domingo, novembro 29, 2009

274 - Cooperação entre o LNEC e a USP nas áreas da Arquitectura e do Habitar - Infohabitar 274

Infohabitar, Ano V, n.º 274
Notas sobre a cooperação entre o Núcleo de Arquitectura e Urbanismo do Laboratório Nacional de Engenharia Civil e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo nas áreas da Arquitectura e do Habitar
António Baptista Coelho

Introdução explicativa
Este texto foi escrito marcando-se uma data, o 25 de Novembro de 2009, na qual foi assinado um novo convênio/convénio de cooperação técnica e científica, com a duração de cinco anos (a vigorar portanto até quase o final do ano de 2014), entre duas prestigiadas instituições da lusofonia, a Universidade de São Paulo (USP) e o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), visando-se, muito especificamente, o aprofundamento dos trabalhos conjuntos, do intercâmbio de professores e investigadores e a realização de eventos e acções comuns entre a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (a FAUUSP) e o Núcleo de Arquitectura e Urbanismo (NAU) do LNEC.
É também muito interessante sublinhar que este convénio foi firmado na sequência de um convénio idêntico, que resultou no aprofundamento de relações pessoais e científicas entre as referidas instituições, e no dia seguinte à comemoração dos 40 anos de actividade ininterrupta do NAU, que teve lugar no Grande Auditório do LNEC no âmbito da Conferências intitulada "Bairros Vivos Cidades Vivas", que juntou cerca de 300 pessoas e que será objecto de um artigo próprio, a ser editado, proximamente, pela revista/blog Infohabitar.
Não se pretende fazer, neste artigo, qualquer relato de uma cooperação já com um número significativo de acções conjuntas, que poderão vir a ser relatadas em outro artigo, mas somente realizar uma primeira reflexão, relativamente, livre sobre a temática, que possa, desejavelmente, suscitar um diálogo construtivo com os colegas que têm estado mais envolvidos nestas acções, de um e de outro lado do Atlântico; um diálogo, ou uma reflexão comum e encadeada, que possa, eventualmente, resultar na produção de ideias novas ou renovadas relativamente a acções a desenvolver em parceria. E salienta-se que as imagens que acompanham este texto se referem, quer a recentes acções apoiadas pela FAU/USP, e participadas pelo NAU/LNEC, quer à participação da FAU/USP na conferência que marcou os 40 anos do NAU/LNEC.
Não há, portanto, qualquer ideia mais "formal" ou institucional nesta reflexão, que é pessoal, e que poderá ser afeiçoada, e mesmo alterada, na sequência da recepção de outras contribuições dos colegas que têm estado associados a esta cooperação. E sublinha-se, até, que certas ideias que serão apontadas, em seguida, têm surgido, colectivamente, em vários colegas da FAU/USP e do NAU/LNEC, e não há, neste artigo, qualquer ideia de reclamar paternidade de quaisquer propostas, algumas delas até já fortemente partilhadas, mas somente a ideia de começar a registá-las sistematicamente e, quem sabe, começar a poder estruturá-las de uma forma mais consistente.


Fig. 01: uma sessão técnica de discussão sobre pesquisa em Arquitectura e Urbanismo na Pós-graduação da FAU-Maranhão, em São Paulo, 16 de Novembro de 2009

Sobre o interesse e a oportunidade da cooperação no âmbito da investigação em Arquitectura e Urbanismo
Avançando-se, então, um pouco nas matérias concretas do como aprofundar o estudo das matérias arquitectónicas, considera-se ser extremamente sensível, mas também muito interessante e motivadora, a perspectiva de uma investigação continuada nas matérias da Arquitectura e do Urbanismo, uma investigação que, numa primeira linha de objectivos, consiga ir harmonizando os aspectos criativos da concepção arquitectónica com as necessárias preocupações dimensionais, funcionais e ambientais, mais objectivas e com os objectivos de satisfação de quem habita o que se projecta e constrói; matérias estas que são apenas superficialmente óbvias, pois os resultados palpáveis de tal "problema" básico traduzem-se, frequentemente num abandono ou num insuficiente desenvolvimento, dos aspectos mais palpáveis, técnicos e científicos do "habitar" - considerado aqui como conceito que abarca tudo aquilo a que o homem conforma -, ou, por vezes, na consideração excessivamente reforçada destes aspectos, em prejuízo dos aspectos mais qualitativos e caracterizadores dessa concepção.
Esta linha de pensamento é complexa, extensa, múltipla, densamente associada a múltiplas matérias não (ou menos) arquitectónicas - como as ligadas às ciências designadas como "humanas", "sociais", "da construção", "económicas", "históricas", etc. -, assim como às designadas "belas-artes", e a ela voltaremos, de forma "operacional", provavelmente, em outros artigos, desejavelmente de outros autores, relativamente ao objectivo que aqui nos move, de visar uma cooperação prática nestas matérias, no sentido de se estimularem estudos aprofundados numa Arquitectura que melhor sirva a sociedade; mas vamos, para já, ficar numa reflexão genérica sobre a oportunidade da união de esforços e de objectivos de pesquisa/investigação nestas matérias entre a FAU/USP e o NAU/LNEC.
Cabe aqui fazer uma clara chamada de atenção para a diferença de dimensões entre o corpo científico e técnico da grande e muito prestigiada FAU/USP e o do NAU/LNEC, que associa um número de colegas bastante mais reduzido do que o que integra o Departamento de Tecnologia da Arquitetura, um dos três departamentos FAU/USP que é aquele mais ligado à presente cooperação. Mas diga-se que aqui as matérias serão, talvez, minimamente equilibradas considerando-se a perspectiva temporal da investigação em Arquitectura desenvolvida no LNEC e, essencialmente, tendo em conta as afinidades de linhas de investigação que se têm vindo a identificar entre os dois grupos de pesquisa; e afinal, tal como já se apontou, o NAU do LNEC comemorou, em 24 de Novembro de 2009, 40 anos de actividade continuada nessas áreas, contando com várias centenas de estudos realizados e cerca de 60 títulos editados e disponíveis na Livraria do LNEC, o que corresponde a uma muito significativa actividade realizada, sempre por um grupo dimensionalmente reduzido, mas dedicado em grande exclusividade à investigação e, sublinha-se, que aproveitando, sempre, uma excelente desmultiplicação multidisciplinar com os restantes núcleos do Departamento de Edifícios do LNEC, designadamente, nas áreas da patologia construtiva e do conforto ambiental e nas áreas da ecologia social, num trabalho verdadeiramente de grupo e bem integrado.
Um dos principais aspectos a sublinhar é a verdadeira partilha de objectivos formativos e de estudo de uma Arquitectura desenvolvida em forte aliança com uma extensa e exigente componente tecnológica e científica, e marcada pela multidisciplinaridade, que marca os dois grupos de investigação: o Núcleo de Arquitectura e Urbanismo, bem inserido numa "casa de engenheiros" e também de outros investigadores nas áreas físicas, ambientais e sociais, que é sempre foi o LNEC, e o Departamento de Tecnologia da Arquitetura da FAUUSP, cujas perspectivas de investigação e de fomação são bem clarificadas pelo título do Departamento, mas que também resultam de uma linha de pesquisa que identifica a FAU/USP e que a caracteriza muito positivamente em termos tecnológicos no âmbito de todas as escolas de Arquitectura brasileiras e em todo o universo da lusofonia.


Fig. 02: 17 de Novembro de 2009, Conferência de António Baptista Coelho na FAUUSP sobre "habitação humanizada", na fase de debate com Sheila Ornstein.

