
marilice.costi@sanaarquitetura.arq.br


Nota: a ilustração foi da responsabilidade da edição do infohabitar.
Editado em 1 de Março de 2008, Lisboa, Encarnação – Olivais Norte, por José Baptista Coelho