domingo, maio 25, 2008

198 - O PRIMEIRO EMPREENDIMENTO COOPERATIVO DE CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL EM PORTUGAL – artigo de José Coimbra - Infohabitar 198

 - Infohabitar 198
Nota explicativa e de introdução

O artigo que se segue, da autoria do Eng. José Coimbra, um nosso colaborador a quem o Infohabitar já deve alguns excelentes textos, corresponde ao conteúdo técnico de uma palestra que o Eng. José Coimbra desenvolveu, em 8 de Abril de 2008, no “Curso Construção Sustentável e Promoção Imobiliária, realizado no Instituto Superior Técnico em Lisboa.

Agradecemos ao colega José Coimbra mais esta contribuição num tema que é, actualmente, crucial e que corresponde já a uma muito rica ponderação, da sua parte, relativamente à obra residencial cooperativa que coordenou tecnicamente na Ponte da Pedra, e que está aí para ser visitada e apreciada em tudo aquilo que pode ajudar a trazer de novo para um habitar mais amigo dos habitantes, mais amigo da cidade e da cultura urbana e mais amigo do ambiente.

É, naturalmente, com reflexões como esta que podemos ir avançando e informando novas realizações, porque se trata de análises feitas pelos agentes fundamentais na execução das obras sobre as quais se faz essa reflexão e, simultaneamente, técnicos e investigadores esclarecidos relativamente ao que podem ser as novas tecnologias residenciais mais sustentáveis urbanística e ambientalmente.

De imediato se “passa a palavra” a José Coimbra, mas faz-se, naturalmente a referência para ter sido a Ponte da Pedra uma obra urbana e residencial promovida pela Cooperativa Norbiceta, uma união das Cooperativas Nortecoop, Sete Bicas e Ceta, com projecto global coordenado pelo Arq. Carlos Coelho, uma obra realzada no âmbito do Prgrama Europeu Sustainable Housing in Europe (SHE), referida a habitação realizada com controlo de custos, portanto habitação de interesse social apoiada pelo Estado, e uma promoção que mereceu, aliás, diversos prémios, com destaque para o Prémio INH-IHRU de 2007.

Refere-se, ainda, que o leitor poderá encontrar aqui no Infohabitar outros artigos de apresentação e de análise deste excelente conjunto da Ponte da Pedra, bastará para tal aceder ao catálogo interactivo disponível logo aqui na margem esquerda do Infohabitar.

Salienta-se, finalmente, que estas preocupações práticas de sustentabilidade urbana e ambiental no projecto, na promoção e na cosntrução de habitação de interesse soacial estão tambéma a ser levadas à prática, igualmente no sector cooperativo habitacional, mas na zona da Grande Lisboa, pela Nova Habitação Cooperativa (NHC) nos seus últimos conjuntos residenciais, actualmente, em projecto avançado e em desenvolvimento.

O editor do Infohabitar
António Baptista Coelho








Fig. 01: vista geral da Ponte da Pedra

O PRIMEIRO EMPREENDIMENTO COOPERATIVO DE CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL EM PORTUGALJosé Paulo Tavares Coimbra
Coimbra@setebicas.com


Resumo

Pretende-se dar a conhecer, não apenas as características de construção sustentável do Empreendimento Cooperativo que constituiu um ponto de viragem na actividade das Cooperativas promotoras e da sociedade em geral, mas também explanar as possibilidades de inovação em cada uma das temáticas nas quais assenta a sustentabilidade do Empreendimento da Ponte da Pedra e dos que lhe sucederam, tendo em conta que a Sustentabilidade é sempre um modelo inacabado.
Esta abordagem do tema “Construção Sustentável” é desenvolvida de acordo com a experiência que as Cooperativas de Habitação Portuguesas têm vindo a adquirir na promoção de empreendimentos cooperativos e, portanto, deve ser lida tendo sempre por base este fio condutor.






Fig. 02: a introdução da arte urbana na Ponte da Pedra


1. Critérios de Construção Sustentável
1.1. Âmbitos de Intervenção
A sustentabilidade de um Edifício deriva do adequado desempenho da construção e do processo que a promove a vários níveis, resultante de uma abordagem integrada de todos eles. Propomo-nos, de seguida, abordar cada um dos temas da construção sustentável e analisar quais as medidas implementadas no Empreendimento da Ponte da Pedra e quais aquelas que, não tendo sido implementadas neste Edifício, podem vir a sê-lo, melhorando, ainda mais, o desempenho global do Edifício.

1.1.1. Processo de Participação

A vertente social da sustentabilidade não pode ser descurada, dada a importância que o envolvimento das pessoas e dos moradores do Edifício tem para optimizar o desempenho do próprio Edifício e maximizar as poupanças nas despesas mensais de água, electricidade e gás. As características da habitação podem ser efectivamente melhoradas com um adequado comportamento por parte dos utilizadores.

O facto de estarmos perante uma organização promotora cooperativa é já um grande avanço a este nível, dada a vocação social das Cooperativas de Habitação que pressupõe, por inerência, a participação dos Cooperadores ao longo do processo de promoção habitacional, sendo o seu nível de satisfação periodicamente aferido ao longo do mesmo.

Mas esta vertente social da construção sustentável abrange também a Empresa Construtora, o Gabinete de Projectos e o Município Local com o objectivo de sensibilizar e envolver todos os agentes que podem influenciar o desenvolvimento do Programa.

Cumprindo o objectivo de coesão social, através da participação activa de todos os intervenientes numa Estratégia Integrada de Desenvolvimento Sustentável, têm lugar:

. Reuniões semanais com representantes do Projecto, da empresa construtora e da Cooperativa de Habitação (a Cooperativa desenvolve, neste contexto, um trabalho imprescindível de coordenação de projectos para a concretização dos princípios de construção sustentável, adoptando sempre a postura de defesa e melhoria desses princípios quando eles não estão devidamente acautelados no projecto ou quando existem modificações no mercado);

. Sessões abertas de apresentação e discussão do Projecto do Empreendimento;

. Dossiers de Apoio aos principais momentos de disseminação e acompanhamento do Empreendimento;

. Manual do Cooperador Proprietário de Uso e Manutenção do Imóvel;

. Edição de um Boletim trimestral que actualiza os desenvolvimentos da actividade da Cooperativa promotora;

. Actualização periódica das informações constantes no site da Cooperativa.

No caso da Segunda Fase do Empreendimento da Ponte da Pedra, temos ainda de considerar a activa e intensa prática de divulgação e de disseminação do Projecto, impulsionada pelo vanguardismo das características do mesmo. Esta prática inclui a participação em Seminários, Workshops, Conferências, Entrevistas e Visitas de Estudo. Quase todas estas acções tiveram lugar por solicitação da sociedade, que reclamou a nossa participação no debate do tema da Construção Sustentável, vista como um todo ou a análise específica de um determinado capítulo.