Memórias com futuro
Numa perspectiva de justiça relativamente ao já significativo historial da cooperação entre a FAU/USP e o NAU/LNEC, importa registar o seu início, há cerca de 10 anos, com um protagonismo especial, quer por parte do Arq. António Reis Cabrita, Investigador Coordenador e então Chefe do NAU/LNEC, quer por parte do Prof. Arq.º Geraldo Serra, então coordenador do Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura e do Urbanismo (NUTAU) da FAUUSP, e, aliás, porteriormente, autor de um livro que aborda exactamente estas matérias, intitulado "Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo - Guia prático para o trabalho de pesquisadores em pós-graduação" (Editora Mandarim e Edusp - Editora da Universidade de São Paulo, 2006).
Os trabalhos de cooperação técnico-científica entre o LNEC e a USP nas áreas da arquitectura e do urbanismo foram, depois, desenvolvidos e aprofundados, através de diversas participações, seja de colegas da FAUUSP em acções de estudo concretas, visitas técnicas e iniciativas de discussão, formação e divulgação do LNEC, que tiveram lugar, essencialmente, na zona de Lisboa, seja de palestras, sessões de discussão técnica e científica e visitas técnicas dos colegas do NAU/LNEC na FAUUSP, em São Paulo e em São Carlos, com natural destaque para a participação em vários seminários internacionais desenvolvidos pelo NUTAU; acções estas integradas no âmbito de um primeiro Convénio/Convênio firmado entre o Laboratório nacional de Engenmharia Civil e a Universidade de São Paulo, com relevãncia específica para o NAU/LNEC e para a FAUUSP e que decorreu entre os anos de 2003 e 2008.
Ao longo do significativo período de cooperação LNEC-USP já desenvolvido e que é aqui referido importa sublinhar o papel fundamental, que foi assegurado, de forma sistemática e sempre presente, pela colega Arq.ª Sheila Ornstein, Prof.ª Titular da FAUUSP, que, aliás, realizou um excelente e pormenorizado relato de parte dessa mesma cooperação e que dinamizou todas as actividades associadas, designadamente, quando teve responsabilidades acrescidas na direcção da FAUUSP. Actualmente, a dinamização da cooperação LNEC-USP, nas áreas da Arquitectura e do Urbanismo, e por parte da FAUUSP, tem sido assegurada numa aliança eficaz entre dois professores titulares desta Faculdade, a referida Prof.ª Arq.ª Sheila Ornstein e o Prof. Arq.º Khaled Ghoubar, coordenador do Convénio pela USP e, actualmente, Chefe do Departamento de Tecnologia da Arquitetura da FAUUSP, uma chefia que, aliás, também integra a Arq.ª Sheila Ornstein.
Por parte do NAU/LNEC tem cabido ao autor destas linhas a coordenação deste Convénio, assim como parte do seu desenvolvimento prático, mas neste caso em associação com os colegas Arq. º António Reis Cabrita, actualmente Investigador Coordenador aposentado, e do Doutor Arq.º João Branco Pedro, Investigador Auxiliar.
Há, no entanto, que sublinhar as participações de outros colegas, seja em acções pontuais e muito significativas, seja em apoios continuados e prolongados, e assim, numa ordem aproximadamente cronológica: por parte da FAUUSP, há que referir o Prof. Arqº Leme Simões, o Prof. Eng.º Ualfrido del Carlo, o Prof. Arq.º Marcelo Romero - actualmente na Direcção da FAUUSP -, o Prof. Arq.º Francisco Segnini, o Mestre Arq.º Marcelo Mendonça, o Arq.º João Cantero, o Mestre Arq.º Walter Galvão, o Prof. Arq.º Jorge Boueri e o Prof. Arq. Márcio Fabrício, e provavelmente haverá aqui injustiça para alguns colegas (que se solicita possa ser reparada simplesmente através de uma mensagem para o autor deste texto); por parte do LNEC houve e há intervenções diversas, por parte do NAU, do Doutor Eng. António Leça Coelho, da Investigadora Auxiliar Doutora Arq.ª Isabel Plácido, da Bolseira de Pós-doutoramento, Doutora Arq.ª Ana Pinho e da Técnica Superior de Experimentação Anabela Manteigas, sendo que, exteriormente ao NAU, mas no âmbito do seu departamento de Edifícios, houve e há intervenções diversas, por parte do Investigador Coordenador Eng.º José Vasconcelos Paiva (recém-aposentado), do Investigador Coordenador Eng.º Jorge Gil Saraiva, do Investigador Coordenador Eng.º Armando Manso, da Investigadora Auxiliar Doutora Eng.ª Paula Margarida Couto, do Mestre Eng.º António Cabaço e da Investigadora Auxiliar Doutora Marluci Menezes, e, muito provavelmente, também nestas referências haverá esqucimentos a reparar.


Fig. 03: 18 a 20 de Novembro de 2009, São Carlos, São Paulo, o 1.º Simpósio Brasileiro de Qualidade no Projeto, nas primeiras filas Sheila Ornstein e Walter Galvão.

