segunda-feira, janeiro 26, 2009

231 - Do Aqueduto de Lisboa aos novos Vazios - Infohabitar 231

Infohabitar, Ano V, n.º 231

Do Aqueduto de Lisboa aos novos Vazios
Teresa Marat-Mendes

Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE)
Secção Autónoma de Arquitectura e Urbanismo
Av.ª das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal
teresa.marat-mendes@iscte.pt


Resumo

A paisagem de Lisboa, durante o século XVIII assistiu a uma profunda transformação do seu espaço público como consequência da construção do aqueduto das Águas Livres de Lisboa. Aqueduto este que respondia às necessidades prementes de abastecimento da cidade e que projectava uma infra-estrutura fundamental para o desenvolvimento da Lisboa Ocidental por decreto de D. João V em 1731.

As transformações geradas pelo aqueduto na cidade de Lisboa e no seu Termo são inúmeras. Com especial relevância para a presente comunicação referimo-nos aos espaços públicos gerados por esta grande infra-estrutura, e que se podem diferenciar em duas categorias. Uma primeira que se constitui pelos espaços públicos que chegaram até hoje integrados na estrutura urbana da cidade de Lisboa, e uma segunda que se constitui pelos espaços públicos que em grande parte se encontram esquecidos e desarticulados da estrutura urbana do Termo de Lisboa. Os espaços públicos que se encontram inseridos nesta segunda categoria, constituem hoje um grande número de Vazios, que outrora constituíram parte intrínseca do território e de uma ordem espacial urbana bem concreta. Ordem esta que se regia através de unidades morfológicas concretas.

É precisamente a identificação desses Vazios e da sua oportunidade enquanto espaços de intervenção na paisagem urbana de Lisboa e do seu Termo de hoje, bem como na delimitação das unidades morfológicas atrás mencionadas, que a presente comunicação pretende oferecer através de uma nova aproximação metodológica ao estudo do património e da paisagem, como expressão de um modelo sustentável de ordenamento do território. Onde, a gestão e a obtenção de recursos, nomeadamente a água constitui elemento essencial na estruturação desse mesmo ordenamento do território e das suas respectivas unidades morfológicas.

1. Introdução

Enrique Tello, na sua análise sobre a formação histórica das paisagens agrárias mediterrâneas, defende que a paisagem pode ser lida, de um ponto de vista histórico, como a expressão territorial do metabolismo que qualquer sociedade mantém sobre os sistemas naturais que a sustentam (1). Tomando como ponto de partida esta noção de expressão territorial a presente comunicação baseia a sua leitura da paisagem do território no resultado dos modelos de gestão de recursos das sociedades que ocuparam esse mesmo território.

A análise da paisagem emerge assim como um elemento importantíssimo no entendimento das fontes de recursos e dos sistemas técnicos que geraram essa mesma paisagem. A presente comunicação através da análise da paisagem de Lisboa e do seu Termo, promove um novo olhar sobre a paisagem de Lisboa -a forma do território – desde a óptica da gestão dos recursos.

O exemplo em análise refere-se à paisagem de Lisboa, que em meados do sec. XVIII assistiu a uma profunda transformação, quer do seu espaço público, quer do seu Termo, como consequência da construção do aqueduto das Águas Livres de Lisboa. Transformação esta que ocorreu como resultado de uma estruturação do território mediante o reconhecimento das condições de matriz biofísica preexistente e da aplicação de sistemas de captação e de transporte tradicionais, a uma escala que supera a dimensão da percepção das várias unidades morfológicas analisadas, quer sejam elas os chafarizes públicos, as praças ou as quintas reais.

De forma a responder aos objectivos propostos a presente comunicação encontra-se estruturada em três partes. Uma primeira parte – O Aqueduto das Águas Livres de Lisboa - que se refere à escala territorial como sendo a primeira escala necessária para um correcto entendimento da paisagem enquanto expressão de um modelo de gestão e de obtenção de recursos. A segunda parte – As quintas e o Termo de Lisboa - identifica um modelo de gestão do território, cuja unidade morfológica é a quinta. Unidade morfológica esta que representa uma unidade tipológica de estruturação do território, e que foi responsável pela modulação e estrutura de parcelamento e loteamento à qual responderam, respectivamente, o Termo e a cidade de Lisboa. E finalmente, a terceira e última parte desta comunicação – Os Vazios - refere-se aos vazios deixados por toda esta estrutura do território do sec. XVIII, e muitos dos quais ainda se encontram perceptíveis e objecto de intervenção enquanto Vazios Úteis.


2. O Aqueduto das Águas Livres de Lisboa.
“E Lisboa, onde todos bebem água, não tem mais que um estreito chafariz para tanta gente e outro para os cavalos” (2).

Quando em 1571 Francisco de Holanda questionava na obra Da Fabrica que falece ha cidade de Lysboa porque é que Lisboa não possuía então mais do que “unicamente, dois chafarizes, um para a população e outro para as cavalgaduras”, denunciava não só a “carência e a deficentíssima condição higiénica do abastecimento de água a Lisboa”(2), como também chamava a tenção para a existência prévia de um aqueduto Romano que havia satisfeito as necessidades da população de Lisboa, denominado de “Ágoa Livre”, e que provinha dos sítios de Belas, Carenque e redondezas.

Na realidade, a problemática do abastecimento de água à cidade de Lisboa não era uma questão nova. Vários haviam sido os estudos realizados que, do ponto de vista técnico, permitiam que se tivesse realizado um aqueduto para abastecer a cidade de Lisboa, e que propunham o aproveitamento das fontes de Águas Livres. Contudo, por questões de ordem financeira e também de ordem politica apenas a 12 de Maio de 1731, por alvará de D. João V se manda dar início à construção do Aqueduto das Águas Livres (3).

É precisamente esta infra-estrutura, e todo o conhecimento de engenharia e arquitectura que a suportou, que viria a marcar uma página importante não só na história urbana da cidade de Lisboa como também na do seu Termo.

Quando através do Alvará de 12 de Maio de 1731 se permitia que a “dita obra se faça pelas ditas terras, fazendas, moinhos, cazas, quintaes e herdades por onde houver de vir, ainda que sejão de pessoas privilegiadas, e de qualquer condição, qualidade, e privilégio incorporado em direito, posto que seja Desembargador, porquanto todos têm obrigação de dar passagem a dita agoa e não há privilégio algû, que disto o escuse” (4), permitia-se também, mesmo que indirectamente, a transformação de todo o território de Lisboa e do seu Termo. Território este que, até aqui, havia sido estruturado à escala que a técnica de obtenção dos recursos naturais havia permitido até então.

O Aqueduto das Águas Livres viria a dotar a Lisboa e ao seu Termo uma nova escala e técnica de obtenção de recursos, que permitiu transformar a sua fisionomia e portanto a sua paisagem. Uma nova página na história urbana de Lisboa e do seu Termo se abria agora, através da leitura de uma nova e futura expressão territorial.

Enquanto que em Lisboa, a transformação da paisagem deveu-se sobretudo à multiplicação de inúmeros chafarizes pela cidade, que todo o novo sistema de galerias subterrâneas e aéreas permitam, o que implicou também a proliferação de inúmeros espaços públicos através de novas praças especiais ou o reaproveitamento de praças pré-existentes pelo tecido urbano da cidade; no território do Termo de Lisboa a transformação da paisagem implicou sobretudo um crescimento urbano acentuado ao longo dos 58,135 km que totalizam o percurso do aqueduto e de todos os seus aquedutos subsidiários.

Percurso este que permitiu o aparecimento de novas quintas, a intensificação da exploração agrícola dessas mesmas quintas e de outras já pré-existentes e o alargamento de núcleos urbanos pré-existentes, a uma escala sem precedente.

Embora toda a estrutura do Aqueduto das Águas Livres, conforme registado na Planta Geral do Aqueduto das Águas Livres (Figura 1), se situasse geograficamente entre Lisboa e Caneças, a real escala da transformação territorial provocada por esta infra-estrutura foi bem mais vasta. Abrangeu toda a cidade de Lisboa e o seu Termo, tendo tido repercussões na paisagem de um território mais vasto. Este território, conforme se constata na Carta Corográfica dos Arredores de Lisboa (Figura 2), é delimitado a sul pelo Rio Tejo, a Norte pela cordilheira da Serra de Sintra estendendo-se até Caneças e Sabugo, a poente, pelo Oceano Atlântico e a nascente pelo Mar da Palha.

Sobre o território atrás delimitado é possível verificarmos ainda uma distribuição espacial de vários núcleos urbanos de uma forma muito homogénea, encontrando-se um distanciamento quase constante entre os mesmos. Sendo que, acima do limite Norte do território em análise, a distancia que separa os diferentes núcleos é já superior, embora a sua disposição espacial seja ela também uniforme.