A este nível, crê-se que a Cooperativa já dispõe de suficientes instrumentos e práticas promotoras do processo de participação.




Fig. 03: vista da fábrica, antes da intervenção cooperativa no local

1.1.2. Valorização do local de implantação
Tendo em conta que a implantação do Empreendimento deve considerar as características do local e da envolvente, deve ser feito um levantamento do clima local, identificação de infraestruturas existentes, identificação de fontes de poluição, possibilidade de inclusão de fontes de energia renovável, existência de campos electromagnéticos, condições de iluminação natural e condições acústicas.
Para que a integração seja feita de forma harmoniosa, valorizando o espaço, no caso da Ponte da Pedra, dispomos de importantes indicadores a este nível:

. O Conjunto Habitacional de Ponte da Pedra substitui uma área degradada ocupada por uma fábrica de curtumes insolvente;

. Foi considerada a optimização do potencial solar passivo, através de uma adequada orientação solar;

. A localização do Empreendimento tira partido da linha de água existente no local, armazenando-a e utilizando-a para abastecimento dos depósitos das sanitas das habitações e para a rega da totalidade dos jardins da urbanização;

.A proximidade do Edifício a transportes públicos desincentiva a utilização de transporte próprio, diminuindo assim, potencialmente, o impacte da mobilidade dos moradores.

Identificamos como oportunidade de melhoria o estudo, com mais pormenor, da orientação solar do Edifício, não ignorando as exigências regulamentares e o disposto nos PDM’s locais que, muitas vezes, condicionam a escolha de uma orientação do Edifício mais favorável do ponto de vista energético.


1.1.3. Selecção de Materiais
Este será, talvez, o capítulo em que a Ponte da Pedra e os Empreendimentos posteriores têm uma performance mais baixa.

Ditam as regras da sustentabilidade que a escolha dos materiais para a construção civil deve procurar maximizar a aplicação de materiais duráveis, recicláveis e / ou reciclados, com um baixo nível de energia incorporado, provenientes de fontes locais e / ou regionais e com análise de ciclo de vida e etiqueta ecológica.

No entanto, o nosso país ainda não tem estes conceitos implementados no mercado, pelo que a aposta feita na 2ª Fase da Ponte da Pedra foi a de tentar encontrar fornecedores quase locais, reduzindo, assim, o impacte ambiental do transporte da “fonte” até ao local da construção. Houve ainda alguma preocupação ao nível da escolha de materiais duráveis e com reduzidas necessidades de manutenção, como se comprova pelo material utilizado na fachada do Edifício.

Portanto, há ainda um longo caminho a percorrer no que diz respeito à escolha de materiais amigos do ambiente, mas o trilho desse caminho depende grandemente dos desenvolvimentos que o país conseguir registar a este nível.




Fig. 04: vista da cisterna

1.1.4. Gestão do Ciclo de Água
Uma gestão eficiente do Ciclo de Água deverá limitar, o mais possível, a interferência no ciclo natural de água, reduzindo o consumo em 25%. A introdução de novas tecnologias permitirá, por um lado, poupar o consumo de água potável e, por outro lado, armazenar água

A redução do consumo de água pode ser propiciada pela instalação de equipamentos no Edifício que permitam reduzir o consumo, optando por diferentes fluxos. Temos como exemplo a dupla descarga nos depósitos sanitários, permitindo ao utilizador escolher qual a opção mais adequada, em cada utilização.

Existem ainda as torneiras de válvulas termostáticas, instaladas em banheiras e bases de chuveiro, que permitem poupar a água que normalmente se desperdiça entre o momento de abertura da torneira e o aquecimento da água à temperatura desejada. A possibilidade de regular a temperatura e de a manter fixa para futuras utilizações faz com que a água saia, assim que a torneira for aberta, à temperatura que o utilizador pretende.

Para além destas duas medidas, não podemos ignorar a construção de uma cisterna subterrânea destinada a recolher água das chuvas, a água proveniente do veio freático e a água residual que se forma ao nível dos pisos das garagens da 1ª Fase da Urbanização. A água aqui recuperada destina-se ao abastecimento dos depósitos das sanitas das habitações da 2ª Fase e à rega da totalidade dos jardins da Urbanização.

Neste âmbito, identificamos como oportunidade de melhoria a instalação de mecanismos de fitodepuração que permitam reutilizar as águas cinzentas geradas pelo Edifício. Esta tecnologia está, no presente, condicionada pelo elevado custo de investimento.
Foi também instalado nos jardins um sensor de humidade que evitará a rega desnecessária dos jardins, especialmente quando estes se encontrem com adequados níveis de humidade.

No caso da existência de jardins, é necessário considerar uma escolha adequada de plantas com reduzidas ou quase nulas necessidades de rega.

Não obstante todas estas medidas, é imprescindível a colaboração dos moradores para um adequado desempenho do Edifício a este nível. Daí a importância do envolvimento dos moradores em todo o processo e da sensibilização directa dos utilizadores, através de conselhos práticos, de fácil implementação no dia-a-dia. Estas dicas, a par do fornecimento de alguns dados estatísticos integram o Manual de Uso e Manutenção do Imóvel distribuído a todos os moradores.





Fig. 05: recipientes de separação de resíduos dentro da habitação

1.1.5. Gestão de Resíduos

Podemos afirmar, a respeito deste Capítulo, que o desempenho do Edifício depende grandemente do comportamento de entidades externas à promoção habitacional, seja durante a construção, seja durante a fase de utilização do edifício.

Se, por um lado, foi propiciada, no Empreendimento da Ponte da Pedra 2ª Fase, uma adequada separação de resíduos da construção para posterior reciclagem, designadamente madeiras e óleos, temos consciência, por outro lado, que muito se pode ainda fazer, estendendo a separação a outros componentes da Construção.

Esta atitude depende, ainda assim, largamente, do apoio dado pelo Município na recolha e encaminhamento dos contentores de resíduos. Por esta e outras razões, se justifica o envolvimento do Município no tema e na promoção da sustentabilidade construtiva.

Por outro lado, na fase de operação, quando o Edifício já se encontra em funcionamento, o volume de resíduos que é encaminhado para a reciclagem depende da triagem que os moradores fazem, logo no interior das suas habitações (colocando as diferentes categorias de resíduos nos respectivos baldes de lixo diferenciado) e posterior depósito nos Ecopontos colocados no exterior das Urbanizações.