A identificação de áreas comuns e partilhadas de cooperação
Num momento de clara e reforçada revitalização da cooperação técnica e científica entre o NAU/LNEC e a FAU/USP nas áreas da Arquitectura e do Urbanismo, mas considerando-as numa adequada perspectiva ampla, prática e bem fundamentada, considerou-se importante fazer esta pequena memória, que pretende ser, ela mesma, uma memória de futuro, pois conta-se com todas estas pessoas para os próximos cinco anos da cooperação, embora algumas delas com maior intensidade e frequência de acção. Sublinha-se, no entanto, que se pretende alargar, firmemente estas acções conjuntas a outros colegas e a outras áreas do departamento de Edifícios do LNEC e do Departamento de Tecnologia da Arquitetura da FAU/USP, e se pretende, também, avançar para uma extensão das acções de cooperação realizadas a outros técnicos e pesquisadores de outras instituições e organizações que tenham trabalhado com o LNEC e a USP, e, mesmo, muito desejavelmente, preparar naturais extensões "formais" desta cooperação a outras instituições e organizações do espaço da lusofonia, com as quais se possa vir a desenvolver uma escala desmultiplicada de acções, que sabemos serão, sem dúvida, extremamente úteis aos respectivos contextos socioculturais, num aproveitamento de uma evidente mais-valia técnica e científica nas áreas da Arquitectura, do Urbanismo, do Habitar, da Construção e da Gestão, que encontram no LNEC e na FAU um excelente núcleo de conhecimentos e de estruturação de ideias.
Não se irá aqui avançar na apresentação das áreas temáticas consideradas na cooperação, agora renovada, mas somente sublinhar ideias estruturadoras e potencialmente concentradoras dessa cooperação, salientando-se terem-se já identificado sedimentados e importantes objectivos comuns de aprofundamento da investigação em Arquitectura, Urbanismo e Habitar, entre o NAU do LNEC, que, muito frequentemente, actua em grande conjugação com os outros Núcleos mais "tecnológicos" ou mais ligados às designadas Ciências Sociais (no caso do Núcleo de Ecologia Social) do Departamento de Edifícios do Laboratório, e as preocupações que têm sido gradualmente visadas e reafirmadas, ao longo das numerosas acções de cooperação, pelos colegas do Departamento de Tecnologia da Arquitetura da FAU/USP.
Sobre as matérias privilegiadas e a privilegiar na cooperação registam-se, em seguida, apenas algumas notas, propondo-se a sua discussão e o seu desenvolvimento, por outros colegas nela intervenientes, por exemplo, em outros artigos.
De certa forma houve matérias que foram, praticamente, desenvolvidas em simultâneo de lá e de cá do Atlântico, e o exemplo, talvez mais significativo de uma tal sintonia de preocupações e acções de investigação em Arquitectura (no sentido lato) são as metodologias de "Análise Retrospectiva" e multidisciplinar do habitar (designação do NAU/LNEC) e de "Avaliação Pós-Ocupação (APO)" do habitar (designação da FAU/USP), que foram desenvolvidas e têm sido aplicadas, quer pelo NAU/LNEC já em três grandes campanhas de estudo da habitação de interesse social portuguesa, coordenadas pelo autor destas linhas e integrando colegas do Departamento de Edifícios do LNEC (acções realizadas para o então Instituto Nacional de Habitação, hoje IHRU), quer pela FAU/USP em inúmeras acções, visando conjuntos habitacionais de interesse social, mas também outros tipos de edifícios e de espaços urbanos, e estruturadas e coordenadas, muito frequentemente, pela colega Sheila Ornstein, que tem, aliás, assegurado uma fundamental produção científica e técnica de fundamentação e de enquadramento e acompamhamento desta matéria.
Não se quer referir que estas metodologias são idênticas, mas somente que visam idênticos objectivos de retroacção e de realimentação do projecto de Arquitectura pela análise do que foi feito e da satisfação atingida, e, aliás, tem havido uma significativa troca de experiências e de resultados, que chegou até à participação activa de colegas das duas instituições em Análises Retrospectivas/APO realizadas de um e outro lado do Atlântico.
O duplo enfoque que foi feito, no NAU/LNEC e na FAU/USP, ao tema das Análises Retrospectivas/APO, estendeu-se, igualmente, a outras matérias, tais como as do conforto ambiental e da sustentabilidade ambiental, da segurança contra incêndio, da economia na construção e na gestão do habitar, da qualificação arquitectónica residencial, do interesse que tem a humanização do habitar, e da importância da concepção pormenorizada (interior e exterior, dimensional e qualitativa) de uma habitação (ou de um habitar) de interesse social que alie as necessárias economias de custos de construção e gestão a uma evidente qualidade de desenho de Arquitetura (em sentido lato), a uma clara satisfação dos seus habitantes e a uma positiva integração urbana.
Salienta-se, no entanto, que estes últimos aspectos, de caracterização melhorada da habitação de interesse social, adquiriram, ultimamente, uma especial relevância, designadamente, a partir do conhecimento da preparação de um grande plano brasileiro para a construção de um milhão de habitações e da possibilidade que hoje se tem, em Portugal e designadamente no NAU/LNEC, de se realizar uma reflexão prática aprofundada, agilizada e ampla sobre os exemplos de referência de habitação de interesse social realizados, entre nós, no último quarto de século.
A discussão da oportunidade de tais matérias, no Brasil e em Portugal, pois entre nós não há ainda uma "definitiva" fundamentação de como fazer bem a habitação de interesse social, terá de ficar para outros artigos e, desejavelmente, para outras opiniões e para acções e eventos específicos a realizar, por exemplo, no âmbito desta renovada e refundada cooperação FAU/USP - NAU/LNEC, e sobre esta matéria desde já se sublinha que o Plano de Actividades que está já anexado ao novo Convénio aponta, especificamente, o caminho da análise da habitação de interesse social nas áreas metropolitanas da Grande São Paulo, da Grande Lisboa e do Grande Porto: há, portanto, esperanças fundadas de um muito próximo avanço nestas matérias.


Fig. 04: a palestra de Khaled Ghoubar no LNEC, em 24 de Novembro de 2009, na Conferência Bairros Vivos Cidades Vivas, que marcou os 40 anos de actividade do NAU do LNEC.

Algumas opiniões descomprometidas sobre o futuro próximo da cooperação
A cooperação FAU/USP - NAU/LNEC caracterizou-se, no seu primeiro período de vigência, pelo privilegiar do intercâmbio de pesquisadores/investigadores com a finalidade de realização de conferências e de participação em diversas acções técnicas e científicas.
Nesta nova fase da cooperação pretende-se manter essa tipologia de acções, imprimindo-lhes, no entanto, se possível, um ritmo e um desenvolvimento mais significativo, por exemplo, através, de estadias mais frequentes e mais longas, associadas ao desenvolvimento de seminários de especialização e/ou à participação efectiva em estudos em desenvolvimento e/ou no leccionar de determinadas matérias no âmbito de pós-graduações já existentes; acções estas necessariamente bem enquadradas e preparadas com a devida antecipação, e acções estas que muito enriquecerão as acções que têm sido desenvolvidas por cada instituição de forma autónoma.
Uma outra linha de acção a privilegiar, desejavelmente, nesta nova fase da cooperação liga-se à dinamização de edições técnicas e científicas conjuntas - uma delas está já numa fase adiantada de desenvolvimento e há já participação activa e mútua nos conselhos editoriais de duas publicações periódicas, sendo uma do LNEC e outra da FAUUSP -, e ao perspectivar da possibilidade de se colocarem as edições das duas entidades mutuamente disponíveis nas suas respectivas Livrarias, o que se traduziria num claro enriquecimento da respectiva oferta editorial, e o que obriga a uma análise cuidadosa das melhores vias a seguir para se atingir tal objectivo e, naturalmente, a decisões básicas, sobre este assunto, tomadas pelas respectivas direcções do LNEC e da FAUUSP. E quem sabe seja possível identificar e montar processos "intermediários" e práticos que permitam dinamizar as trocas editoriais e as edições conjuntas: precisam-se de ideias, e com urgência, pois quem conhece os patrimónios editoriais do LNEC e da FAUUSP sabe dos seus pontos comuns e complementares e da enorme riqueza que eles podem oferecer, conjuntamente, no universo da lusofonia.
Ainda uma outra linha de cooperação que merece grande e urgente atenção é a possibilidade de se montar uma acção de formação especializada e/ou ao nível da formação pós-graduada, aproveitando-se as principais valências e as evidentes complementaridades técnicas e científicas entre o LNEC e a FAUUSP, com um enfoque talvez preferencial nas matérias da Arquitectura, do Habitar e da Construção, ou ainda com caminhos expressivos nas áreas da gestão, da reabilitação e da patologia construtiva. Uma acção que poderia ser montada maximizando-se a utilização das novas Tecnologias de Informação e Comunicação, e que poderia vir a envolver outras instituições e colegas de outras instituições portuguesas e brasileiras, mas sempre a partir do núcleo-base e coeso assegurado pela FAUUSP e pelo LNEC, numa acção que poderia ter objectivos específicos estrategicamente concentrados, por exemplo, no apoio a uma melhor habitação de baixo custo, um objectivo que, tal como é sabido, é central e crítico ainda em muitos dos países que integram a lusofonia; e lembremos toda a potencialidade formativa e informativa já disponível, na FAUUSP e no LNEC, em termos de formação e informação técnica falada e divulgada em português.


Fig. 05: Baptista Coelho, Khaled Ghoubar, Reis Cabrita, Silva Dias e Nuno Portas, em 24 de Novembro de 2009 no LNEC.