Também uma análise sobre a cartografia da época, nomeadamente sobre a Carta dos Arredores de Lisboa de 1898, do Corpo do Estado Maior, à escala 1:20.000, permite-nos verificar que ao longo de todo o percurso do Aqueduto das Águas Livres não se registou uma intensificação de núcleos urbanos (6). O propósito da construção do aqueduto havia sido essencialmente o abastecimento de água à cidade de Lisboa e ao Palácio e Quinta Real de Queluz. Assim, se pode explicar porque é que a distribuição geográfica dos núcleos urbanos preexistentes como a sua dimensão se mantiveram inalteradas até ao final da primeira metade do sec. XX. Contudo, o abastecimento de água a Queluz, serviria de mote a outras Quintas e Palácios para encontrarem fontes de abastecimento próprias. Embora ainda esteja por esclarecer se estes abastecimentos através de aquedutos ou minas de água são anteriores ou posteriores ao próprio aqueduto, a verdade é que à época da construção do Aqueduto das Águas Livres, todo o território do Termo de Lisboa se intensificou em termos de exploração agrícola, através da intensificação de culturas e de quintas pré-existentes e ainda através da criação de novas quintas.

O conhecimento e as técnicas para a gestão e a obtenção do recurso água que tornou possível a construção do Aqueduto das Águas Livres tornou também possível a proliferação de novos aquedutos para abastecimento de outras Quintas, Palácios e núcleos urbanos, ao longo do Termo de Lisboa. São exemplos o Aqueduto de Carnaxide para abastecimento da povoação de Caxias, o Aqueduto de Queijas – Caxias para abastecimento da Quinta Real de Caxias, o complexo de aquedutos subterrâneos situados entre os Capuchos e Colares em Sintra, o complexo de aquedutos subterrâneos situados perto da Quinta da Penha Longa em Sintra, outros vários subterrâneos situados na Serra de Sintra, o aqueduto da Quinta do Marquês em Oeiras, os dois aquedutos situados perto de Paço de Arcos, o aqueduto situado em Valle de Mourão perto do Cacém, o aqueduto situado na Talla perto da Ribeira da Jarda, bem como outros pequenos aquedutos e minas de captação de água dispersas por este mesmo território.

Em 1880, quando todo o sistema do Aqueduto das Águas Livres se havia tornado insuficiente para servir o elevado número de população da cidade de Lisboa com o seu caudal de água, um novo sistema de abastecimento de água serviria agora a cidade de Lisboa, através do Aqueduto do Alviela, que encontrou na Estação dos Barbadinhos o seu ponto receptor.

No entanto, durante um século, desde 1731 até á primeira parte do sec. XIX, Lisboa e o seu Termo assistiram a uma nítida transformação da sua estrutura rural e urbana, i.e., da sua paisagem, fruto da construção do aqueduto das Águas Livres e de toda uma proliferação de novas infra-estruturas (pequenos aquedutos e minas). Tal facto, não se deveu apenas ao processo de paz que a terminada Guerra de Sucessão de Espanha permitiu, ou da disponibilidade económica que o ouro do Brasil facilitou, ou ainda pela afirmação artística que a arte e a arquitectura joanina testemunharam, mas sobretudo pela possibilidade que a nova técnica de exploração do recurso água permitiu ao possibilitar à cidade de Lisboa estabelecer com os seu Termo uma relação intrínseca, a uma escala sem precedente.

A escala necessária para o correcto entendimento da paisagem de Lisboa enquanto expressão de um modelo de gestão de obtenção de recursos estava agora definida.




Figura 1 - Planta Geral do Aqueduto das Águas Livres. Fonte: Museu da Água de Lisboa.



Figura 2 - Localização do Aqueduto das Águas Livres sobre Carta Corográfica dos Arredores de Lisboa, Guerin de Lamotte, 1821. Fonte: Instituto Geográfico Português.


Figura 3 - Aqueduto das Águas Livres, Vale de Alcântara, s.d., fotógrafo não identificado, Arquivo Fotográfico, Cota Actual ACU002501.
Figura 4 - Aqueduto da Quinta do Marquês de Pombal, Oeiras, 2007, Fonte: Arquivo Teresa Marat-Mendes.



Figura 5 - Aqueduto do Arneiro, Oeiras, 2007, Fonte: Arquivo Teresa Marat, Mendes.
Figura 6 - Aqueduto das Águas Livres, Reboleira, 2007, Fonte: Arquivo Teresa Marat-Mendes.




Figura 7 - Aqueduto da Quinta da Boa Viagem, Caxias, 2007, Fonte: Arquivo Teresa Marat-Mendes.
Figura 8 - Aqueduto da Quinta Real de Caxias, Caxias, 2007, Fonte: Arquivo Teresa Marat-Mendes.


3. As Quintas do Termo de LisboaA par das transformações urbanas ocorridas na cidade de Lisboa, através da abertura de novas praças e na reestruturação de espaços públicos pré-existentes, a escala de transformação proporcionada pelo Aqueduto das Águas Livres no Termo de Lisboa foi também ela notável.

A transformação da paisagem rural e urbana no Termo de Lisboa revela um conhecimento notável de técnicas de gestão do recurso água, através da distribuição de diferentes propriedades agrícolas, que embora identificadas na cartografia militar com data posterior à da data de construção do Aqueduto das Águas Livres (6), demonstram que estas diferentes propriedades, de origem agrícola e também de recreio, não dependiam do abastecimento de água fornecido pelo Aqueduto das Águas Livres, uma vez dependiam de sistemas de aquedutos próprios, portanto autónomas na seu sustento face ao recurso água.

Alguns exemplos de aquedutos, independentes do Aqueduto das Águas Livres, que abasteciam diferentes propriedades agrícolas e de recreio foram já atrás mencionados. Evidenciando-se, a titulo exemplificativo, o Aqueduto da Quinta do Marques em Oeiras, o Aqueduto do Arneiro, o Aqueduto da Real Quinta de Caxias e o Aqueduto da Quinta da Boa Viagem em Caxias, respectivamente exibidos através das figuras 4, 5, 7 e 8.

Esta complexa rede de quintas dispersas por todo o Termo de Lisboa, subsidiava através dos seus próprios sistemas de captação de água próprios as suas próprias culturas; dispondo por quase todo o território do Termo de Lisboa, uma extensa rede de parcelamento, que ordenava o território com base no recurso água.

As técnicas de obtenção do recurso água empregues nas diferentes propriedades agrícolas eram todavia comuns às técnicas empregues na construção do Aqueduto das Águas Livres. A disposição topográfica das diferentes propriedades agrícolas revela portanto um conhecimento profundo das possibilidades de obtenção do recurso água. Conhecimento este que supostamente estaria bem sedimento e consolidado na prática de gestão territorial, à época, e que segundo Enrique Tello revela o metabolismo que a sociedade mantinha sobre os seus sistemas naturais.

Este conhecimento, conforme aqui revelado para a cidade de Lisboa e do seu Termo, não se esgotaria todavia no território aqui identificado e em análise.
Vários outros exemplos sobre aplicações deste tipo de conhecimento acerca de técnicas de gestão e obtenção do recurso água chegaram todavia até nós. Em Portugal temos, entre outros exemplos, o exemplo da Mitra em Évora, o Aqueduto da Água da Prata e o abastecimento de Água a Évora, o Palácio de Tomar e o seu Aqueduto. Mas também na Europa e fora dela, inúmeros exemplos atestam a implementação destas técnicas de gestão de recurso que por sua vez conformaram a fisionomia e a paisagem de muitas cidades. Uma análise mais atenta e exaustiva desses diferentes exemplos permitiria identificar e enumerar as diferentes técnicas empregues bem como ainda as verdadeiras escalas de leitura dos territórios em causa, e desta forma engrandecer a história urbana de todos esses exemplos.

No caso concreto de Lisboa e do seu Termo, que aqui se encontra em análise, há contudo uma particularidade que o destaca dos outros exemplos. Embora muitíssimo fragmentado por toda uma proliferação da urbanização que tomou conta de toda a periferia de Lisboa, o objecto de análise (o antigo Termo) ainda se encontra parcialmente “vivo” e disponível para leitura, no que diz respeito à leitura das unidades morfológicas que compõem a sua paisagem.

Estes territórios fragmentados distribuem-se por duas categorias de espaço, ou unidades morfológicas: os Núcleos Urbanos e as Quintas. E são estes territórios fragmentados que constituem um conjunto de Vazios, enquanto oportunidades não só de intervenção futura, mas também de leitura da própria história urbana de Lisboa e da sua paisagem.

A primeira categoria de unidade morfológica dessa paisagem diz respeito aos antigos núcleos urbanos. Estes núcleos urbanos, embora de origem muito mais remota que a data da construção do Aqueduto das Águas Livres, souberam mesmo após a sua construção co-existir com toda a dinâmica territorial, social e económica que esta infra-estrutura impôs, ao suportarem a sua estrutura morfológica, a sua identidade e unidade. Contudo, após o “boom” construtivo que teve inicio na periferia de Lisboa a partir dos anos 60 do sec. XX, com os clandestinos, até aos dias de hoje com as operações de loteamento e urbanização, a unidade morfológica que caracterizava estes núcleos acabou por se corromper e fragmentar, perante a agressividade das novas construções cuja escala e massificação em nada respeitou os núcleos preexistentes.