Portanto, as infraestruturas são instaladas no Edifício e cabe posteriormente aos utilizadores a rentabilização desses equipamentos. Sublinha-se aqui uma vez mais a importância da sensibilização dos utilizadores.




Fig. 06: painéis solares




Fig. 07: grelhas de ventilação

1.1.6. Gestão Energética

Este capítulo exige a adopção de várias medidas para atingir um elevado nível de desempenho energético, nomeadamente:

. Aumento na exigência dos ISOLAMENTOS TÉRMICOS (respeitando os recém aprovados Regulamentos sobre Eficiência Energética);

. Introdução de ENERGIAS RENOVÁVEIS;

. POUPANÇA ENERGÉTICA em iluminação artificial, aquecimento de águas sanitárias e aquecimento do ambiente.

Este é o capítulo onde a 2ª Fase da Ponte da Pedra atingiu um melhor desempenho, comprovado com a Classe A do Certificado Energético, classificação esta calculada pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (parceiro do Projecto SHE).

Concorreram para uma adequada eficiência energética:

. Reforço dos isolamentos térmicos e a eliminação de pontes térmicas, incluindo o isolamento das caixilharias e a aplicação de vidros duplos (o vidro duplo isola o ar frio exterior e reflecte o ar quente para o interior da habitação, para além de ser um bom isolante sonoro);

. Aproveitamento da energia solar para o aquecimento de águas sanitárias, através da instalação de colectores solares, eventualmente apoiados por equipamentos de queima individuais, como esquentadores solares que trabalham em consonância com os painéis, compensando a diferença de temperatura, se necessário;

. Adequada ventilação dos espaços interiores, através da instalação de grelhas de ventilação nas caixilharias de quartos e salas. Há aqui ainda a referir a importância da ventilação cruzada nas habitações, facto que pode ser conseguido por uma adequada disposição das plantas das tipologias no Edifício, de forma a assegurar que elas terão duas frentes;

. Soluções de arrefecimento passivo, com a existência de palas solares ou de sombreamento situadas acima das caixilharias dos apartamentos;

. Aplicação de soluções de iluminação de baixo consumo, tanto em zonas comuns, como no interior das próprias habitações. Em articulação com estas armaduras, temos os sensores de movimento que propiciam poupanças de energia significativas, eliminando os desperdícios.

Não obstante todas estas medidas, há que ter em conta a optimização da orientação solar do Edifício, dados os enormes ganhos passivos daí derivados. O envolvimento do projectista na promoção habitacional é, por isso, determinante, de forma a sensibilizá-lo para a escolha da melhor orientação solar do Edifício.

Para além destas medidas, existem ainda francas possibilidades de desenvolvimento e de optimização do desempenho energético. Exemplo: o aproveitamento da temperatura do ar através da Geotermia; a aplicação de painéis fotovoltaicos, a instalação de ventoinhas, para produção de energia eólica, no caso de Empreendimentos com um elevado número de fogos e a gestão técnica da iluminação e do aquecimento. Esta é especialmente praticável no caso de Edifícios com Equipamentos como por exemplo Lar de Terceira Idade.




Fig. 08: isolamento acústico

1.1.7. Conforto Acústico
Para além da introdução de adequados isolamentos nos elementos construtivos horizontais e verticais do Edifício, entre fogos e entre estes e zonas comuns, é importante apostar também nas medidas que podem ser tomadas no exterior dos Edifícios, criando barreiras acústicas à propagação do ruído.

A plantação de uma cortina arbórea suficientemente densa poderá servir perfeitamente este propósito.

Identificamos como oportunidade de melhoria a elaboração de um estudo paisagístico que privilegie a plantação de cortinas arbóreas que sirvam a função de barreiras à propagação do som.


1.1.8. Simulação e Monitorização

A importância o desenvolvimento de estudos adequados e transversais antes e após a construção é determinante para a verificação da eficácia das soluções de construção sustentável implementadas, podendo ser um forte instrumento de detecção de falhas, mas também de planeamento de medidas alternativas de melhoria contínua. No entanto, os promotores, só por si, não dispõem de conhecimentos, capacidades, software e equipamentos para levar a cabo esta tarefa. Daí a importância de formar parcerias estratégicas com o mundo universitário, estabelecendo uma imprescindível ponte entre o académico e o profissional, geradora de mútuo benefício.






Fig. 09: avaliação e monitorização


2. Custo Real e Valor Acrescido

O acréscimo de custo na construção resultante da incorporação de todas as características explanadas aproxima-se dos 9%.

No entanto, é expectável que o período de payback (período do retorno do investimento) não seja superior a 5 anos. A partir deste tempo de vida do Empreendimento, todos os ganhos resultantes da diminuição do valor das facturas de gás, electricidade e água serão ganhos líquidos, o que significa que o utilizador desfrutará do benefício total da construção sustentável.


No que toca à ponderação de custos da construção sustentável, há que considerar que contrapõem os 5% de acréscimo no custo do Edifício, a redução do custo de manutenção e de operação do edifício, mas também a melhor qualidade de vida que um Empreendimento com estas características proporciona aos seus moradores.

Ainda a respeito de custo, sublinhe-se que a valorização de uma construção sustentável ao longo do tempo será muito mais significativa do que a valorização de uma construção convencional.




Fig. 10: Certificado Ambiental do Empreendimento


3. O Empreendimento âncora de novos projectos sustentáveis
As vantagens deste tipo de construção são óbvias a vários níveis, de tal forma que os futuros empreendimentos cooperativos levados a cabo pelas Cooperativas Promotoras continuarão a respeitar e a considerar todos os princípios aprendidos com a nossa participação no Projecto SHE e os resultados do desempenho do Empreendimento da 2ª fase certamente que serão motivadores e encorajadores para adoptar a nova postura construtiva.

A saber, existem já 6 Programas de Habitação Cooperativa que respeitam os mesmos princípios de sustentabilidade construtiva do projecto SHE e que contemplam, na totalidade, 531 habitações sustentáveis:



Fig. 11

Na actividade da FENACHE, o Empreendimento da Ponte da Pedra desencadeou também uma activa política de disseminação, quer ao nível de publicações, quer ao nível da participação em seminários e congressos nacionais e internacionais sobre o tema, quer ainda no acolhimento e orientação de visitas de estudo ao local. De realçar ainda que esta experiência piloto de construção sustentável no ambiente cooperativo foi assumida como orientação estratégica no documento aprovado, em sede de Assembleia-geral da FENACHE, a 26 de Novembro de 2005 – a Carta da Qualidade da Habitação Cooperativa.