Notas finais
Finalmente, salienta-se que este artigo quer ser um texto de memória activa e útil e pretende inaugurar um diálogo amplo e bem divulgado sobre a cooperação FAU/USP - NAU/LNEC, visando-se, objectivamente esta sua nova fase de desenvolvimento, de 2010 ao início de 2015, uma fase em que pretendemos redinamizar as tipologias de acções já desenvolvidas, no âmbito do intercâmbio de pesquisadores/investigadores e da sua participação em conferências e outros eventos técnicos e científicos, mas também uma fase em que se visa estender esta cooperação a outros técnicos e instituições do espaço da lusofonia e ampliar o âmbito e a importância das acções desenvolvidas, tirando-se o máximo partido das coomplementaridades e dos objectivos comuns identificados, e do notável relevo técnico e científico das duas entidades que criaram o núcleo desta cooperação, um núcleo sobre o qual será estratégico e muito útil associar outras cuidadosas mas afirmadas contribuições de outras entidades e de outros colegas.
Para concluir quero aqui sublinhar que a vitalidade da cooperação FAU/USP - NAU/LNEC muito se deve ao esforço empenhado e continuado dos amigos e colegas Sheila Ornstein e Khaled Ghoubar, e que o Infohabitar é, naturalmente, para eles, e para todos aqueles que aqui foram nomeados, uma tribuna aberta de discussão útil e de aprofundamento deste Convénio.
Infohabitar, Ano V, n.º 274
Editor: Grupo Habitar
Editor: António Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação – Olivais Norte, 29 de Novembro de 2009
Edição de José Baptista Coelho
(investigação em arquitectura e urbanismo, cooperação LNEC/USP)

segunda-feira, novembro 23, 2009

273 - Bairros vivos, cidades vivas: uma reflexão geral - Infohabitar 273

Infohabitar, Ano V, n.º 273
Conferência Bairros vivos, cidades vivas
24 de Novembro de 2009 no LNEC
O Núcleo de Arquitectura e Urbanismo (NAU) do Departamento de Edifícios (DED) do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) faz 40 anos de actividade, em 24 de Novembro de 2009, pois data de 24 de Novembro de 1969 o documento que regista a criação do NAU.
Com vista a marcar esta data é realizada nessa data uma conferência sobre os “Bairros Vivos, Cidades Vivas”, que terá como oradores vários colegas que desenvolveram actividade ou que cooperaram de perto com o NAU ao longo desses 40 anos.
Caso ainda haja vagas no auditório será ainda possível realizar a sua inscrição nesta Conferência, cujo excelente programa encontra, também aqui no Infohabitar, bastando consultar as edições n.º 271 e 270.
A inscrição é gratuita e obrigatória, para o respectivo Secretariado: apinho@lnec.pt
Telf.: + 351 21 844 35 15
A edição do Infohabitar e a Chefia do NAU do LNEC
Bairros vivos, cidades vivas: uma reflexão geral
António Baptista Coelho
A temática de uma cidade mais viva é, hoje em dia, um objectivo central do desenvolvimento urbano. E é um objectivo extremamente ligado ao desenvolvimento de uma habitação mais adequada pois, como diz Manuel Correia Fernandes, “o modo mais natural de fazer cidade é (fazê-la) com habitação” e a “cidade sem habitação não faz sentido...” (1)
Mas não será uma qualquer habitação pois como os modos de vida mudaram e se diversificaram, é necessário flexibilizar a oferta de soluções urbanas e residenciais e assumir cada vez mais a habitação como vários espaços de habitar: dos agradáveis interiores domésticos às ruas e pracetas animadas. E nestas ruas e pracetas citadinas, é essencial a sua devolução à estima e ao intenso uso públicos, pois, tal como defende Jan Gehl, enquanto antigamente uma casa cheia de gente era uma pequena cidade, hoje em dia os que vivem sós, ou em pequenos grupos, precisam da vida urbana para viverem com diversidade e estímulo.


Fig. 01: uma vizinhança residencial fortmente habitável no norte da Alemanha.

Cada vez mais o habitar tem de se ser entendido numa perspectiva ampla, como entidade viva, que contribua para a vida da vizinhança, do bairro e da cidade. E portanto, quando pensamos nas vizinhanças urbanas, que são as células dos bairros e das cidades, elas devem integrar, além das habitações, pequenos equipamentos adequados quer às mais diversas necessidades, quer ao estímulo do convívio, numa perpectiva de verdadeira extensão do habitar à cidade.
A resposta doméstica deverá ser o desenvolvimento da adaptabilidade e da funcionalidade, e uma incorporação ponderada das inovações, mas não uma “casa do futuro” que seja, essencialmente, uma casa de “gadgets”
Ao nível dos edifícios a apropriação cresce com a redução da dimensão do respectivo conjunto habitacional e urbano e do seu número de fogos, em soluções baixas, densificadas e com continuidade urbana; afinal aquilo que Henri Lefebvre qualifica como sendo desejado por muitos habitantes, e que é o unifamiliar num contexto colectivo, o espaço apropriável com as vantagens práticas e conviviais da vida social organizada.
E ao nível das vitais micro-vizinhanças é necessário aprofundar a ligação entre densidade, convivialidade, forma urbana com escala humana e tipologias formal e funcionalmente amigáveis, numa cidade que não seja rígida e dependente do automóvel - e que seja bem apropriável nas suas partes.
Neste positivo "jogo" tipológico que se propões é necessária uma tipologia duplamente iniciada: seja na escala do fogo, e seguindo “para cima”; seja na escala da cidade/bairro, e seguindo “para baixo”, ligando-se a habitação à vizinhança citadina. Construída com elementos de ligação, limiar, separação e transição e marcada pelo seu sítio único.


Fig. 02: a ligação, quase directa, entre vizinhança e habitações numa diversificação dos modelos de habitar a proximidade, Cooperativa Massarelos, Porto, dos arquitectos Francisco Barata e Manuel Fernandes Sá.


Não haja dúvida de que é muito mais motivador fazer, mais livremente, a ligação entre tipos de fogos e tipos de vizinhanças de proximidade, do que continuar a estar cativo de uma relativa ditadura de tipos de fogos, tipos de edifícios e tipos de vizinhanças; e tal como escreveu Francisco de Gracia (1992), “a nova tipologia tende a ligar edifício e morfologia urbana numa fortíssima relação com cada lugar”.
E para podermos gozar espaços urbanos motivadores importa não esquecer o sentido lúdico que deve marcar as conjugações de acessos a habitações, equipamentos e espaços urbanos, sendo o predomínio estratégico do peão em espaços mais segmentados e variados a condição para uma cidade mais viva e amiga do habitante.
Actuar desta forma exige uma arquitectura urbana bem qualificada, pormenorizada, caracterizada por uma pequena escala civicamente enriquecedora , muito humana, e sem negativas repetições de soluções; um processo que exige enquadramento específico, pois o principal segredo é, provavelmente, a qualidade real do projecto, uma qualidade que tem de ser exigida, verificada e direccionada para melhores habitações e melhores paisagens urbanas.
Norberg-Schulz escreveu que “a arquitectura se preocupa com algo mais do que necessidades práticas e economia. Ela refere-se a conteúdos e significados existenciais .. experimentados como ordem e carácter” e, disse ele, que ”por vezes o projecto “não é mais” que um elemento de valorização da união de condições naturais e urbanas preexistentes; e podemos comentar que o projecto deveria ser sempre isso, um complemento subtil, no sentido de uma adequada sobriedade e de um carácter que nos fale à alma.
E bem precisamos destes suplementos de alma num mundo público citadino contemporâneo em que quase desapareceram os pequenos mundos intermediários das famílias alargadas e das comunidades de vizinhos, deixando-nos tantas vezes isolados nos nossos refúgios domésticos. Uma situação que salienta a urgência da re-humanização da cidade e do desenvolvimento de amplas soluções de habitar muito sensíveis a tais problemas, soluções que levem a cidade à habitação e que vitalizem a cidade com habitação; numa visão que traz, também, outras vantagens, pois baseia-se numa caracterização de bairros distintos e humanizados ainda bem viva nas nossas cidades e muito atractiva, o "espírito de bairro" tal como foi apontado num recente artigo do Público (intitulado "Lisboa tem graça como ninguém", e escrito por de Alexandra Prado Coelho, Fugas, 31 de Outubro 2009).


Fig. 03: uma das excelentes vizinhanças residenciais á escala humana, sossegadas, protegidas do tráfego de atravessamento, mas próximas da animação urbana, em Alvalade, Lisboa.