Desses núcleos restam hoje territórios fragmentados – Vazios que urgem um maior cuidado e atenção.

A segunda categoria de espaço ou de unidade morfológica corresponde às antigas quintas, que outrora formaram uma complexa rede de quintas dispersas por todo o Termo de Lisboa e que subsidiavam através de sistemas de captação de água próprios, as suas próprias culturas. Também essa complexa rede de quintas acabou por se extinguir com o passar dos anos fruto do seu abandono e do surgimento de outros modos de viver e de subsistência.
O abandono de uma sociedade agrícola em detrimento do surgimento de uma sociedade industrial acabou por determinar o abandono de uma ordem de gestão do território que havia marcado a paisagem de Lisboa.

Contudo, hoje ainda são visíveis no Território de Lisboa pequenos fragmentos dessa antiga rede, e que correspondem a quintas abandonas e outras todavia em parcial funcionamento. Estes fragmentos constituem eles próprios também Vazios Úteis. Um olhar atento na preservação do seu património edificado, agrícola e respectivos sistemas de captação de água, será todavia importante.

Esse olhar poderá proporcionar aquando de futuras intervenções ou de acções de reabilitação a possibilidade de devolver ao Território de Lisboa e à sua paisagem um equilíbrio ecológico.

Marat-Mendes e Cuchi (5) na sua análise sobre o sistema de abastecimento de água nas Quintas Reais de Lisboa descrevem as Quintas Reais como organismos autónomos do ponto de vista da exploração, obtenção e abastecimento de água às diferentes necessidades das diferentes quintas, quer sejam estas de recreio ou produtivas.

Tal como se pode constatar na legenda da Planta da Real Quinta de Caxias de 1844 (figura 9), esta enumera diferentes elementos alusivos à água, tais como a Grande Cascata, a Casa do Poço, o Telheiro da Nora, o Tanque do Hércules, o Tanque da Várzea, o Tanque da Cartuxa, o Tanque das Claudias, o Tanque da Vinha e o Aqueduto de Queijas. Através destes elementos facilmente se identifica onde é que água chega à Quinta, contudo já não é tão simples a identificação da distribuição da água dentro da Quinta, embora seja possível reconhecermos os diferentes depósitos de água que regulam o sistema.

Da planta das Minas e Encanamentos dágua do Almoxarifado de Caxias (figura 10) de 1901, é possível identificarmos contudo a verdadeira escala territorial sobre a qual dependia a Quinta Real de Caxias, através da identificação das diferentes pontos de captações de água que abasteciam a Quinta Real de Caxias (5).

Embora a Quinta Real de Caxias apresente os seus limites delimitados através de muros muito altos, ela dependia todavia de recursos, como a água que provinham de uma escala territorial que não a local. A água que abastecia a Quinta Real de Caxias não provinha apenas das duas minas de águas situadas nas imediações da Quinta, localizadas a nascente, mas também de outras minas localizadas em Queijas, na serra de Carnaxide, localizada a 2 km a Norte de Caxias (5).

Da análise da Quinta Real de Caxias, e da identificação da sua infra-estrutura própria de captação de água, é possível identificarmos uma unidade morfológica que extravasa os seus limites físicos, os muros, no que diz respeito à gestão e obtenção do recurso água. Embora actualmente a infra-estrutura de captação de água da Quinta Real de Caxias se encontre destruída, e portanto inoperacional, a sua reabilitação poderia devolver a Caxias uma nova possibilidade de rega que não aquela actualmente em uso –a água de rede da companhia, bem como a criação de um corredor verde autosuficiente. A destruição da infoestrutura identificada teve lugar com as obras da auto-estrada A5, nomeadamente com a construção do troço Estádio Nacional- Cascais, no final dos anos 80.

Embora a Quinta Real de Caxias e a Quinta de Recreio do Marques de Pombal em Oeiras constituam de facto, os exemplos mais paradigmáticos de quintas e aquedutos, pela sua imponência arquitectónica e conservação, um vasto numero de outras quintas e aquedutos encontram-se todavia dispersos no território do antigo Termo de Lisboa, e constituem sem duvida notáveis exemplos de Vazios Urbanos que requerem um olhar atento e objecto de intervenção que vá ao encontro da recuperação do ordenamento do território com base numa gestão de recursos mais sustentável do que aquela actualmente em uso.



Figura 9 - Planta da Real Quinta de Caxias, 1844; Planta do capitão engenheiro J. Abreu, Escala 1:1.000, Fonte: Biblioteca Nacional de Lisboa.





Figura 10 - Planta das minas e encanamentos d'agua do Almoxarifado de Caxias, 1901, Escala 1:5.000.


4 - Os Vazios - As praças e outros espaços públicos
Os Vazios que constituem a terceira e ultima parte deste artigo referem-se e constituem-se pelas praças e outros espaços públicos formados aquando da construção do Aqueduto das Águas Livres dentro da cidade de Lisboa, e também no seu Termo, que proporcionaram a localização de diversas fontes e chafarizes públicos em diferentes pontos da cidade e no seu Termo.
Estamos perante uma escala de leitura diferente daquelas que foram até aqui analisadas - a territorial e a das quintas, e corresponde à escala da praça e do espaço publico.

A construção do Aqueduto das Águas Livres de Lisboa alterou a paisagem urbana da cidade. Massivas galerias de pedra proporcionaram uma nova leitura da cidade baseada no recurso água. Desde o monumental Viaduto do Aqueduto das Águas Livres no vale de Alcântara (figura 3), passando pelo Arco das Amoreiras (figura 12), pela Arcaria do Jardim das Amoreiras (figura 13) e pela Mãe de Água das Amoreiras (figura 16), o Aqueduto distribuía-se pela cidade de Lisboa proporcionando alterações nas praças existentes. Como exemplos temos, entre outros, a construção do Chafariz das Amoreiras hoje extinto (figura 11), o Chafariz do Largo do Rato, o Chafariz da Rua do Século, o Chafariz da Esperança (figura 14) e o Chafariz das Janelas Verdes. Também o Palácio das Necessidades viria a ser abastecido por esta infra-estrutura, que alterou também a imagem da sua fachada principal conforme se pode verificar na figura 15.

Também no Termo de Lisboa, os Vazios encontraram espaço de enquadramento. Exemplos como o Chafariz de Carnaxide (figura 17) e o Chafariz da Buraca (figura 18) testemunham o aparecimento de novos largos e espaços públicos criados nessa altura, para o abastecimento de água das populações. No entanto, como já referido, muitos desses espaços encontram-se localizados junto a antigos núcleos, hoje territórios fragmentados e esquecidos, fomentando uma desarticulação destes elementos dos seus primitivos núcleos, com por exemplo o largo das lavadouras em Queijas na Rua da Mina (figura 20).

Uma outra categoria de vazios associada ao Aqueduto das Águas Livres de Lisboa é possível de ser referenciada. Esta categoria refere-se aos vazios urbanos criados aquando na urbanização de novos espaços urbanos na periferia da cidade de Lisboa, e que não souberam articular os seus traçados e espaços públicos com a infra-estrutura do aqueduto já existente. São disso exemplo, as urbanizações na Amadora (figura 21) e da Reboleira (figura 22).

Conclusões
A presente comunicação ao identificar diferentes categorias de Vazios na cidade de Lisboa e do seu Termo, em termos de unidades morfológicas distintas, como consequência da construção do aqueduto das Águas Livres, pretendeu sobretudo chamar a atenção para a necessidade de entender o património e os espaços público – os Vazios Urbanos - a uma escala territorial e não somente a local.

A escala territorial não representa apenas a primeira escala necessária para um correcto entendimento da paisagem tradicional enquanto expressão de um modelo de gestão e de obtenção de recursos; mas, representa também a primeira escala necessária para uma correcta intervenção no território, de forma a equacioná-lo de um razoável equilíbrio ecológico, do ponto de vista dos recursos naturais, bem como na correcta intervenção sobre o património edificado e espaço público.



Figura 11 - Rua das Amoreiras, Chafariz das Amoreiras, 1938, Eduardo Portugal (1900-1958), Arquivo Fotográfico, Código de referência: PT/AMLIS/AF/EDP/S00327.
Figura 12 - Arco das Amoreiras (entre 1898 e 1908), Fotógrafo não identificado, Arquivo fotográfico.



Figura 13 - Praça das Amoreiras, Ermida de Nossa Senhora de Monserrate, 1945. Eduardo Portugal (1900-1958), Arquivo Fotográfico, Código de referência: PT/AMLIS/AF/EDP/S00295.
Figura 14 - Chafariz da Esperança, 1907, Joshua Benoliel (1873-1932), Arquivo Fotográfico,.
Cota actual JBN001231.




Figura 15 - Palácio das Necessidades, Litografia colorida de Celestino Brelaz, 1832. Mário de Oliveira (-) , Arquivo Fotográfico, Código de referência: PT/AMLIS/AF/MAO/S00548.
Figura 16 - Largo do Rato, Planta nº 26 do Atlas da Carta Topolgráfica de Lisboa (1857-8). Filipe Folque.