O impacto desta iniciativa foi além das fronteiras do mundo cooperativo. O Município de Matosinhos que acompanhou, de perto, a promoção do Empreendimento Sustentável, declarou publicamente, no Seminário “Por um Território Sustentável”, que teve lugar no dia 28 de Novembro de 2006 (o dia da Inauguração da 2ª Fase do Empreendimento), que o Município estimulará a prática de construções sustentáveis, através da redução de taxas e da prioridade de tratamento camarário dada a estes projectos. A Empresa Municipal de Habitação de Matosinhos deverá também seguir os passos da prática Cooperativa.

Do ponto de vista da legislação no sector da Habitação, tiveram lugar importantes mudanças no PROHABITA (Programa de Financiamento para acesso à Habitação), sendo claramente incentivada a incorporação de soluções de construção sustentável, quer no processo construtivo, quer no da reabilitação, com especial incidência na prossecução de objectivos de eficiência energética, de diminuição do consumo de água e de reciclagem dos resíduos.

Consideramos que este impacto transversal, sentido nos vários níveis da sociedade, é o melhor resultado que uma experiência piloto deste género pode trazer, sendo perfeitamente praticável e de fácil incorporação nas práticas quotidianas.
Conclusões

O facto de uma União de Cooperativas de Habitação ter conseguido promover um Empreendimento com todos os “inputs” construtivos respeitando as condicionantes do Estatuto Fiscal Cooperativo é, só por si, uma grande vitória.

O impacto que esta experiência teve ao nível dos promotores, da empresa construtora, da Federação Nacional que, desde sempre, apoiou esta arrojada iniciativa, do Município e a da própria legislação nacional que também sofreu ajustamentos é também um grande passo e uma grande prova do envolvimento conjunto de várias entidades com vista ao desenvolvimento sustentável.

Mas, de todos os resultados, destacamos aquele que demonstra um empenho profundo das Cooperativas de Habitação em assumir a mudança e a inovação como orientação estratégica permanente. Todos os Empreendimento promovidos passam agora a incorporar, não apenas os requisitos de sustentabilidade implementados na 2ª Fase da Ponte da Pedra, respeitando igualmente o Estatuto Fiscal Cooperativo, mas procuram, sobretudo, inová-los e ousar incorporar técnicas mais avançadas que potenciem a sustentabilidade do Empreendimento. Num momento em que o apoio à inovação das empresas é uma das principais matrizes da nova edição dos Fundos Comunitários, congratulamo-nos por esta política de inovação ser já parte integrante da gestão quotidiana da promoção habitacional cooperativa.

Manifestamos, ainda neste capítulo de encerramento, o nosso empenho em conciliar os métodos de trabalho já adquiridos nas Cooperativas de Habitação com os parâmetros de avaliação e o Know How da equipa do LiderA, numa estratégia de colaboração de mútua aprendizagem e certamente geradora de mútuo benefício.

Preparado para ediçãoi po António Baptista Coelho em 22 de Maio de 2008
Editado em 25 de Maio de 2008 por José Baptista Coelho
Infohabitar, Lisboa, Encarnação – Olivais Norte

segunda-feira, maio 19, 2008

197 - O Jardim Ampliado – artigo de Milton Botler - Infohabitar 197

 - Infohabitar 197
Tem sido uma alegria frequente a entrada de novos amigos nesta pequena mas excelente aventura da edição no Infohabitar, e é, portanto, com uma muito especial satisfação que editamos hoje um novo colega, o arquitecto Milton Botler, com um estimulante texto sobre a ampliação da ideia do jardim no contexto da nova cidade globalizada.

É muito interessante a forma como estes novos colegas de edição chegam ao nosso espaço, um espaço que nos seus melhores períodos de 24 horas de leitura chega já a cerca de 800 consultas de artigos; e aqui chegam, como foi o caso do arquitecto Milton Botler, através da simples leitura de um dado artigo, neste caso o último que saiu, sobre o jardim e a cidade, e, depois, há o simples contacto com a edição do nosso Infohabitar e a nossa esfera editorial se alarga com naturalidade, enriquecendo-se todos os que aqui se reúnem escrevendo, lendo e enviando mensagens em que, frequentemente, manifestam a sua satisfação para com este nosso fórum semanal de discussão e divulgação sobre o habitar e a cidade alaragada de hoje em dia.

A todos os amigos que cooperam com o Infohabitar das mais variadas formas envia-se, aqui, um abraço fraterno, numa altura em que os indicadores das nossas leituras estarão no limiar do número 100.000; e chama-se a atenção para uma funcionalidade que se encontra no final da listagem da margem direita e que é um pequeno motor de busca por assunto nas edições do Infohabitar.



Foto: um jardim ampliado e bem humanizado no Recife, imagem de ABCoelho.

Esta introdução já vai longa! Portanto fiquemos então com o “jardim ampliado” de Milton Botler, a quem agradecemos este artigo, que não será, com certeza, o seu único artigo no Infohabitar, até porque se entende, no teor do seu texto e no excelente leque bibliográfico que suporta este seu artigo, que estamos em presença de alguém cujas preocupações muito têm em comum com as daqueles que têm dado vida ao Infohabitar e ao Grupo Habitar, preocupações amplas, fundamentadas, estruturalmente multidisciplinares e claramente sensíveis a um objectivo central que é fazer um habitar e uma cidade humanizados e com valia cultural.

E fica aqui a promessa deste editor de vir a fazer um artigo em que divulguem algumas imagens de casos de “jardins ampliados” do lado de cá do Atlântico e onde fale também, um pouco, destas excelentes matérias que podem e devem fazer o jardim ultrapassar as suas margens tradicionais; e a única imagem que aqui se junta é apenas um exemplo a título de confirnação firme deste compromisso; conte com isso caro colega Milton Botler.

Milton Botler é Arquitecto e Mestre em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco, foi coordenador do Programa de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais, Governo Federal e Ministério das Cidades e é actualmente assessor especial de urbanismo da Prefeitura do Recife, Brasil; e considerando o currículo e a simpatia do imediato envio deste excelente artigo, fica desde já aqui registado o evidente interesse de o Infohabitar poder vir a editar e divulgar outros artigos do autor em áreas temáticas cruciais para as cidades do século XXI e, designadamente, na área de uma reabilitação urbana humanamente sustentada.

E fica aqui o desafio para o envio de novos artigos sobre este fundamental tema duplo do “jardim e da cidade” e do “jardim ampliado”, quem sabe, talvez uma temática crucial neste tempo de mega-cidades.




Foto: o jardim e a mega-cidade, imagem de ABCoelho.