E aliás temos em Lisboa o excelente exemplo do Bairro de Alvalade, provavelmente o único verdadeiro plano bem integrado, alguma vez feito em Portugal, e onde se harmonizaram vários grupos socioculturais, vários tipos de actividades, grandes equipamentos e continuidade urbana e tudo isto bem marcado por uma assinalável humanização do edificado e dos espaços públicos, simultaneamente com a marcação de fortes pólos de urbanidade. Tudo isto num processo de ajudar a fazer uma cidade mais viva com um bairro vivo, e um bairro cuja vitalidade provém de vizinhanças diversificadas, caracterizadas e variadamente vitalizadas.
Talvez que o tema comum numa cidade e numa habitação que tenham, ambas, verdadeiro interesse social, uma realidade bem presente no exemplo de Alvalade - um exemplo que por vezes parece basear-se em "mistérios", mas que está bem à vista nos seus ingredientes -, seja um habitar de vizinhanças bem conjugadas, um habitar que tanto embeba a escala humana e muito amigável das contiguidades domésticas, como esteja disponível, mercê de simples e diversificadas associações, para participar activamente na construção das escalas maiores das vizinhanças mais alargadas, dos bairros e das partes de cidade.
E em tudo isto não tenhamos qualquer dúvida que temos de pensar bem para lá dos aspectos quantitativos, pois, afinal, e como escreveu Burle Marx, há (2) “duas paisagens: uma natural e dada, a outra humanizada e, portanto, construída” e “além das implicações decorrentes das exigências económicas”, não podemos esquecer que “a paisagem também se define por uma exigência estética, que não é nem luxo nem desperdício, mas uma necessidade absoluta para a vida humana e sem a qual a própria civilização perderia a sua razão de ser.” E esta frase fala de um bairro bem desenhado, que valoriza a sua cidade e que ajuda a definir espaços urbanizados e não urbanizados de uma forma positiva.
Notas:
(1) Manuel Correia FERNANDES, «Anos 80 As Cooperativas de Habitação e o Desenho da Cidade, a Senhora da Hora em Matosinhos» in Encontros AAP Habitação, 1.º Encontro: fazer cidade com habitação, Lisboa, Sede Nacional da AAP, 8 de Maio de 1998, p. 1.
(2) Jacques LEENHARDT (entrevistador), Nos Jardins de Burle Marx, São Paulo, Editora Perspectiva, 2000 (1994), pp. 62 e 47
Infohabitar, Ano V, n.º 273
Editor: Grupo Habitar
Coordenador editorial: António Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação – Olivais Norte, 22 de Novembro de 2009
Edição de José Baptista Coelho

segunda-feira, novembro 16, 2009

272 - Equipamentos vitalizadores de vizinhanças - Infohabitar 272

Equipamentos vitalizadores de vizinhanças (a Loja Coop)
António Baptista Coelho
Infohabitar, Ano V, n.º 272

No presente artigo apontam-se alguns aspectos considerados significativos na caracterização de equipamentos e elementos vitalizadores de vizinhanças residenciais, tais como: núcleos comerciais; distâncias críticas à habitação para realizar compras diárias; posicionamento mais desejável dos equipamentos comerciais; e relação com pequenos equipamentos desportivos e de recreio e com parques infantis.
A existência de determinadas características de equipamento não é condição suficiente para que determinadas vizinhanças de proximidade ofereçam um quadro de vida residencial e urbano capaz de garantir verdadeira satisfação; outros aspectos são determinantes e até, por vezes, há um excesso de espaços disponíveis para equipamento térreo, que resulta em más influências na desvitalização dos espaços públicos contíguos. No entanto a disponibilização de um conteúdo de equipamento convivial estratégico, seja interior, seja exterior, é uma faceta fundamental de adequadas condições residenciais e nesta matéria há aspectos de apoio "básico" ao habitar, convívio, recreio e segurança que importa considerar com especial atenção.
Neste artigo não se faz uma abordagem sistemática da matéria, mas lançam-se alguns aspectos dessa temática considerados, por diversos autores, como importantes para a satisfação com o sítio que se habita.
Caracterização de núcleos comerciais atraentes
Para uma melhoria de condições de vitalidade em espaços comerciais concentrados, salientam-se as seguintes condições: grande variedade de tipos e alternativas de comércios e serviços; cuidadosa programação das sequências e das orientações das montras considerando os principais fluxos pedonais; aplicação de pavimentos "suaves", agradáveis e seguros para o uso pedonal e estabelecendo continuidades entre espaços interiores e exteriores; e existência de zona(s) para estar sentado, que seja(m) espacialmente diferenciada(s) das principais zonas de circulação, integrada(s) em espaços mais calmos e dispondo de assentos individuais e confortáveis; deverão ser previstos, também, outros tipos de lugares sentados com carácter mais informal e multifuncional, nomeadamente, em zonas mais movimentadas e com carácter mais público.


Fig. 01: O Largo do Ferrador, Olivais Sul, Lisboa.
Distâncias críticas à habitação para realizar compras diárias
Aceita-se habitualmente que entre cerca de 200 e 600m de distância, entre habitação e pontos de compras diárias, a satisfação admitida pelos utentes decresce regularmente à medida que a distância aumenta. Até 200m de distância ou cerca de 5 minutos a pé, 70% das pessoas consideraram a situação "muito boa", enquanto que quando a distância atinge os 600m apenas 10% das pessoas continuam a manter o mesmo juízo. É de considerar que esta constatação põe em relevo a importância do comércio em grande proximidade residencial.
As compras de um agregado familiar com quatro pessoas correspondem a uma média aproximada de 60kg por semana, cerca de 10 sacos de compras médios. Isto evidencia a importância da proximidade entre estabelecimentos comerciais de primeira necessidade e habitações, importância esta que assume um aspecto vital quando se trata de habitantes idosos, outros habitantes com mobilidade condicionada, ou pessoas sem veículo próprio.
Outra distância chave para tornar fácil as compras é aquela que separa a habitação da paragem de transportes colectivos, e que se considera poder chegar a 500m.
Equipamentos comerciais - posicionamento mais desejável de lojas
As lojas devem estar nas ruas e não no interior dos quarteirões. Esta condição refere-se a uma situação, que se considera básica, de abertura dos estabelecimentos comerciais à continuidade urbana, atribuindo-lhes um papel essencial nessa continuidade que se deverá traduzir em relações de vitalidade e dinamismo no uso do exterior público.
Naturalmente que as lojas e designadamente a “Loja Coop” poderá marcar e, quem sabe, estruturar um interior de quarteirão. Tal condição é desejável e poderá ser aproveitada, por exemplo, em termos do desenvolvimento de espaços de esplanada e de uma afirmada relação com outros equipamentos (ex., recreio e desporto). No entanto a presença da “Loja Coop” tem de ser claramente visível nas ruas contíguas, ela serve a vizinhança mas também, como já se salientou, a continuidade/vitalidade urbanas e não pode, assim, estar a qualquer título “escondida” ou menos visível.
Equipamentos comerciais - situação estratégica
Em cada Vizinhança Próxima deve existir, pelo menos, um local público exterior, parcialmente encerrado e coberto, situado junto a um caminho importante e à vista de casas e lojas; este local pode estar ligeiramente elevado de modo a proporcionar uma vista melhorada sobre a sua envolvente, e deve dispor de diversos tipos de lugares sentados (alguns em posições "de conversação" informal, outros mais isolados, etc.) e de mesas; este local que pode ser do tipo “esplanada” deverá estar ligado a um estabelecimento de restauração e convívio.