Figura 17 - Chafariz de Carnaxide, 2007, Fonte Arquivo Teresa Marat-Mendes.
Figura 18 - Rua da Buraca, Chafariz da Buraca, Aqueduto das Águas Livres, 1939, Eduardo Portugal (1900-1958), Arquivo Fotográfico, cota actual EDP, Código de referência: PT/AMLIS/AF/EDP/I00303.





Figura 19 - Respiradouro do Aqueduto das Águas Livres, Cova da Moura, 2007, Fonte: Arquivo Teresa Marat-Mendes.
Figura 20 - Rua da Mina, Lavadouro, Queijas, 2007, Fonte Arquivo Teresa Marat-Mendes.





Figura 21 - Aqueduto das Águas Livres, Buraca-Amadora, 2007, Fonte: Arquivo Teresa Marat-Mendes.
Figura 22 - Aqueduto das Águas Livres, Reboleira, 2007, Fonte: Arquivo Teresa Marat-Mendes.


Bibliografia
(1) TELLO, Enrique 1999. “La Formación histórica de los paisjes agrários mediterráneos: una aproximación evolutiva”, in História Agraria, 19, pp.195-211.

(2) SEGURADO, Jorge, 1970. Francisco d’Ollanda. Edições Excelsior, Lisboa, p.211.

(3) MOITA, Irisalva (ed. Lit), 1994. O Livro de Lisboa, Livros Horizonte, Lisboa, p.294.

(4) Citado por Irisalva Moita in O Aqueduto das águas Livres e o abastecimento de água a Lisboa in Câmara Municipal de Lisboa, 1990, D. João V e o abastecimento de água a Lisboa, CML, Lisboa. p. 30.

(5) MARAT-MENDES, Teresa e CUCHI, Albert (2007). “The role of resources management on shaping the landscape patterns: the water in the Royal Estates of Lisbon region” in Actas da 1ª Conferência Regional euromediterránea. Arquitectura Tradicional mediterránea. Presente y Futuro. Barcelona, 12-15 Julho de 2007. pp36-38.

(6) CORPO DO ESTADO MAIOR (1898). Carta dos Arredores de Lisboa à escala 1:20.000.

Lisboa, Infohabitar, Encarnação – Olivais Norte
Preparação editorial, por António Baptista Coelho, em 24 de Janeiro de 2009.
Editado por José Baptista Coelho em 25 de Janeiro de 2009.

segunda-feira, janeiro 19, 2009

230 - PORQUE MORREM AS CIDADES OS VELHOS E AS ÁRVORES, PORQUE MORRE UM PAÍS – II - Infohabitar 230

Infohabitar, Ano V, n.º 230

Com quase nenhumas palavras de introdução apresenta-se, em seguida, a segunda parte do artigo da Arq.ª Maria Celeste Ramos, sob o título geral “PORQUE MORREM AS CIDADES OS VELHOS E AS ÁRVORES PORQUE MORRE UM PAÍS”, que iremos editar, sequencialmente, ainda esta semana, sendo a terceira e última parte do artigo alternado, na próxima semana, com uma outra colaboração, neste caso, da Arq.ª Teresa Marat-Mendes, da Secção Autónoma de Arquitectura e Urbanismo do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), que nos oferecerá, aqui, na próxima semana, o artigo “Do Aqueduto de Lisboa aos novos Vazios”, do qual se reproduz uma pequena passagem introdutória:

“… A paisagem de Lisboa, durante o século XVIII assistiu a uma profunda transformação do seu espaço público como consequência da construção do aqueduto das Águas Livres de Lisboa… É precisamente a identificação desses Vazios e da sua oportunidade enquanto espaços de intervenção na paisagem urbana de Lisboa e do seu Termo de hoje, bem como na delimitação das unidades morfológicas atrás mencionadas, que a presente comunicação pretende oferecer através de uma nova aproximação metodológica ao estudo do património e da paisagem, …”

Mas, desde já, fiquemos com as palavras de Maria Celeste Ramos e como entenderemos há múltiplas ligações entre as suas preocupações e uma adequada atenção aos novos vazios urbanos,

e boa leitura,

A direcção do Infohabitar

PORQUE MORREM AS CIDADES
OS VELHOS E AS ÁRVORES
PORQUE MORRE UM PAÍS – II

O mundo está sem controle – como o crime – porque tudo é global !!

Cofi Annan foi o homem da transição e que chamou a atenção para os problemas mundiais e criou na ONU um Directório formado por conjunto de Países, tendo apenas ficado um governo para o mundo ocidental Europa e USA. E de repente não se aceita um mundo privilegiado mas sim uma cidadania global para acabar com o mercado da guerra e das armas, da economia da droga e do mercado bolsista, o mercado “humano” de degradação do homem e das crianças.

O neoliberalismo – o mercado e a política conduziram à situação do mundo actual e a voltar a Marx, mas sem a ditadura do proletariado e do totalitarismo.

Um dia virá em que a Revolução francesa do séc. XVIII será de “liberdade, igualdade, fraternidade” uma benção para o mundo. Só não se sabe quando e, para já, dois séculos passaram e só há “liberdade” – bem ou mal usada, falta o resto que é mais importante e sem o que a “liberdade” não faz total sentido porque só se é livre com responsabilidade e ÉTICA.

O mundo é ainda uma Sociedade do TER .
Falta muito para ser uma Sociedade do SER.





Fig. 01: (sobre uma sociedade do SER) mo Jardim do Miradouro em Lisboa.


O homem não é um ser evoluído – é o maior predador da natureza e do próprio Homem – e é o ser mais jovem de todos os seres vivos do Planeta – é apenas isso, embora procure outros planetas para desvendar o céu e quem sabe se para procurar outra “casa”, já que tanto desarrumou esta.

É claro que se sai da situação a que se chegou até porque entretanto o “encosto” na UE impede a maior insolvência do que se faz e não faz – mas a própria UE já não é o que era e há-de sair do beco mas, mais uma vez, o beco nacional parece um cul-de-sac que vai deprimindo os habitantes – como se tudo estivesse em “roda-livre” imparável.

Um dia a rica Europa de hoje será um farol do mundo porque tem tudo para o ser – assim queira, mas sem depredar os “vizinhos e o mundo” e entenda que a “deslocalização” é ainda uma forma de depredação dos “vizinhos” que a engrandeceram, tendo que se recuperar valores antigos.

Estes 22 anos de comunidade europeia que deu prosperidade e em que a Ibéria deu grande contributo desde o séc XVI com o Tratado de Tordesilhas o que não deu só riqueza material, e se o Brasil é hoje uma potência, também é devido a D. João VI que deu a independência a uma potência do Sul que ficou estruturado cultural e economicamente sendo primórdios de globalização e união de todos os Países e se há quem tenha conhecimento de todo o Mundo é Portugal e Espanha pelo que não é de subestimar esse passado que tem de ser reequacionado.

Mas já Jacques Delors, ainda a UE tinha poucos Países aderentes, dizia que o seu crescimento teria um dia o espectro do desmantelamento sem no entanto se poder afirmar que o cumprimento dos deficit viria pôr a descoberto algo mais importante do que isso – e já dizia Sampaio que há mais mundo para além do deficit –, e assim foi, por falta de visão do mundo que explodia por outras teorias sem controle de nenhum País dentro e fora da EU.

Mas tudo muda sempre – e ficarão vítimas pelo caminho .


Há mais mundo para além do deficit
E falando em ruína, fale-se do sector primário que, como tudo o que já se disse atrás, está em ruína pelo menos desde 1986 com a imposição da PAC (Política agrícola comum), ao sector primário da agricultura e das pesca, de um País tão rico tanto em património milenar agro-silvo-pastoril e de espécies piscícolas de rio, mas principalmente de mar, cuja plataforma continental que além de extensa entrando mar dentro, tem uma interessante forma geomorfológica que abriga muitas espécies sendo ainda a ZEE a maior da UE pois que inclui o mar da Ilha da Madeira e do arquipélago dos Açores. Mas a PAC impôs cotas de produção no País, que a cumpriu abatendo os barcos de pesca sobretudo de pesca artesanal, que não provoca extinção do pescado ao contrário dos barcos de arrasto que levam tudo a direito e ao destruir redes de pesca de nylon perdidas no mar, além de não serem biodegradáveis, nelas de “enforcam” os grandes mamíferos do mar desequilibrando todos os ecossistemas marítimos.

Mas não houve quem estivesse à altura de dialogar com os seus pares nas instâncias europeias, e não poderá nunca confundir-se o sector agrícola da Holanda com o de Inglaterra ou França, pois que são e serão sempre Países e climas diferentes e sobretudo solos de outra profundidade e grau de fertilidade, e climas e latitudes, e a terra é o que é, e dá o que dá e não o que se quer que dê, muito embora nos solos mais pobres do País se cultive uma das culturas mais importantes e ricas que dá pelo nome de Vinho do Porto, que a PAC não conseguiu alienar.

É fundamental amar o País que se tem, conhecê-lo como é e nas suas infinitas variabilidades e não ignorar isso, e deixar de querer fazer o que “se faz lá fora” ,mas sim fazer o que o País precisa de acordo com o que é sem ser inventado e muito menos ignorado.