António Baptista Coelho
Editor do Infohabitar




O Jardim Ampliado:Paisagismo e imaginário Urbano no Ambiente de Globalização


Milton Botler (*)


Nota introdutória sobre as imagens que ilustram o artigo: as imagens apresentam exemplos do caráter homogêneo do ambiente de globalização, e de sua paisagem, predominantemente determinado pelas demandas dos padrões de consumo internacionais. O patrimônio local convertido em Shopping centers e business districts que reproduzem, no interior dos edifícios, uma parcela do repertório urbano, repletos de ruas, praças e, sobretudo, grandes áreas de lazer e entretenimento. Locais que beiram o limiar de simulacro de espaço público, na forma de “jardins ampliados”.

Este texto faz uma breve abordagem sobre o sentido da paisagem urbana contemporânea e do paisagismo, na forma de ser interpretar a ordem e a organização dos elementos dessa paisagem.

Nos atuais processos de integração entre cidades são estabelecidos novos domínios e limites espaciais que conformam um “ambiente de globalização”. Genericamente, poderíamos entender esse ambiente como nos apresenta Castells (1999) (1), na forma de pontos nodais, os centros de comando para onde convergem os fluxos de uma sociedade organizada em rede.




Procuramos delimitar esse espaço na idéia de um “ambiente de globalização” que compreende, também, sua dimensão física, os usos, as atividades e as formas de sua apropriação. De um lado, ele é ordenado e organizado para representar o espaço de interação global das cidades e tende a se homogeneizar, também, enquanto ambiente e paisagem. De outro, ordenado e organizado para representar o espaço especifico, o lugar, tende a se diferenciar e a se diversificar. Trata-se aqui, evidentemente, de procurarmos situar a paisagem no campo das identidades locais (Cf, Hall, 1998) (2).



Foto 01 – Puerto Madero, Buenos Aires. Um dos grandes exemplos de requalificação de antigas áreas portuárias para criar um ambiente de globalização na América latina. Foto de Geraldo Marinho

O termo “paisagismo”, ou a atividade, conforme observou Gregotti (1975), está ligado à cultura arquitetônica, tomado da tradição do landscape: “para a arquitetura, a noção de paisagem como material operável, que supere a noção de “jardim”, nasce nos fins do século XVI e foi amplamente usado como elemento de estruturação da cidade barroca”. As origens modernas do “Landscape” estão associadas ao mito iluminista do bom selvagem, ao descobrimento cultural do mundo oriental chinês e japonês e à literatura de viagens; o próprio desenvolvimento do colonialismo recarrega de elementos sobrenaturais (a lembrança da floresta, do lugar selvagem) a natureza doméstica” (3).

Permitimo-nos retroceder nessa abordagem a alguns elementos semiológicos que julgamos pertinentes. De fato, a idéia de “jardim” foi colocada por Gregotti como uma contraposição entre a escala do espaço privado – sobretudo a do jardim oitocentista que recriava um microcosmo do espaço público para os interiores da burguesia francesa (Arantes, 1993) (4) – e a “escala geográfica” do paisagismo, estendida às cidades e às regiões. Assim, para a cultura urbanística, o jardim pode concentrar toda uma carga de significados referenciais da esfera privada, enquanto a praça, da esfera pública (Cf. Saldanha, 1993) (5). Embora a noção de praça seja demasiado restrita para representar toda a complexidade de recriação de um microcosmo, papel desempenhado, por exemplo, pelos jardins sagrados de determinados povos da antiguidade, conforme observou Mircea Eliade (1992) (6).




Foto 02 – Rua da Moeda. Área de entorno do Paço Alfândega. Convertida em área de entretenimento turístico. Foto Milton Botler.


Na ausência de uma imagem específica, a recriação, conceitual, de um “jardim ampliado” parece-nos, portanto, uma idéia mais apropriada para designar o papel do paisagismo no universo urbano: a ordenação e a organização de um microcosmo que agrega as mais variadas referências de representação da natureza e do artefato urbano para compor o lugar onde se vive.

No entanto, é do ponto de vista histórico que podemos percebe mais facilmente o processo de transformação da natureza e da busca por tentar representá-la para o interior do mundo urbanizado. Conforme observou Gregotti (Op. cit.1985), a crescente urbanização desencadeada a parir da revolução industrial tornou escassos os espaços e áreas verdes, sendo restringidos os elementos da natureza aos limites dos parques públicos – o autor estende a noção aos grandes parques nacionais.

Neste sentido, observa Le Goff (1997) (7) que “tornando-se um continuum, o espaço urbano já não se distingue tanto do espaço rural. Diminuída a diferença na realidade, ela só vem ampliada na imaginação. É assim que os ecologistas, procurando em vão o campo que escorre entre nossos dedos, aproximam-se do ideal da floresta que, na Idade Média, era, ao contrário, o lugar de repulsa. A floresta lhes parece de repente mais natural. Ela se torna, com uma imagem perfeitamente invertida, encarnação sedutora da natureza”.

As respostas do urbanismo moderno foram variadas, mas sempre voltadas à recuperação ou à recriação de uma natureza perdida, numa espécie de referência aos arquétipos do paraíso, próximo à representação do jardim do éden para a mitologia ocidental judaico-cristã.

As cidades jardins inglesas, preconizadas por Ebnezer Howard, por exemplo, consistiam num interessante modelo que buscou compatibilizar o campo e a cidade industrial, na segunda metade do século XIX. No centro dessa estrutura urbana definiam-se, material e simbolicamente, o parque e o jardim. Este último, uma idéia ampliada do espaço doméstico, estendido à esfera pública, como representação de uma noção de intimidade disseminada na Inglaterra, na era vitoriana – e que se conserva, ainda hoje, como elemento característico da identidade britânica.

A cidade industrial preconizada por Tony Garnier anteciparia o modelo funcionalista desenvolvido pouco mais tarde por Le Corbusier, cujos princípios urbanísticos foram consolidados na Carta de Atenas, em 1933. Ali, a cidade modernista seria pautada por ideário que acreditava representar o progresso da sociedade através do avanço da ciência e da tecnologia. Esse ideário compreenderia, sobretudo, um amplo projeto social concebido para um determinado “homem moderno” e atenderia, funcionalmente, às suas necessidades básicas: trabalhar, circular, habitar e usufruir o lazer. O “jardim ampliado” aparece no modelo “corbusiano”, principalmente, através da concepção do “pilotis” que tem como finalidade a liberação do solo para que a paisagem possa ser percebida e apropriada de forma livre e contínua – Brasília, possivelmente, representa a mais plena realização desse ideário.