Fig. 02: o miolo do quarteirão equipado da cooperativa Coobital, Alto de St. António, Faro, do Arq. Lopes da Costa.
Importância da diversidade de equipamento na vizinhança residencial
É fundamental a disponibilização de condições de recreio e desporto no espaço público residencial e designadamente nas vizinhanças de proximidade.
Tal disponibilização liga-se à dinamização do comércio diário e convivial pois, quer se trata de condições afins no objectivo de dinamizar relações de conhecimento mútuo e convívio natural entre residentes, quer se trata de condições que mutuamente se estimulam e mutuamente amplificam aspectos básicos de segurança, acompanhamento e agradabilidade no uso, que se deseja intenso, do exterior residencial.
Sendo o objectivo a dinamização pública dos conjuntos residenciais há que visar o comércio diário e convivial, através de comércio diário e convivial, mas articulando-o com um adequado tratamento e equipamento funcional do exterior contíguo.
Relação com pequenos equipamentos desportivos
Importa salientar que a, frequentemente invocada, falta de espaço para a instalação de recintos desportivos em zonas residenciais não tem real razão de ser, visto que mesmo em condições espaciais muito exíguas haverá sempre sítio para a instalação de: campos "mini" (ex., minibasquetebol e futsal/futebol de salão); "recantos" para prática de Basquetebol (ex., um cesto aplicado numa empena cega e uma zona de pavimento liso contígua); paredes para treinar Ténis; "peladinhas" para futebol com balizas simplificadas; e percursos para corrida e exercícios de manutenção aproveitando as diversas zonas pedonais.
Equipamentos desportivos – disposição geral
Os eixos dos campos de jogos devem concordar, aproximadamente, com uma orientação Norte-Sul, aceitando-se desvios até cerca de NW-SE e NE-SW; exceptuam-se os casos em que as práticas desportivas não impliquem "olhar alto", porque nestes casos o Sol já não é especialmente perturbador. Para a definição da orientação é também importante o regime de ventos dominante no local.
Equipamentos para crianças - caracterização de parques infantis
O estudo de um "parque infantil de vizinhança" usado como "atalho" pelos residentes e bem protegido da circulação e do estacionamento de veículos, revelou este ser usado como centro social e de informação para a vizinhança, com picos naturais de uso pela comunidade, em geral, aos fins de tarde e especialmente aos sábados. Entre as diversas características que foram consideradas responsáveis pelo êxito deste parque infantil destacam-se as seguintes:
Localização próxima da habitação (afastamento de cerca de 61m a um máximo de 91m), permitindo uso informal e frequente ("idas e vindas"); para além disto o "jardim" será tanto mais usado quanto mais visível ele for e quanto mais livre a sua utilização (sem horários).
Grande diversidade das brincadeiras e dos equipamentos propostos, tornando o "parque" bem identificável entre os seus congéneres.
Perfeita ligação com o restante espaço pedonal, considerando-se este equipamento como parte integrante do espaço contínuo de brincadeiras que é o espaço pedonal da área residencial.
Promoção dos agrupamentos humanos, tanto com bancos e zonas protegidas para os grupos se juntarem recatadamente, como pela existência de certos equipamentos bem relacionados com grupos etários mais velhos (ex., recintos desportivos), fortemente demarcados das zonas para os mais jovens, mas permitindo interacções mútuas (ex., vistas, comunicação vocalizada, etc.).
Relacionamento com outras actividades, também participadas por adultos, como realização de passatempos, artesanato, etc.
(E, podemos acrescentar, a boa acessibilidade a quiosques de venda de revistas e jornais, bem como a "cafés/pastelarias" e respectivas esplanadas).
É possível desenvolver com eficácia, pequenos parques infantis com equipamentos de jogo/recreio correntes e bem conhecidos, desde que estes sejam, pelo menos, três. Também terá êxito a implantação, cuidada, de uma estrutura múltipla de jogo/recreio, instalada numa grande caixa de areia a uma superfície adequada ao amortecimento de quedas dos utentes (ex., espaço 15x15m com estrutura multifuncional integrando cerca de 10 elementos de jogo/recreio infantil). Salienta-se o interesse que tem a possível articulação entre um tal dimensionamento e o dimensionamento mínimo de largura para “Futsal”, que é também 15m.
Nota importante: estas referências estão ligadas a aspectos gerais de concepção e têm de ser consideradas, integradamente, com a legislação existente e aplicável no desenvolvimento e gestão dos parques infantis.

Fig. 03: interior de quarteirão equipado e à escala humana, na Travessa do Sargento Abílio, Benfica, C. M de Lisboa, Arq. Paulo Tormenta Pinto.
Equipamentos para crianças - recreio de crianças e jovens em zonas pedonais
Os espaços pedonais devem ser desenhados tendo em vista tanto o uso normal por adultos, como o seu uso como espaço de brincadeiras.
Nas confluências de percursos e nas junções entre estes e acessos a grupos residenciais devem ser previstos grupos abrigados de assentos com mesas, de modo a promover-se o convívio de crianças e jovens.
Os principais pontos de encontro devem ser protegidos dos excessos climáticos e razoavelmente destacados das zonas mais usadas por adultos, evitando-se, assim, conflitos. Esta condição é fundamental e por vezes difícil de cumprir, porque, naturalmente, os jovens têm tendência a congregar-se perto ou junto das entradas dos seus edifícios, com inegáveis vantagens em termos de segurança; a solução pode estar na existência de boas condições de espaciosidade e de equipamento em átrios exteriores contíguos às portas dos edifícios. Ao longo dos percursos mais usados por crianças e jovens devem existir abrigos estrategicamente dispostos.
Equipamentos para crianças e jovens – caracterização geral
Devem existir zonas de jogos de crianças, bem equipadas e seguras, muito próximas dos edifícios e bem visíveis a partir deles.
As zonas de estadia e de jogos para crianças e jovens em grande ligação: com os espaços exteriores públicos e comuns mais usados pelos habitantes; e com os vãos de porta e de janela dos respectivos edifícios e unidades habitacionais.
A distância considerada crítica para esse tipo de vigilância natural deve fundamentar-se, tanto nas condições básicas de distância em percurso real relativamente às portas dos edifícios de habitação (considerando o maior número possível de habitações) e de afastamento relacionadas com a garantia de fácil reconhecimento visual de estranhos, pelas próprias crianças brincando no exterior (sempre muito distraídas), como nas condições de observação e comunicação vocalizada com as zonas de jogos das crianças a partir dos espaços mais usados, durante o dia, nas respectivas habitações, e também, embora de forma mais pontual e estratégica, com os equipamentos de uso diário na Vizinhança Próxima (ex., lojas com montras dando sobre parques infantis ou sobre zonas de acesso a esses parques).
Equipamentos para crianças e jovens - condições desejáveis de acessibilidade e uso
Alguns aspectos sobre acessibilidade e uso das áreas de jogos de crianças: uma distância de cerca de 1000m às habitações elimina cerca de 90% dos seus possíveis utentes com menos de 9 anos, para esses casos as distâncias desejáveis são da ordem de 100/200m; demasiado próximas são incómodas para as habitações; áreas de jogos atraentes evitam que as crianças usem espaços viários para brincar; a vigilância natural a partir das habitações próprias e/ou de certos fogos bem colocados, onde habitem pessoas conhecidas, só é eficiente em grupos de 20/30 alojamentos, porque a partir desse número os espaços são muito extensos e as pessoas conhecem-se mal; as áreas de jogos devem estar próximas de zonas pedonais muito usadas e ser relativamente centrais.
Parece que as áreas de jogos mais procuradas pelas crianças são as maiores e as que têm mais elementos de equipamento, considerando-se três o número mínimo. Os objectos modernos do tipo arquitectónico ou escultórico são essencialmente decorativos. As crianças preferem manusear objectos diversos ou brincar nos "jogos clássicos".
As crianças estão sentadas com frequência e são atraídas pelas escadas, merecendo estes aspectos um conveniente aproveitamento, tendo em vista tanto o convívio mais sossegado, como novos elementos de brincadeira.
As zonas de circulação pedonal devem considerar o recreio de crianças usando variados tipos de elementos (patins, skates, bicicletas de acrobacia, etc.) e podem ser desenvolvidos troços de percursos e espaços específicos muito adequados para estas actividades (salienta-se que estes espaços devem ser seguros, contra intrusos, porque de outro modo as crianças terão receio de usar estes "brinquedos caros" no exterior, ou os seus próprios pais terão esse tipo de receios e o resultado será idêntico).
Infohabitar, Ano V, n.º 272
Editor: Grupo Habitar
Coordenador editorial: António Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação – Olivais Norte, 15 de Novembro de 2009
Edição de José Baptista Coelho