Fig. 02:

O País é uma realidade palpável

Sem a matéria prima do mar acabou a indústria derivada das conservas de atum e sardinha famosas no mundo, empobrecendo os pescadores e os locais onde vivem, reflectindo-se nos serviços de secagem, armazenamento e distribuição e sendo que o comércio, para satisfazer a procura, resiste à custa de importação dos produtos que tinha e da maior qualidade e tal que, pelo menos nos anos 60, do século passado, parte do turismo algarvio era responsável pela publicidade da gastronomia portuguesa ligadas às espécies do mar.

Zonas do País havia de grande riqueza e variabilidade sendo que ao longo das estações, e segundo os tempos de defeso, muitos agricultores eram também pescadores, actividades que alternavam com as estações e o estado do mar, como é por exemplo o caso de Caparica que, entretanto, com o turismo da mais duvidosa qualidade, construiu equipamento urbano e turístico, onde a terra era de alta produção e beleza e sendo que o mesmo sucedeu em Carcavelos, cujo vinho ia para a mesa dos Czares e hoje tem, também, apenas betão e betuminoso e uma infinidade alienante de rotundas.

Em paralelo cabe aqui falar na Barragem do Alqueva construída em Alqueva – Portel - em 2002, construída após 40 anos de hesitações, a fim de transformar a riqueza do sequeiro, em regadio, mas, mais uma vez, a palavra que não passa de palavra e nada feito até hoje, num local em que as aldeias, incluindo Portel, estavam cheias de crianças e de esperança e como já não há água para a agricultura, porque entretanto as lei da PAC impediram o cultivo e sujeitou a quotas, entretanto será para a construção de complexos turísticos para um total de 22 500 camas, e para campos de golfe.

Mas, como era de esperar, quer-se investimento e como a mão-de-obra local envelheceu, acontece a invasão em força do País vizinho, que tudo compra, mesmo os maiores e melhores olivais; e, como dizia um biólogo que viu transformar o Alentejo de sequeiro a perder de vistas e rico em aves de muitas espécies e gatos bravos que viviam nos vales encravados nos montes, tudo foi para debaixo de água incluindo 4 milhões de oliveiras e sobreiros que não foram desmatados e apodrecem e provocam formação de bio-gás toxico, matando-se natureza e áreas agrícolas e cinegéticas, a fábrica de celulose e a Aldeia da Luz cujos habitantes “receberam” uma Aldeia da Luz-Nova, substituindo a antiga, mas que entretanto entristeceram e lhes morreu a vida e a alegria do lugar de viver.

Actualmente, o local que tinha 20 % de desempregados hoje tem 50%, mais uma versão impressionante do que é não saber ter um plano nacional de desenvolvimento global do País para o curto e longo prazo, e apenas ter situações pontuais, acidentais e gratuitas fazendo lembrar antigos projectos, igualmente gorados, como o do Cachão (Trás-os-Montes) e ainda o do Regadio do Caia, igualmente inviável e ainda o do Vale do Mondego, mega-projectos que não aproveitaram a ninguém; e pergunto-me como se resiste e até quando, colonizados ou não por Espanha, como o Algarve foi por Inglaterra.

Já não há ninguém que resista, já não há ninguém que diga NÃO, e o empobrecimento veloz e real dos habitantes que muito dói desde 2000, é acrescido da ameaça de que 2009 será muito pior, e está com certeza radicado nesta sucessão imparável de insucessos desinteligentes, que fez disparar nova emigração, desta vez não apenas de mão de obra “desqualificada”, mas também de intelectuais.

Também é sabido que ao envelhecimento da população se alia a desertificação humana como é o caso dos concelhos de Sabugal e Almeida que em 6 anos perderam 7 mil habitantes, fecharam escolas há 15 anos e há apenas 1 criança que brinca sozinha e vai à escola ao Sabugal que fica a 15 km de casa, e é triste por não ter com quem brincar, como tristes se sentem os velhos que são mais do que 400, alguns com 90 anos de idade e sem apoios, sendo que nem sequer há emprego para ninguém e a tendência é apenas morrer o local ao morrerem os habitantes que sobram – um entrevistado disse que até é um problema também de ordenamento do território pois que nem sequer há uma linha de água limpa.

Esta zona que foi de grande emigração nos anos 50 e 60 é agora desertificada em termos populacionais devido não só ao envelhecimento da população, mas por falta de outras formas de revivificar os lugares e dar valor e mercado ao que produzem, não havendo assim planeamento do desenvolvimento global do País mas apenas a proposta de obras faraónicas todas em Lisboa, o que também desequilibra e destrói a Cidade que vai criando guetos de pobres e de miséria e de crime urbano por habitantes cada vez mais jovens, como se a cidade já se tornasse ingovernável, como o País no seu todo.





Fig. 03: a destruição da paisagem natural e rural na vizinhança da cidade; entre Lisboa e Loures.

Assim morrem os lugares
Assim morrem os lugares que sem habitantes se tornam lugares fantasma e abrigo não se sabe de quê não admirando, assim, que tenha em 2007 havido muitas notícias de assalto aos velhos que vivem “isolados como se vivessem no fim do mundo.”

Mas quando algo de estrutural não vai bem com facilidade se propaga a outros sectores da vivência humana e tudo tende a piorar, quanto a cultura de massas fornecida pela TV quase se resume, desde há alguns anos, ao futebol para o homem à hora nobre do noticiário (notícias para quê e quais ??) e telenovelas brasileiras tão deprimentes como as portuguesas, para a mulher, restando concursos de música “pimba” para todas as idades e género, porque o plano de desenvolvimento cultural é tão frágil e medíocre como todos os que vêm sendo implantados, que desqualificam paisagens, riquezas naturais e habitantes num frenesim de aparência de que “tudo está bem” quando, afinal, nunca esteve tão desgraçadamente mal.

Portugal investe e pede aos contribuintes que paguem os investimentos megalómanos de obras megalómanas, através dos impostos que pagam cada vez mais altos, para depois vender a preço de saldo aos espanhóis, não apenas a terra e culturas, e vida de vidas, e como Lisboa já é o País inteiro, bem cedo haverá uma terceira Ponte para que a cidade se encha ainda mais de automóveis para além de um TGV, porque o mega-investimento dos últimos anos 80 na modernização das linhas e catenárias, será mais uma vez inutilizado por um TGV que nada adianta relativamente ao Alfa Pendular, e que muitos economistas portugueses e empresários dizem não servir para nada nem dar desenvolvimento continuado, talvez porque mais de 75% da população vive no litoral sobrelotado já de pessoas e de infra-estruturas em vez desse investimento ser feito no interior e para situações que reabilitem o que eram os locais.

Inglaterra e Irlanda têm apenas uma auto-estrada e quanto a TGV só um pais de grande dimensão como França ou Espanha podem justificar tal investimento, já que o País de pequena dimensão nem espaço físico tem para que o TGV atinja a velocidade para que foi concebido, nem que seja directo Lisboa-Porto e, se for assim, para que serve se ainda há habitantes noutros locais litorais ?

As terras sem crianças envelhecem e ficam desertas tanto de culturas agrícolas como de habitantes e de actividades comerciais e culturais dos homens, e que impressionante é ouvir crianças e adolescentes que ainda ficaram, dizerem que “vivo um dia de cada vez” como se se tivesse cortado o sonho, e até as crianças já fossem “velhas.”

Um País que não tem independência no sector de produção dos alimentos, não tem independência nacional, tem de importar não se sabe hoje que qualidade de produção, sem que possamos esquecer o “espectro da fome” que ameaçou o País no verão de 2008 por causa da crise petrolífera e dos transportes que bloquearam a Europa, problema principal ligado com o trigo e o pão e, hoje, o pãozinho mais pequeno custa 25 cêntimos, ou seja 50 escudos, quando custava até fim dos passados anos 70 apenas 3 tostões; o que as gerações urbanas de hoje nem sequer sabem e não sei se sabem também, se os 25% dos que vivem abaixo do nível de pobreza, terão ao menos como comprar apenas o pão.

E o velho ditado diz que “casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão.”

É um País mentiroso e fantasista e nem sequer com cultura cívica e humanista, o que revela igualmente, pobreza de mente e de espírito.

E de repente lembro como um amigo desde a infância, ex-Secretário de Estado dizia, mas que já cá não está para dizer nada nem comparar coisa nenhuma, dizia-me, já em meados da passada década de 90, que este País é MENTIRA. Pois é, é mentira.

Será muito difícil de compreender que o País não possa recorrer às suas riquezas naturais para se desenvolver (como a França se desenvolveu a partir da agricultura e se integrou na mesma CEE), mas que, paralelamente, lhe seja imposto o mercado da concorrência feroz, como feroz é o investimento “estrangeiro” que eventualmente cria empregos de miséria, mas que leva todo o lucro para os Países investidores, em todos os sectores de investimento, situação tão patente e iniciada com o investimento no turismo algarvio nos passados anos 60, a par da construção de equipamento que também só dá “emprego menor”, como se o País não fosse mais do que o “quintal” da Europa”, que explora o que quer e a seu bel prazer, em nome da equidade do mercado comum, cujas regras e leis não são apenas injustas mas são mesmo amorais, e que, por isso, nem sempre cumpridas como é o caso da Dinamarca que adapta as Directivas europeias como é mais conveniente para o seu enriquecimento; e que se pense mais como cada País “governa” os seus interesses e respectivas populações pois que, empobrecendo os habitantes, empobrecem os lugares e o seu património paisagístico, e isto em qualquer tipo de aglomerado urbano.