A paisagem da cidade contemporânea, no entanto, começa a ser esboçada a partir de outros referenciais. Não mais voltada para um homem moderno, homogêneo e socializado, mas para um sujeito dividido entre o local e o global. Suas cidades, por extensão, são também projetadas para essas duas esferas. Não mais a cidade industrial, mas uma rede de cidades articuladas em torno de um setor terciário moderno, tendo como suporte um avançado aparato tecnológico por onde se movimentam os fluxos da economia global. Uma espécie de “jardim ampliado” de representação do espaço das elites gerenciais que comandam a economia global. Conforme observa Castells (Op. Cit, 1999) esses grupos hegemônicos situam-se de forma ambígua, entre o caráter cosmopolita das elites e o caráter local das pessoas: “O espaço de poder e riqueza é projetado pelo mundo, enquanto a vida e a experiência das pessoas ficam enraizadas em lugares, em sua cultura, em sua história”.






Fotos 03 ­e 04 – Vista do exterior e Praça central do Paço Alfândega, no Recife. Antigo convento fundado no século XVII, convertido em depósito alfandegário e, hoje, em shopping Center. Foto de Fred Jordão/Imago

Uma certa dualidade entre a lógica da dominação, representada pela cultura global das elites, e uma lógica da resistência ou, da conservação (8), representada pela cultura local das pessoas. Assim, o caráter homogêneo do ambiente de globalização, e de sua paisagem, será predominantemente determinado pelas demandas dos padrões de consumo internacionais: shopping centers e business districts que reproduzem, no interior dos edifícios, uma parcela do repertório urbano, repletos de ruas e praças; resorts, parques temáticos e, sobretudo, grandes áreas de lazer e entretenimento. Locais que beiram o limiar de simulacro de espaço público, na forma de “jardins ampliados”, destinados à atender um determinado público consumidor e protegido por um tipo de fronteira sutilmente delimitada em “muralhas invisíveis”, como bem observou Sevcenko (1985) (9).


Num movimento complementar, são conservados os monumentos (cf. Rossi, 1982) (10), as referências urbanas de valor socialmente reconhecido que identificam e dão sentido à idéia de lugar. Contudo, é importante a percepção de que a recuperação do espaço referencial, tanto a arquitetura ou os fragmentos de uma “natureza original”, mantém aquela ambigüidade entre o local e o global: a rua do Bom Jesus, símbolo da recuperação do antigo bairro do Recife, serve de depósito de uma identidade histórica da cidade – das colonizações portuguesa e holandesa, da presença dos primeiros judeus nas Américas, do “afrancesamento” do centro urbano na primeira revitalização da região portuária, no início do século XX – mas seu sentido é semelhante, por exemplo, ao da Zona Rosa, na cidade do México, do Puerto Madero em Buenos em Buenos Aires, ou do Pelourinho, em Salvador. Consiste num sentido estratégico, de caráter global, da tradução do acervo cultural em “capital simbólico”.



Foto 05 – Rua do Bom Jesus, no Recife, Brasil. Antiga rua dos Judeus, do período da ocupação holandesa, onde está a primeira sinagoga das Américas. Convertida em área de entretenimento turístico. Foto de Fred Jordão/Imago

Num sentido mais geral, o patrimônio cultural, notadamente o patrimônio edificado, passa a integrar o acervo ambiental, a identificar e pontuar uma diversificação de paisagens entre as cidades. O mesmo ambiente e aparato tecnológico que dá suporte a esse processo de regeneração das cidades possibilitam, por sua vez, um movimento de articulação em torno da conservação do planeta. Referimo-nos, é claro, ao emergir do ambientalismo na pauta da política internacional, ante a perspectiva de esgotamento dos recursos naturais e da própria vida. Nesse contexto, os limites da urbanização são redefinidos em função dos discursos construídos em torno do desenvolvimento sustentável – da exploração racional dos recursos naturais, da conservação do meio ambiente e da qualidade de vida. Ao nosso ver, essas são algumas relações que permitem uma melhor aproximação sobre o sentido da paisagem urbana contemporânea.




Figuras 06 e 07 – maquetes eletrônicas para o “Projeto Recife-Olinda”. Uma estratégia de inserção do centro antigo do Recife no ambiente da globalização desenvolvido pela Parque Expo de Portugal; imagens da Parque Expo.

As respostas do urbanismo são novamente variadas e reinterpretadas através de “Planos Estratégicos” e do “Projeto Urbano” (Cf. Borja e Castells, 1997) (11). Neles são selecionados os elementos estratégicos, prioritários, num conjunto de intervenções que, colocadas sob os limites da conservação ambiental, do desenvolvimento sustentável, visam recuperar a vitalidade urbana e integrar as cidades no ambiente de globalização. Nessa dinâmica, a paisagem urbana do ambiente globalizado retorna como objeto de recomposição. De reunião de elementos representativos de “padrões de qualidade de vida” que resultam, novamente, pelo menos na imaginação, em sucessivos “jardins ampliados”.


(*) Arquiteto e Mestre em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco. Foi coordenador do Programa de Reabilitação s de Áreas Urbanas Centrais, Governo Federal, Ministério das Cidades e atualmente é assessor especial de urbanismo da Prefeitura do Recife, Brasil.

Notas:
(1) CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. Paz e Terra, São Paulo, 1999
(2) HALL, Stuart. Identidade Cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro, DP&A, 1998.
(3) GREGOTTI, Vittorio. Território da Arquitetura. São Paulo, Perspectiva, 1975.
(4) ARANTES, Otília. O lugar da Arquitetura Depois dos Modernos. São Paulo, Edusp, 1993.
(5) SALDANHA, Nelson. O Jardim e a Praça. Edusp, São Paulo, 1993.
(6) ELIADE, Mircea. O Mito do Eterno Retorno. São Paulo, Mercuryo, 1992. A obra original foi publicada em francês, em 1949.
(7) LE GOFF, Jacques, Por Amor às Cidades. UNESP, São Paulo, 1998.
(8) O termo conservação foi adotado como interpretação da idéia desenvolvida por Castells (1999) para abranger o sentido do termo no vocabulário urbanístico.
(9) SEVCENKO, Nikolau. As Muralhas Invisíveis da Babilônia Moderna. Oculom, Revista de Arquitetura, Arte e Cultura, nº1, anoo II, 1985.
(10) ROSSI, A. La Arquitectura de la Ciudad. Barcelona, Gustavo Gili,1982.
(11) BORJA, Jordi. e CASTELLS, Manuel. Local y global: La Gestión de las Ciudades en la Era de la Información. Taurus, Madrid, 1997.
Referências Bibliográficas


ARANTES, Otília. “O lugar da Arquitetura Depois dos Modernos”. São Paulo, Edusp, 1993

CASTELLS, Manuel. “A Sociedade em Rede”. Paz e Terra, São Paulo, 1999.

BORJA, Jordi. e CASTELLS, Manuel. “Local y global: La Gestión de las Ciudades en la Era de la Información”. Taurus, Madrid, 1997.