domingo, novembro 08, 2009

271 - Conferência dos 40 anos do NAU do LNEC e artigo " Novos caminhos tipológicos residenciais" - Infohabitar 271

infohabitar, Ano V, n.º 271
COMEMORAÇÃO DOS 40 ANOS DO NÚCLEO DE ARQUITECTURA E URBANISMO DO LABORATÓRIO NACIONAL DE ENGENHARIA CIVIL
TERÇA-FEIRA DIA 24 DE NOVEMBRO DE 2009
CONFERÊNCIA: BAIRROS VIVOS, CIDADES VIVAS
Importante: devido ao número de inscrições já confirmadas a Conferência será realizada no "velho" e excelente grande Anfiteatro do LNEC, situado logo junto da entrada principal do Laboratório a dois passos da Avenida do Brasil.
O Núcleo de Arquitectura e Urbanismo (NAU) do Departamento de Edifícios (DED) do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) irá fazer 40 anos de actividade no próximo dia 24 de Novembro de 2009. Com vista a marcar este dia irá ter lugar uma conferência comemorativa no Anfiteatro do Centro de Congressos do LNEC, sob o tema “Bairros Vivos, Cidades Vivas”, tema este que se considera ser na actualidade um objectivo central do desenvolvimento urbano.
A conferência “Bairros Vivos, Cidades Vivas” terá como oradores várias individualidades que desenvolveram actividade ou que cooperaram de perto com o NAU ao longo destes 40 anos. Pretende-se que este encontro crie espaço para uma reflexão colectiva sobre a situação presente e futura da investigação em arquitectura e urbanismo, numa perspectiva multidisciplinar.

A conferência está aberta a todos os que nela queiram participar.
A inscrição é gratuita e obrigatória, para o respectivo Secretariado:
apinho@lnec.pt
Telf.: + 351 21 844 35 15
Junta-se o respectivo programa.

10.00 – Recepção dos participantes e entrega de documentação

10.30 – Sessão de abertura
Carlos Pina
(Vice-Presidente do LNEC)
José Vasconcelos Paiva
(Director do Departamento de Edifícios do LNEC entre 1990 e 2009)
António Baptista Coelho
(Chefe do NAU)

11.00 – Painel Bairros Vivos
Moderadora: Maria João Freitas
(Vogal da Direcção do IHRU)

Oradores:
Gonçalo Byrne
(Arquitecto)
João Appleton
(Engenheiro Civil)
José Aguiar
(Arquitecto)

12.10 – Debate
12.30 – Almoço (livre)

14.00 – Painel Cidades Vivas
Moderador: Vitor Campos
(Director-Geral da DGOTDU)

Oradores:
Alexandre Alves Costa
(Arquitecto)
Khaled Ghoubar
(Arquitecto)
Paulo Machado
(Sociólogo)
Jorge Saraiva
(Engenheiro mecânico)
Helena Roseta
(Arquitecta)

16.00 – Debate
16.30 – Intervalo
17.00 – Painel NAU: Memórias com futuro
Moderador: Francisco Silva Dias
(Provedor da Arquitectura)
Oradores:
António Baptista Coelho
(Chefe do NAU desde 2002)
António Reis Cabrita
(Chefe do NAU entre 1981 e 2002)
Nuno Portas
(Chefe do NAU entre 1969 e 1981)

18.15 – Debate, seguido de encerramento da Conferência
A conferência está aberta a todos os que nela queiram participar.
A inscrição é gratuita e obrigatória, para o respectivo Secretariado:
apinho@lnec.pt e Telf.: + 351 21 844 35 15.
artigo da semana
Novos caminhos tipológicos residenciais
António Baptista Coelho


Fig. 01: as bandas contínuas de unifamiliares do pequeno Bairro do Telheiro, C. M. de Matosinhos, Arq. Manuel Correia Fernandes.

Caminhos qualitativos das tipologias residenciais
Será de uma aprofundada e diversificada união entre espaços exteriores urbanos e residenciais funcionais e caracterizados/estimulantes e soluções edificadas igualmente funcionais e caracterizadas/estimulantes que resultarão as soluções habitacionais humanizadas e bem desenhadas de que todos precisamos e de que a cidade de hoje precisa; e esta matéria exemplifica-se bem seja com exemplos da cidade tradicional – ex., pequenas ruas “habitadas” pelas portas dos fogos, dando para as salas das casas; pátios e largos residenciais que são verdadeiramente extensões mútuas e “pontos de encontro” dos mundos urbanos e domésticos –, seja com exemplos retirados da diversificação tipológica que foi marcando o século XX, só que quase sempre esquecida pela voragem da doentia repetição de maus projectos-tipo cegos relativamente ao enorme e viável potencial tipológico que é possível em vizinhanças de proximidade dominantemente públicas e em conjuntos de espaços comuns, que mutuamente constituam sequências de acessibilidade e de estadia e agregrados de ambientes residenciais que se fundam positivamente na continuidade urbana, vitalizando-a pela sua presença específica e pelas actividades associadas e induzidas.

Fig. 02: os simples com duplex sobrepostos na gala, Figueira da Foz, dos arquitectos Duarte Nuno Simões e Nuno Simões