Não se empobrece por decisão de ser pobre.




Fig. 04: Espiral imparável de destruição de um valioso património preexistente.


Espiral imparável de destruição do preexistente
Assim, o mesmo se passa com de edificado urbano, monumental civil e religioso e, ainda, de património imaterial, como entrou em ruína, em 2007, o sector de transformação e, mais recentemente em 2007-2008, o sector do comércio de que ainda não se viu nem o fim nem os resultados.

A continuar nesta espiral imparável de destruição do preexistente sem o recuperar e pelo contrário substituir por mais oneroso e sobretudo inútil, o País será, como já foi dito pela OCDE o mais pobre da UE, quando há pouco tempo era “o aluno exemplar” mas que parece ter “chumbado” tão depressa.

Os maiores empresários que constantemente são interpelados pelos mass-media afirmam que os projectos deveriam ser os mais pequenos e de reconstrução e reabilitação de tudo o que está degradado, até por ser um País de pequena dimensão que já não precisa de mais aeroportos (há três aeroportos internacionais e Inglaterra por exemplo só tem dois).

Tudo morre, sobretudo e com mais velocidade desde a última década de 80, não por falta nem de matérias primas nem de paisagem, nem da mais excelente mão-de-obra e até criatividade do homem anónimo, nem da falta sequer de património cultural e religioso milenar, mas porque a ruína é apenas humana, como se fosse o último elo da degradação a atingir, para tudo recomeçar do zero.

E tudo isto se alia à ruína financeira e económica, como não podia deixar de ser derivada da interdependência do exterior global – espécie de morte anunciada, e tal que levou o presidente da república a tecer, como nunca, considerações sobre o “estado de ilusão” e debilidade do País que se não “arregaçar as mangas”, ficará com o “restante património” para vender a preço de saldo aos estrangeiros, incluindo a Banca, o que aliás é feito silenciosa e ocultamente, há algumas décadas e foi, a seu tempo, muito bem explicado por Mário Soares, de que ninguém se lembrará, já que os portugueses nem sequer têm memória nem se interessam, lamentavelmente, para além do seu quotidiano e do seu “ter.”

Também no fim do ano Mário Soares alertou para o grande descontentamento do “povo” e que poderá por aí haver “revoluções”, o que já tinha poucos dias antes sido dito por Manuel Alegre.

Talvez que as gerações que hoje têm 18 anos sejam os que terão a capacidade, e vontade, de fazer “limpeza” às gerações que estão ainda nos lugares de decisão, não à semelhança dos míticos anos 60, mas como tiver que ser e, quem sabe, pela mão também dos emigrantes letrados que de todo o mundo adoptaram o País para viver sobretudo a partir do ano 2000, dando sangue novo e miscigenação cultural e ética, que no País não tem tido lugar há muito.

Apesar do título do artigo, que parecerá muito concreto, não deixa de vir a propósito o que foi dito pela deputada Ana Gomes no dia 4 de Janeiro 2009, no noticiário da TV1, que a propósito da guerra de Israelo-Palestiniana teceu considerações muito interessantes, e bem longe das feitas pelas dezenas dos actuais comentadores políticos que terão medo de ser “despedidos” e substituídos do seu lugar de “montra”, tendo ainda afirmado a propósito da tão massacrada “crise” económica e financeira, que Portugal desperdiçou tantos milhões que vieram da CEE, gastos em adquirir “todo-o-terreno” e pouco mais (também dei por isso).

Voltando a recuperar o fio da meada, porque quero falar de cidades e de árvores e da população mais velha, e deixando estes cenários de “morte anunciada”, durante este mesmo tempo histórico, os USA de hoje tornavam-se independentes dos colonizadores e iam andar a par com esta revolução da nova forma de desenhar cidades, aproveitando igualmente o surto de industrialização, tendo-se ainda tornado o País de emigrantes de todas as nacionalidades, e o Eldorado, que sempre foi e que, curiosamente, é também hoje e mais ainda desde 2008, não apenas em esperança para quem o demanda, mas para o mundo inteiro, como se nos tempos actuais tanto a ruína como a esperança depressa passassem do individual para o global e o mundo fosse pequenino e uma CASA comum, toda ela decadente e arruinada esperando-se um salvador que virá repor a ordem perdida.

Esta cidade merece rejuvenescimento
Entretanto Lisboa, cidade que foi a primeira cidade moderna do séc.XVIII, está no entanto a perder qualidades no espaço europeu, sem poder mais rivalizar entre as restantes capitais que com ou sem guerra se regeneram a alta velocidade e disso se orgulham e se empenham para correr a querer pertencer à comunidade europeia, pelo que esta cidade merece o rejuvenescimento respectivo, sem no entanto se achar que vem a propósito, mais uma vez, a construção do insólito elevador a partir da Baixa na Praça dos Restauradores para o Castelo, cortando visualmente toda a beleza das colinas onde a cidade se foi instalando e engrandecendo, pois que já bastam os velhos e belos elevadores que sempre teve, sendo que a cidade-capital não precisa de mais bizarrias e adulterações da sua secular imagem romântica e versátil que exibe séculos de urbanismo e arquitectura e artes, indicando tais ideias o total vazio de ideias e a incapacidade de, apesar da insistência de falta de capacidade de investimento, se pretender investir no indizível e adulterar, mais uma vez, o que deu renome à cidade em todo o mundo durante pelo menos dois séculos.

E há tantas prioridades de reabilitação da velha cidade e da sua arquitectura e da alegria de nela habitar, não esquecendo os únicos chafarizes, que o mundo não tem, belas peças de arquitectura, que são há algumas dezenas de anos apenas vazadouros de lixos e que, se fossem restaurados, não só contariam a história da distribuição da água à cidade para pessoas e animais, mas encheriam a cidade de pontos de água e de beleza e arte, água em circuito fechado por razões de economia e de limpeza e purificação automática, iluminados ou não à noite (como os famosos chafarizes de Roma de que é ex-libris a Fontana di Trevi).




Fig. 05: os habitantes têm direito ao Belo dentro da Cidade

Os habitantes têm direito ao Belo dentro da Cidade
Tanto a Fonte da Alameda Afonso Henriques como a Praça de Belém já não têm os jogos de água e de luz de várias cores que há meia dúzia de anos tinham, para além de poderem contribuir para a regulação climática nos verões quentes e secos, sendo ainda que os habitantes têm direito ao Belo dentro da Cidade que tem pouco e mau equipamento e mobiliário urbano (ou totalmente desaproveitado e desprezado), e ainda votado ao alheamento camarário parecendo que há, apenas, os chafarizes do Rossio e que tanto basta.

E se foi colocado em local insólito como a Praça de Espanha, o Arco monumental retirado da rua de São Bento que esteve dezenas de anos com as pedras a monte em vários locais da cidade, porque não aproveitar, e igualmente deslocar para o centro urbano, alguns chafarizes da Estrada de Benfica como é o caso do que foi transferido de lugar para lugar e finalmente para o “point rond” da Estefânia ??? e, ainda, restaurar e fazer funcionar o Chafariz d’El-Rei da Avª de Santa Apolónia ??

Porquê desperdiçar uma tal abundância de chafarizes de que nem se dá pela sua existência, construídos há tantas dezenas de anos, e propô-los novamente à cidade, que parece há mais de uma dezena de anos um estaleiro infindável e instalado em definitivo, com essas centenas de edifícios cobertos totalmente por tapumes sem graça e até destruídos pelo vento e chuva, ou só com publicidade a “sabonetes e/ou cerveja”, em tantas ruas nas zonas históricas, tapando até monumentos.

Construir por construir para mostrar dinamismo e obra, em tempos de penúria económica e financeira, para não falar na penúria cultural, só comparável com a febre de construção de rotundas sobre rotundas que não servem para nada em termos de mobilidade e contenção de trânsito e que, além de destruírem e ocuparem muito espaço físico, algum de grande interesse de equilíbrio ecológico, parte dele até urbanizado e derrubando boa e velha arquitectura e desalojando quem ali nasceu, inutiliza ainda áreas de alta produção como hortas seculares, empobrecendo o ambiente e a sua versatilidade de mosaico paisagístico.

Porém a demontrar a sua importância poderá observar-se nos “espaços perdidos” e entre o sistema viário, que há quem insista em reaproveitar e refazer hortas, até em taludes de ribeiras parecendo um jardim, pois que é próprio dos homens ter a sua horta, não sendo, embora, “le Potager du Roi”, mas é, é o “potager de cada roi” que lhe serve de suplemento alimentar e económico, para além de ser espaço de recreio e entretenimento, e aprendizagem das coisas vivas, para todos os membros de cada família.