LE GOFF, Jacques, “Por Amor às Cidades”. UNESP, São Paulo, 1998.

ELIADE, Mircea. “O Mito do Eterno Retorno”. São Paulo, Mercuryo, 1992. A obra original foi publicada em francês, em 1949

GREGOTTI, Vittorio. “Território da Arquitetura”. São Paulo, Perspectiva, 1975.

HALL, Stuart. “Identidade Cultural na pós-modernidade”. Rio de Janeiro, DP&A, 1998.

ROSSI, A. “La Arquitectura de la Ciudad”. Barcelona, Gustavo Gili,1982.

SALDANHA, Nelson. “O Jardim e a Praça”. Edusp, São Paulo, 1993.

SEVCENKO, Nikolau. “As Muralhas Invisíveis da Babilônia Moderna”. Oculom, Revista de Arquitetura, Arte e Cultura, nº1, anoo II, 1985.

Nota complementar:
A edição do Infohabitar não quer deixar de registar a nota enviada pelo autor deste artigo no sentido de evidenciar o grande interesse da obra do jurista e fiósofo Nelson Saldanha, “O Jardim e a Praça”, acima referida e que é considerada como um trabalho fundamental na área do estudo sobre as esferas pública e privada.

Artigo preparado para edição em 2008-05-17, por António Baptista Coelho.
Artigo editado no Infohabitar em 2008-05-18, por José Baptista Coelho.
Infohabitar: Lisboa, Encarnação – Olivais Norte.

segunda-feira, maio 12, 2008

196 - SOBRE OS JARDINS E O HABITAR (I) – artigo de António Baptista Coelho - Infohabitar 196

 - Infohabitar 196


SOBRE OS JARDINS E O HABITAR (I)NOTAS INICIAIS E UM PRIMEIRO ENQUADRAMENTO

António Baptista Coelho

Este constitui o primeiro de uma série de artigos sobre jardins, uma série que se deseja longa, embora, naturalmente, não contínua, na sua sequência editorial.
Importa referir que esta série já estava há muito tempo na mente de muitos daqueles que têm cooperado nesta excelente aventura editorial, que é o Infohabitar, e que se pretende que ela seja partilhada por vários autores e por diversas perspectivas de abordagem à essencial importância dos pequenos e grandes jardins urbanos nas cidades de sempre e, especialmente, nas cidades de hoje.



Fig. 01: uma alameda do grande jardim urbano no centro das Caldas da Rainha.

Vamos, então, começar por algumas notas genéricas sobre a natureza do jardim e a natureza no jardim, passando, depois, para uma pequeníssima referência à sua história, considerando o jardim que é feito pelo homem e terminando este primeiro artigo sobre “os jardins e o habitar” com uma primeira perspectiva de leque tipológico.

Desde já se sublinha que em próximos artigos e para além de um sequencial desenvolvimento temático noutras matérias associadas ao tema do jardim e do habitar, iremos, muito provavelmente, retomar alguns destes aspectos de “história”, de natureza/carácter e de proposta tipológica, seja na sequência de outros articulistas, seja pela opção pela apresentação de alguns casos concretos, seja pela descoberta de outras fontes igualmente interessantes e geradoras de comentários específicos.

Também se avisam os especialistas na matéria que este e outros artigos que irei aqui desenvolver nesta matéria são textos realizados apenas por um amador de jardins urbanos, textos estes que, como verão, utilizam, frequentemente, a citação de verdadeiros especialistas e de teóricos do urbano e do habitar.

Dito isto dá vontade de afirmar, claramente, essa minha posição de amador de jardins urbanos, desde sempre, desde que tenho lembranças sobre passear na cidade ou nas beiras da cidade, desde então, sempre me lembro dos jardins, ainda que pequenos, ainda que plenos de “rodriguinhos”, ainda que sintetizados em filas de árvores, ainda que lembrados em vasos sobre peitoris e soleiras. E é engraçado esta associação que faço, afinal, entre espaço urbano e “jardim”, uma união que, provavelmente, tem a virtude de fazer realçar em partes do edificado e do natural o que de melhor elas têm em termos de imagens, de relações entre imagens, de pormenores humanizadores e de elementos conjuntamente protagonistas na criação de espaços de vida.



Fig. 02: um “jardim” numa varanda da Av. da Igreja em Lisboa.

Diz Purini que “o jardim é um tema censurado, e por muitas razões, pela moderna cultura arquitectónica... lugar do imprevisível, do fantástico, do mistério, o jardim representa a instabilidade e a contínua metamorfose do mundo (1) ..."; tenho a noção que realmente o jardim tem sido um pouco um tema censurado, talvez por isso mesmo, por ser “lugar do imprevisível, do fantástico, do mistério” numa sociedade que, acima de tudo, dá importância à estabilidade, ao conhecido, ao previsível, ao normalizado e ao que é corrente e inteiramente partilhado por todos em contínuas vagas de consumo, e, além disto, o jardim é realmente o espaço nuclear que pode caracterizar os espaços urbanos do vagar, da introspecção, do diálogo calmo e da observação da natureza numa sociedade em que o tempo de cada dia não chega, frequentemente, nem só para aquelas actividades consideradas essenciais.

Tal como refere Sidónio Pardal (2), os jardins urbanos começaram por ser espaços de encontro social e elementos representativos da cidade, mas hoje em dia eles respondem também a outras necessidades, entre as quais se destaca o contacto com a natureza, que é proporcionado a citadinos bem enraizados e habitando, frequentemente, edifícios em altura (que são reinos de interioridade).

O jardim deve, assim, responder a essa ausência de contactos naturais, proporcionando frequentes possibilidades de uso (porque estando próximos das habitações), em condições básicas de sossego e quietude.



Fig. 03: o jardim e a quietude; simbolizado por um conjunto escultórico do grande jardim urbano no centro das Caldas da Rainha

E antes de fazer aqui uma primeira brevíssima incursão pela história dos jardins gostaria de salientar, exactamente, a importância que os jardins têm e podem ter – muito mais se forem adequadamente disponibilizados – na oferta dessas condições, verdadeiramente “básicas” de sossego e de quietude, considerando a nossa sociedade actual do desassossego e da inquietação, e ainda a partir do mesmo comentário de Sidónio Pardal, nesta caso sobre a importância do jardim como contacto com a natureza proporcionado aos citadinos, uma natureza que se caracteriza naturalmente por essa quietude, que praticamente nos envolve e nos protege de um tecido urbano que, por vezes, está ali a “rugir” a dois passos do sítio onde estamos, sob a copa das árvores, quero aqui contar uma pequeníssima história passada comigo há cerca de 45 anos, mais ano menos ano.