Urgente aprofundamento e diversificação das tipologias residenciais
As tipologias residenciais – consideradas numa perspectiva que abarca toda a área desde o micro-urbanismo à “celula-alojamento” e em articulação com o objectivo de se promoverem condições crescentes de alargada satisfação residencial – têm um campo muito amplo de diversificação e têm potencialidades, quer ao nível do desenho da arquitectura urbana e da respectiva imagem urbana, quer ao nível da integração física e paisagística, quer ao nível da adequação aos modos de vida, do uso da casa e do uso do Bairro e da cidade. Não há tipologias a descartar, há, sim, tipologias mais, ou menos, adequadas; e há aqui uma riquíssimo campo para o aprofundamento da qualidade do projecto arquitectónico, num repensar de funcionalidades domésticas e de relacionamentos urbanos e num judicioso “construir no construído”, ligado à regeneração de espaços urbanos e edificados.
Pode dizer-se que muito de tudo isto tem a ver com um jogo de agregação tipológica com sentido amplo, que privilegia o micro-urbanismo e a flexibilidade na conjugação entre células habitacionais – inovação esta muito ligada aos possíveis serviços comuns –, elas próprias também potencialmente muito diversificadas, adaptáveis e mutantes.
Em todas estas matérias de uma fundamentada e coerente adequação e inovação tipológica e da consideração efectiva de uma grande diversidade de soluções residenciais completas – que vão da casa á vizinhança urbana – são evidentes as vantagens disponibilizadas pela promoção cooperativa habitacional, designadamente, quando esta se encontra estruturada por objectivos afins associados à participação dos habitantes, á boa integração urbana e, tal como acontece actualmente, às matérias da sustentabilidade, uma situação que caracteriza, actualmente, em Portugal as cooperativas que integram a Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica, que, aliás, registaram estas intenções práticas na recente Carta da Qualidade da Habitação Cooperativa (2006).
Importa salientar que, cada vez mais, há diversos modos de vida e que, como resposta, tem de haver, cada vez mais, uma maior diversidade de oferta tipológica residencial; opçao esta que constitui, sublinha-se, um específico e importante factor de sustentabilidade no habitar da casa e da cidade. E é de grande importância esta disponibilização de formas diversas de habitar a casa e a cidade, afastando-se o fantasma do modelo único de habitar e desenvolvendo-se tipologias que prolonguem o exterior público, mas também o exterior caracterizadamente comum e potencialmente convivial; tipologias criadoras de pequenas e orgânicas partes de cidade, bem acabadas e afectuosas, e tipologias verdadeiramente criadoras de pequenos mundos privados e domésticos; e para tudo isto é fundamental o bom desenho de arquitectura, aquele que pode, de facto, ajudar a dar mais felicidade às pessoas.
Nesta matéria das tipologias habitacionais as lições de arquitectura de Hertzberger (Herman Hertzberger, “Lições de Arquitetura”) são fundamentais, pois ele traça uma linha de concepção dos espaços residenciais extremamente ligada à pormenorização coerente e fundamentada da casa, do edifício e da rua/zona de proximidade, privilegiando a humanização do habitar e sublinhando aspectos verdadeiramente “construtores” de tipologias e de variações tipológicas residenciais, e designadamente: a estimulante diversificação funcional e de imagem dos limiares de acesso aos fogos; as vistas estratégicas sobre o exterior e sobre o interior; o afirmado e diversificado reforço funcional do que pode acontecer, de positivo, nos espaços comuns; a consideração específica do apoio a determinados grupos socioculturais e etários, mas sempre numa perspectiva de máxima integração em vizinhanças naturalmente diversificadas; e claro reforço das condições que propiciam conforto ambiental e de uso no exterior e em zonas de transição interior/exterior, integrando-se aqui aspectos de predominãncia pedonal; e o sensível e cuidadoso reforço das condições que propiciam o convívio natural na vizinhança.

Fig. 03: uma vizinhança em Malmö, coordenada por Charles Moore.

No edifício: dos espaços e serviços comuns às habitações adaptáveis
Ao nível das soluções práticas de auto-organização de habitantes num dado edifício ou complexo edificado há que sublinhar que é muito grande o leque de serviços e de actividades que são difíceis, caras ou mesmo quase impossíveis de proporcionar exclusivamente a cada fogo; há aqui, assim, um grande potencial de adequação e, mais uma vez, se evidencia que um tal leque de soluções fica muito deficientemente representado numa perspectiva quantitativa, pois a dimensão, o carácter e o equipamento dos espaços comuns variará consoante os objectivos de cada solução.
Não é aqui o sítio de se fazer desenvolvimento desta matéria mas, sinteticamente, há que estudar e aprofundar a vocação comum e mesmo, eventualmente, colectiva do edifício multifamiliar, consubstanciando-a em zonas e funções específicas, que se tornem verdadeiramente aliadas dos espaços domésticos e geradoras de uma vida própria, mas sem quaisquer indícios de estímulo “obrigado” ao convívio e ao uso de ... e é interessante anotar aqui as pontes de contacto
Também não é aqui o sítio para abordar a amplitude da adaptabilidade doméstica, mas sublinha-se que ao nível do espaço doméstico o campo da adaptabilidade passiva e activa oferece desde uma flexibilidade quase total de compartimentação ao desenvolimento de fogos apropriados a dterminados grupos de habitantes particularizados e mesmo a soluções profundamente marcadas pelos mundos pessoais de cada um de nós. E não é possível deixar aqui de referir que esta matéria é mais uma daquelas em que a menor objectividade não é problema, antes pelo contrário.
Há aqui, portanto, um léxico de “pequenos” elementos de composição do habitar que podem ser os verdadeiros protagonistas da composição de variadíssimas tipologias de habitar – e atente-se no sublinhado –, como se dos fogos e de uma sua aturada pormenorização passássemos, por exemplo, para a rua, a praceta, o pequeno quarteirão, sem uma nota de importância especial para o edifício; fica, assim, de pé, a ideia de certa forma concretizadora da importância dos espaços privados e públicos e de algum eventual apagamento dos espaços colectivos, a não ser que estes tenham condições de assumir um verdadeiro protagonismo formal e funcional, seja “para baixo”, ao nível doméstico, em termos suplementares ao que é disponibilizado dentro de casa, seja “para cima”, e um “para cima” que tem sempre de ter uma dupla valência, por presença no nível de vizinhança e no nível espacificamente mais urbano, atribuindo-se aos espaços e eventuais equipamentos comuns matérias funcionais e representativas que se casem muito bem com aqueles níveis, designadamente, em zonas de transição e de limiar, que podem constituir verdadeiros elementos protagonistas na construção de novas ou renovadas tipologias residenciais e urbanas.
Mas nesta matéria, e tal como se tem aqui apontado, há também que equacionar de forma activa o desenvolvimento de soluções tipológicas de habitar em que as células residenciais individualizadas e mutuamente bem agregadas se ligam de forma directa, ou apenas minimamente graduada, ao espaço urbano de vizinhança – mais afectivo – e ao espaço urbano mais efectivo. Soluções estas que podem até manter intensas características de um habitar unifamiliar. E muito disto é possível em soluções construtivamente racionalizadas e eficazmente densificadas, que cumpram um importante papel urbano de colmatação, preenchimento e vitalização/regeneração da cidade.
Fica, para já, apontada a enorme riqueza de um tão amplo e diversificado leque de soluções em termos de potencial de adequação a uma grande diversidade de modos e desejos de vida residencial e urbana, assim como de potencial funcional e formal em termos de desenho de arquitectura urbana – e neste aspecto particular não resisto a comentar que os novos processos de projecto e de visualização do projecto apoiam muito claramente este caminho de trabalho e permitem que promotores e habitantes possam ser razoavelmente exigentes em termos da qualidade arquitectónica, residencial e urbana que é desenvolvida.
Tudo isto terá também, naturalmente, muito a ver com as novas formas de habitar (e as novas formas de cidade/bairro): por exemplo a habitação assistida, o trabalho habitado; a casa escritório. E em tudo isto se sublinha a grande importância da adaptabilidade, do conforto , da densidade e da verdadeira adequação a diversas situações, desejos e necessidades habitacionais; e há ainda o verdadeiro suplemento de alma e reserva de apoio à concepção, proporcionada pelas cidades e casa da imaginação, da ficção, do futuro.
De certa forma é possível afirmar que há que pensar muito menos em tipos de edifícios e muito mais em tipos de fogos, tipos de agregação de fogos e tipos de vizinhanças vivas e citadinas; um pensamento mais “elementar” e, novamente, mais qualitativo, pois reduzem-se as “muletas” da tipificação edificada e fica o que realmente interessa: o mundo privado, o mundo de vizinhança e o mundo urbano.
Está realmente “na hora” de se re-equacionarem funcionalidades e caracterizações domésticas e nestas e em outras matérias é vital uma acção tipológica fundamentada, que há que aprofundar, designadamente, através da disponibilização de amplos menus em termos de grandes caminhos de soluções residenciais e urbanas, menus estes bem apoiados em exemplos concretos e significativos, tanto actuais como referidos a muitos casos da nossa história da arquitectura do habitar.
Infohabitar, Ano V, n.º 271
Editor: Grupo Habitar
Coordenador editorial: António Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação – Olivais Norte, 9 de Novembro de 2009
Edição de José Baptista Coelho