A horta não é sinal de pobreza mas de riqueza e para tanto que se visitem as hortas da periferia de Hamburgo, de cidadãos urbanos que preferem passar os seus fins de semana a tratar de horta e jardim, fazendo concursos cujos prémios são “os produtos cultivados e as sementes.”

Quanto a tapumes de edifícios em restauro, Paris é exemplar, não por não serem usados para publicidade mas, ao menos são-no com grande arte, sendo que em Lisboa apenas reconheço um na Rua do Alecrim a desembocar no Cais do Sodré, com uma gigante e colorida escultura de uma lagarta de panos coloridos, bem interessante, a atrair a atenção de quem passa, em vez de ser alucinante, como foram os tapumes do Cais das Colunas que por ali ficaram esquecidos 10 anos, inaugurados em Dezembro 2008, embora apenas retirados parcialmente pois que se prolongam até ao Cais do Sodré, cuja Estação da CP esteve tapada outros tantos anos, agora parcialmente destapada, mas de novo entaipada com novo edifício, que embora desenhado por arquitecto notável, a sua situação em cima do rio, cortou totalmente a visão contínua do Rio sendo que não há nem nunca houve Lisboa sem o Tejo “inteiro”, olhe-se lá de onde se olhar.

A excepção dá-se nesta última década em que as margens do rio são o último reduto para as piores intervenções de urbanismo com as mais desastrosas intervenções em nome da modernidade e que nem sequer é imitação da área da EXPO-98 que não se tornou exemplar logo que a expo terminou ficando uma cidade densa e artificial que podia ter sido um bairro de excepcional qualidade da era moderna de arquitectura e novos usos e exigências do espaço oriental da cidade, a fazer diálogo de modernidade com o bairro de Telheiras, mas de onde alguns moradores fogem pois excesso de artificialidade de betão e betuminoso sem ter de longe a alma que têm os bairros mais antigos.





Fig. 06: no Cais do Sodré “ … cortou totalmente a visão contínua do Rio …”

Espaços de “cidade nova”

Estes espaços de “cidade nova” que se iniciou no País nos anos 60 com Olivais Norte e Sul, não conseguiram completamente apanhar o “espírito de cidade e de vivência de vizinhança”, e de contacto directo com o Rio, mesmo ali à beira, que sendo o maior pólo de atracção não é para todos os habitantes pois que se vão entaipando de km em km, em vez de construir sim, mas deixar todo o rio, e sempre, como a área de recreio e beleza por excelência para toda a cidade

Tapar e construir sobre a beira-rio não, não é modernidade, é apenas destruição da fruição total do rio, do longe e do perto, por todos os que vivem ou demandam a cidade que, agora, terão de perguntar onde fica o rio e por onde se pode ir até o encontrar, aliás como acontece com a “entaipada” Torre de Belém, um ex-libris da cidade, sacrificado por construção urbana desqualificada nos locais mais insólitos, mas sobretudo pelas passagens aéreas para automóvel que passou a ter prioridade na cidade conduzindo a construções que a desvirtuam e lhe escondem os tesouros.

Parece assim que não há urbanistas ou, a haver, só desqualificam a cidade secular parecendo que mais lhes interessa o projecto do que a cidade.

O que é mais importante para Lisboa é simplesmente “lavar-lhe a cara”, restaurar os edifícios decadentes e as varandas de ferro forjado enferrujado, a par dos belos e centenários cinemas e teatros, alguns que nem sequer resistiram ao tempo e eram peças de história da arquitectura, restaurar as faixas centrais da Avª. da Liberdade e seus jardins e lagos, bancos de madeira sem ripado nem tinta, e estatuária, e retirar o betuminoso de uma vez por todas (apenas retirado parcialmente nos Restauradores, e que belo ficou). Com tão pouco acrescentar-se-ia tanto e que tão pouco custaria à edilidade.

E basta assim ver o bom resultado do que se diz quanto ao pavimento que foi aplicado a uma parte da Av. da Liberdade, frente ao cinema Condes, e que, apesar de tudo o que falta, só com isso ganhou mais Luz e dignidade, mesmo não tendo sido restaurados os espaços de peão que são espaços de acumulação de lixos e de restaurantes de pré-fabricados indignos em cor e desenho, passando pela estatuária – dignidade recuperada apenas nos edifícios adaptados a lojas de grandes marcas e, quem sabe, se por serem de marcas estrangeiras, os novos ocupantes perceberam o valor do que viram sem tentações de adulterar e “modernizar” saloiamente.

Uma das mais belas capitais do mundo ocidental

Não invalida, no entanto, que Lisboa após total destruição pelo terramoto de 1 de Novembro de 1755, seja a primeira cidade moderna do séc. XVIII e tenha sido e ficado como exemplaridade urbana e humana, sujeita embora, e agora, a maus tratos por abandono e envelhecimento difícil de aceitar, quando podia, em pleno, ser uma das mais belas capitais do mundo ocidental, com a sua luz única em qualquer estação do ano mesmo em dias de chuva e de céu de nuvens negras, a habitação secular de características meridionais, de relevos que faz dela a “Roma do Ocidente”, dos inúmeros miradouros tapados por urbanizações nas encostas que lá do alto tapam a vista para o rio, ou que o entaipam nas suas margens.

Lisboa está em plena, acelerada e desesperada degradação – não envelhece – morre.

O que se tem feito em Lisboa sobretudo a partir do fim da passada década de 90, é estar a caminho de a transformar quase em cidade “vulgar”, já que a cidade vive mais pelos conjuntos urbanos do que pelos seus monumentos, que até são entaipados, apesar de ter ainda belos jardins e a Baixa Pombalina, esse núcleo gerador na parte mais plana e de geometria inteligente de ruas perpendiculares ao correr do Rio e dele recebendo a vista, e as brisas, zona que se vira toda para o Rio, que possui cinco grandes e belas praças que podiam ser o maior espaço privilegiado de peão, em continuum de beleza, de cultura e de recreio, para bem do cidadão habitante ou turista, local a votar ao comércio de luxo, como a sua toponímia ainda indica, a rua do ouro e rua da prata, luxo que é apanágio de qualquer outra cidade que se preza e é orgulho de quem nela vive e razão também de ser de visita turística contínua, porque até o clima o permite durante todo o ano pois que é comum ver, em pleno Inverno, quando os portugueses se enchem de vestuário de lã e de grossos casacos, ver turistas de bermudas e manga curta porque são oriundos de Países frios e de neblinas constantes da Europa setentrional, como se a cidade não pudesse perceber e aceitar que a melhor publicidade é a gratuita que advém daqueles que a visitam e passam a palavra aos amigos e vizinhos e escrevem sobre o que viram.

Lisboa de ar pobretão e vulgar, que o excesso de túneis invade no centro e a despedaça em territórios hostis em cada rua, onde o betuminoso predomina e o automóvel reina e engarrafa – que lindas cinco praças ao lado umas das outras que poderiam ser inundadas de gente e de Festa para ser vivida como uma cidade-capital invulgar, mas sem a tentação de invadir as zonas mais nobres, com mais estacionamentos subterrâneos que lhe desfazem as entranhas e nada resolvem nem em estacionamento nem em circulação.

Pelo contrário estes estacionamentos nunca deveriam ter sido construídos, porque torturam a cidade de trânsito como sucede ao fim de semana no Largo de Camões, onde nada anda nem o eléctrico, pelo que é preciso, e fundamental, recuperar para essas áreas o transporte público, já existente, ou outro de tipo a criar como existe na Baixa de Coimbra, e banir o automóvel desses lugares nobres o que, por sua vez, traria o peão para a rua, como sempre foi desde os passados anos 50 em que “todo o mundo” ia à Baixa tantas vezes só para “ver e ser visto”, sendo que, como está actualmente, as zonas mais nobres se esvaziam à hora de fecho do comércio, tornando-se área de actos de violência ou de situações indesejáveis socialmente, e de que o cidadão comum foge já há muitos anos – cidade vazia – cidade desprotegida.

Lisboa precisa sobretudo de ser governada e gerida por homens com cultura

Antes do aparecimento da “nova cidade” vivia em pardieiros, sem água nem electricidade nem saneamento básico, a mão de obra escrava para a indústria, fazendo nascer uma nova classe sociocultural – o proletariado - que não mais regressaria ao Campo porque, ao menos, tinham trabalho e estavam perto dos “centros urbanos”, tendo este afluxo populacional representado um dos maiores êxodos humanos da história dos homens diferenciando e edificando, até aos nossos dias, a dualidade cidade-campo e a sua interdependência e fazendo crescer a humanidade cultural e cientificamente.

E nascendo a necessidade de alojamento desta nova população que, longe da natureza e vivendo em locais poluídos e inóspitos na periferia das cidades existentes, deu-se origem a tal caos, que era preciso reinventar as cidades, era preciso reordenar os espaços e até novas formas de viver, e assim foi, mas como a roda da fortuna está em cima mas volta a estar em baixo, assiste-se agora à posição da roda muito em baixo.