Vivi, então, no Barreiro durante talvez um par de anos, quando muito, trata-se de uma das minhas primeiras colecções de memórias, e portanto não poderei precisar melhor a duração dessa vivência, no entanto, sei que vivia numa rua urbana com forte continuidade no centro mais antigo do Barreiro, num rés-do-chão que ele próprio tinha um pequeno jardim, isto é um estreito canteiro de sardinheiras, julgo, que rodeava um pequeno espaço cimentado, talvez com 4x3m: mas era um jardim óptimo para brincar sempre que não chovia ou estava frio demais.

Mas este jardim quase nada era comparado com o “parque” que existia talvez a 100 metros da porta do prédio e que era “o jardim” do Barreiro de então. Digo “o parque” porque se tratava de um sítio que sempre que lá ia me espantava e me deliciava pela sua dimensão, diversidade de arbustos e árvores e outros efeitos fantásticos como uma ponte sobre um lago onde julgo que havia peixes. Não quero aqui alargar-me nestas considerações para ser o mais possível fiel a uma memória já muito longínqua, mas quero aqui afiançar que a ideia que tenho daquele sítio, é que era um sítio maravilhoso e que parecia não ter fim, até porque de cada vez que lá ia via coisas novas.

Dá para lembrar o que disse Purini sobre o jardim como lugar do imprevisível, do fantástico, do mistério e da contínua metamorfose do mundo. E já agora vos digo que, quando voltei ao Barreiro passados talvez vinte anos e fui até ao “parque” não quis realmente acreditar que ele pudesse ser tão pequeno, como era; mas afinal, para mim e para todas as outras crianças que nele andaram e andam, ele foi, realmente, um grande e estimulante mundo do fantástico, da descoberta e também da tal quietude, que serve bem o soltar da imaginação bem no interior de um meio urbano.



Fig. 04: o Jardim da Gulbenkian, em Lisboa, também parece sempre muito maior do que é, verdadeiramente, e a recente intervenção de Gonçalo Ribeiro Telles ainda o tornou “maior”.

E Purini oferece-nos uma excelente síntese sobre a importância e a caracterização/natureza da relação entre o jardim e o habitar ou o habitar e o jardim, julgo ser a ordem arbitrária: "Uma casa não é uma casa se um jardim, verdadeiro ou imaginário, não a rodeia ou a penetra. Sempre a casa e a terra: a casa como terra. Na fragilidade da erva esconde-se a mesma lei que assegura a força da viga de madeira. Os mesmos elementos formam o pó e a pedra. O jardim é, então, a paisagem de qualquer casa: paisagem interior, no miolo cerrado dos tecidos urbanos, paisagem verdadeira na vastidão do campo" (3).

Aproveitando um excelente e incontornável grande livro do paisagista Michael Laurie (4) façamos, agora, um pequeníssimo passeio pelo conceito amplo do jardim ao longo da história; passeio este feito com base na referida obra de Laurie, que, vivamente, se recomenda para todos aqueles que se interessam pelos modos de fazer uma cidade mais humana e culturalmente mais válida.

Comecemos pelavra inglesa para jardim: "garden" = gar (proteger/defender) + eden (prazer/deleite) = recinto para prazer e deleite.

Na origem do jardim esteve o talhão agrícola com os seus canais de rega, pequenos bosques a intervalos regulares, muros de vedação, plantas com sentidos simbólicos e aromas característicos.

Já no Egipto se usavam "latadas" e tanques em jardins murados, mais tarde o ordenamento do jardim passou a estilizar o ordenamento agrícola segundo esquemas simbólicos, relacionando-se ainda mais fortemente jardim e edifício.

Esta evolução tem um expoente no "Éden" + átrio romano = pátio ajardinado e refrescado por brisas passando sobre superfícies de água.

O jardim medieval, fechado e escondido, liga-se muito aos segredos da ervanária com fins medicinais, mas também ao horto com árvores de fruto, flores, fontes, zonas calcetadas, arbustos podados e tanques com peixes, numa amálgama privada que é fonte de prazeres sensuais (íntima, bela e com um forte sentido artesanal).



Fig. 5: O jardim medieval, fechado e escondido, liga-se muito aos segredos da ervanária com fins medicinais, mas também ao horto com árvores de fruto, flores, fontes … (o claustro de Alcobaça).

O Renascimento liga a casa ao jardim por espaços intermédios, que são prolongamentos arquitectónicos na paisagem, desde balcões e arcadas a extensões de escadarias e terraços que constroem um desenho global e humanizam a natureza exterior.

Mais tarde o jardim romântico vai imitar a paisagem, baseando-se na observação da natureza e "dramatizando-a" pelo recurso a princípios pictóricos (é o "pitoresco"); é a regularidade do edifício contrastando, harmoniosamente, com a irregularidade estudada do exterior povoado por "episódios" e "objectos".

Hoje em dia, a falta de espaço bem localizado e o custo implicado pela construção e manutenção de um jardim poderá levar ao desenvolvimento de espaços que recuperam características passadas, como é o caso do sentido de encerramento exterior e de profusão de dados sensoriais naturais que tanta falta fazem a pessoas muito desenraizadas da natureza.



Fig. 6: o Jardim das Amoreiras, onde se sente um estimulante equilíbrio e mesmo uma estimulante fusão entre a forma edificada e a forma natural, proporcionando-se o contacto com a natureza em plena zona urbana densificada.

Realmente, trata-se de produzir o máximo efeito num espaço limitado e para isso já existem caminhos abertos e exemplos concretos, como é o caso dos jardins desenhados, no Brasil, por Burle Marx, inspirados na pintura e na botânica moderna, desenvolvidos considerando vários pontos de vista, a clarificação de planos simples e linhas sóbrias e a diluição dos limites (aparentando um espaço sem fim, numa zona restrita), sendo os usos definidos para cada reduzida porção de espaço, escultoricamente organizada.

Termina-se aqui esta primeira e muito sumária viagem pela história do jardim, realizada, como se salientou, com base num excelente livro de Michael Laurie.

Quando iniciei esta série sobre os jardins pensei em avançar, desde já, com algumas notas sobre tipologias de espaços ajardinados urbanos, no entanto, julgo que será melhor, para já, ficarmos por aqui e será então num próximo artigo da série que avançaremos nesse sentido.

Notas:

(1) Franco Purini, "La Arquitectura Didactica", p. 231.
(2) Sidónio Pardal; P. Correia; M. Costa Lobo, "Normas Urbanísticas, Vol. II", p. 117.
(3) Franco Purini, "La Arquitectura Didactica" p. 151.
(4) Michael Laurie, "Introducción a la Arquitectura del Paisaje".

Editado por José Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação – Olivais Norte
11 de Maio de 2008