Foram alguns os arquitectos que deram origem a novos conceitos de cidade, a cidade satélite, a cidade nova e a cidade nova industrial e, ainda, a Cidade-Jardim (Ebenezer com Letchworth e Wellwin), que introduzisse a “natureza viva dentro da cidade” de que os novos habitantes tinham saudades e haviam perdido o contacto, pois que os espaços urbanos se expandiam e a “natureza” ia ficando cada vez mais longe, e se por um lado eram absorvidos os palácios e jardins senhoriais das periferias, doados à população, outros ainda ficavam nas periferias de que Lisboa é também exemplo com a Qt. do Marquês de Alorna ou a Qt. das Conchas e a Qt. do Lumiar que abriga o Museu do Traje, entre outras que ainda não foram retalhadas para mais bairros de alienação urbana e humana como a Qt. da Fonte e do Mocho, onde os guetos de abandono e pobreza geraram os mais graves problemas de cidadania.

Estas quintas e palácios da Europa que não foram absorvidas pela expansão urbana e doadas à população, ficaram na periferia, mas igualmente abertos aos novos habitantes como o Bosque de Bolonha e o Bosque de Vincennes e mesmo o de Saint-Germain-en-Laie, que passaram a constituir a “ceinture-verte-de-Paris” como foram construídos novos jardins que eram desenhados para equilíbrio e humanização dos novos conjuntos edificados de que é exemplo tanto o Hyde Park de Londres como o Central Park de Nova York, ou o Parque Eduardo VII em Lisboa sendo que, no entanto, relativamente ao trabalho do professor Ribeiro Telles do “corredor Verde de Lisboa, proposta que tem mais de 20 anos, e que ligaria o Parque Eduardo VII a Monsanto, em contínuo natural-contínuo cultural, as áreas já não estão lá, sobretudo Monsanto onde se decidiu, o mais erroneamente possível, um pólo universitário onde já existem três faculdades.

Entretanto, como qualquer grande decisão, “consta” que, a partir desse pólo universitário, será aberta uma auto-estrada urbana arrasando a Tapada da Ajuda (espaço fechado e murado e que ainda antes do 25 de Abril foi classificado como Jardim Botânico onde se encontra o Instituto de Agronomia, hoje já um grande pólo de urbanização que nem sequer é considerado clandestino), sendo que a auto-estrada urbana passará pela rua Luís de Camões e desembocará (e/ou também arrasará) o complexo de palacetes da Carris de Lisboa da rua 1º de Maio para dar mais espaço para a célebre área das Torres de Alcântara.

Esta pura demência acabará com um dos últimos bairros antigos onde reina a paz e é um ecossistema urbano e humano, onde nada falta de equipamento geral, de saúde, de equipamento monumental, religioso e cultural para todas as classes etárias e socio-económicas e culturais é, por isso, bairro de PAZ, onde habitam grupos representativos de todos os povos do mundo que para o bairro emigraram, nele vivem e trabalham e têm acesso a todos os níveis de educação bem como a todo o tipo de serviço tradicional, e de lazer, que quase nenhum bairro de Lisboa ainda terá, para além de ter todos os transportes que o ligam seja para este ou oeste e para norte como se fora um pólo distribuidor de circulações e ligações a toda a cidade e para fora dela.

Fazer neste bairro o que quer que seja como estão a fazer com densificação urbana em superfície e altura é desfazer o bairro e torná-lo sem carácter e sem as funções que sempre exerceu, tentação que se repete exactamente onde tudo ou quase tudo já estava certo.




Fig. 07: a constante e crítica densificação e impermeabilização na cidade consolidada – um caso no Bairro do Alto de Santo Amaro em Lisboa.

“O meu bairro é uma cidade dentro da cidade”
Por isso mesmo há anos escrevi algo - “o meu bairro é uma cidade dentro da cidade” - de onde não preciso de sair porque tudo há “ao pé da porta” ou à distância do andar a pé, tudo o que é necessário à vida do quotidiano, saindo do bairro apenas os que aqui moram mas não trabalham noutros locais, e entrando os que aqui não moram, mas trabalham, num interessante vaivém em que quase todos se conhecem porque todos os dias se cruzam nas ruas ou nos serviços existentes, como uma grande família e com quem se estabelece laços de amizade e de bem de estar de vizinhança, por sua vez bairro onde há todas as classes etárias desde os acabados de nascer aos meus velhos e mesmo alquebrados pelo tempo.

Numa pequena ou grande cidade penso ser este o exemplo de “bairro ideal para a cidade ideal” – fraterna, generosa e pacífica, com a paz social que não existe nos outros bairros, sendo que apesar de possuir grande esquadra de PSP nem sequer é policiado mesmo para a população de “drogados” que para aqui migrou há poucos anos, e a quem eu dou sempre bom dia como ao mais exemplar dos habitantes, e que tendo sido “segregados”, já o não são, e entram praticamente em todos os locais públicos.

Neste Bairro de que falo existem muitos animais domésticos que os seus donos passeiam todos os dias (até gatinhos passeiam às costas do dono ou com trela como de cão se tratasse) sendo interessante que todos nos cumprimentamos, pessoas e animais. Ecossistema humano e de afectos que é difícil mas possível de construir – bastou-me descobrir que era possível se quisesse tentar, pois que se por um lado quem vive na cidade é porque quererá “passar anónimo”, aqui a cidade UNE e torna-se pequena e bem sucedida, mesmo que se saiba que tentar construir o ideal não é tê-lo de mão beijada.

Nasceram novas cidades mas, como todas as coisas que o homem humaniza, também desumaniza, crescem e desenvolvem-se, mas também envelhecem e morrem, podendo no entanto voltar a renascer – como primaveras do céu e da terra. E, em geral, tudo o que nasce é belo e nada dá mais alegria do que o nascer de uma criança.

E sempre ouvi dizer a minha mãe que tudo o que nasce tão pequenino é de grande simplicidade e beleza, é a vida a sorrir na sua maior grandeza e simplicidade como se aí residisse a verdade mais gloriosa da vida.

É como quando nasce uma flor, não importa em que estação do ano, pois que neste clima abençoado há sempre plantas a nascer, permitindo que haja sempre flores todo o ano, e que belo é ver um canteiro florido, uma árvore que rebenta em flor antes mesmo de dar folhinhas como as olaias em Março cor-de-rosa invulgar e os jacarandás em Junho de belo azul anil, da mesma forma que um campo de pousio (não é o set aside da PAC), depois de levantada a última cultura que deixa ficar o restolho doirado ou solo nu cor da terra e que, de repente, em primavera precoce, se enche de flores de plantas anuais de todas as cores, banco de genes de espécies bravias que sempre existiram e é fundamental permitir que existam para que a vida permaneça e o solo se renove, neste vaivém de nascer e morrer e perpetuar a vida e a beleza.

E que belo é também ver as borboletas que logo aparecem visitando as flores das plantinhas mais humildes como as pascoínhas roxas (que aparecem na Páscoa) ou as maias cor-de-rosa esguias e direitas ao céu (do mês de Maio), para além dos cardos e alcachofras roxas para queimar na fogueira de Santo António e o rosmaninho perfumado para queimar e saltar à fogueira e, ainda, a alfazema para perfumar as gavetas da roupa, para além de todos os malmequeres brancos e amarelos, como se o homem, por mais urbano que se tenha tornado, não pudesse viver sem natureza à sua porta.

Com muita pena minha se estas plantinhas invadem os taludes das estradas e entram na “cidade”, logo o zeloso cantoneiro se apressa a cortá-las cerce, pois que não as considera “criaturas urbanas”, porque não sabe o seu valor, não as sabe disciplinar e misturar com “espécies urbanizadas” e que têm de resistir ao ambiente hostil do betão e do betuminoso e de predominância de áreas impermeáveis e, ainda, da presença dos transportes que empestam o ar e o envenenam e é preciso compensar com a presença das plantas e das flores, e de terra e de relvados a servir de filtros a todas as poeiras e permitir que a chuva que cai nas cidades seja benfazeja a limpar o ar e a baptizar a terra ressequida e a não provocar enxurradas se não estiver toda impermeabilizada, e se também, quando o clima é quente e seco, transpirada pelas plantas e evaporada pela terra (evapo-transpiração), amenizando o clima hostil das cidades de agora, e acrescentando maior qualidade do ambiente geral em que os habitantes acabados de nascer ou os que já estão no fim da linha do seu existir, adoecem mais e contagiam-se uns aos outros porque a cidade, local de concentrações pode ser, também local de adoecer e provocar epidemias.


Maria Celeste d’Oliveira Ramos
Lisboa-Alto de Santo Amaro
24 de Maio de 2008 a início de 2009
Imagens da autora e de António Baptista Coelho


Nota importante: esta série de artigos está dividida em três edições semanais, de que a última será editada a 1 de Fevereiro de 2009; interromperemos, portanto, a edição desta série de artigos para editar um texto de outro autor.

Preparação editorial, por António Baptista Coelho, em 18 de Janeiro de 2009.
Editado por José Baptista Coelho em 19 de Janeiro de 2009.