segunda-feira, julho 05, 2010

303 - Caminhos da habitação e do urbanismo na cidade central ou na cidade "velha" - Infohabitar 303

António Baptista Coelho

Infohabitar, Ano VI, n.º 303


Divulgação prévia: 1.º CIHEL
O Grupo Habitar e o Infohabitar aproveitam a oportunidade para continuarem a divulgar o 1.º Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono, o 1.º CIHEL, que terá lugar entre 22 e 24 de Setembro no ISCTE, junto a Entrecampos em Lisboa, numa parceria com a respectiva escola de Arquitectura.
Chama-se a atenção para a disponibilização no artigo n.º 301 do Infohabitar de uma apresentação pormenorizada do 1.º CIHEL.
Neste Congresso pretende-se alargar o debate sobre a habitação e o habitar, num sentido amplo, às realidades sociais dos países lusófonos em geral e dos de África em particular, realidades essas fisicamente distantes mas afectivamente próximas, privilegiando-se, nesta primeira edição do Congresso, uma reflexão sobre a promoção de bairros e agrupamentos residenciais para populações com baixos rendimentos.
Fig. 00: 1.º CIHEL - Linha gráfica: a linha gráfica do 1.º CIHEL e designadamente o seu símbolo foram realizados por alunos do 12.º ano do Curso Profissional de Design Gráfico da Escola Secundária de Sacavém, incluindo um concurso de ideias para o respectivo símbolo.
Este tema da promoção de bairros e agrupamentos residenciais para populações com baixos rendimentos será desenvolvido no 1.º CIHEL, em 5 conferências principais e em 20 palestras/comunicações, por um grupo de oradores provenientes de diversos países da lusofonia, organizadas nas temáticas: das políticas e dos programas; das infraestruturas e dos equipamentos; das soluções habitacionais e dos modos de vida; e dos materiais e das tecnologias. Uma consulta ao Infohabitar n.º 301 (basta correr um pouco a informação no écran) bastará para ficar esclarecido relativamente às temáticas tratadas e às conferências já confirmadas.
Este é um primeiro Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono a que se deverão seguir outros sobre outras perspectivas complementares nas amplas áreas do habitar e da cidade. Pretende-se criar, na sequência deste 1º Congresso, um grupo, ou uma rede, para assegurar o próximo Congresso e desenvolver outros eventos nestas matérias.
O infohabitar irá manter, em próximas edições, uma informação actualizada sobre a organização do 1.º CIHEL e designadamente sobre as temáticas abordadas nas palestras/comunicações, actualmente em fase de apreciação final pela Comissão Científica, e sobre os eventos paralelos ao Congresso.
Informações complementares serão dadas pelo Secretariado do 1.º CIHEL:
Departamento de Arquitectura e Urbanismo ISCTE – IUL, Ala Autónoma, Sala 335, Avenida das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa
ou pelo telefone: +351 21 7903060; ou pelo mail: cihel01@gmail.com
António Baptista Coelho e Paulo Tormenta Pinto (Direcção); António Reis Cabrita (Pres. da Comissão Científica)
Edita-se, em seguida, o artigo semanal do Infohabitar
Caminhos da habitação e do urbanismo na cidade central ou na cidade "velha"
António Baptista Coelho
O artigo integra algumas reflexões de síntese sobre os caminhos da habitação e do urbanismo na cidade central ou na cidade "velha", reflexões estas cujo autor estudou, ao longo de bastantes anos, essencialmente a habitação de interesse social, o novo realojamento, a habitação popular e o espaço público urbano: são portanto reflexões de um não-especialista nas áreas da reabilitação; ou será que o fazer bem a nova habitação de interesse social e o renovar e reabilitar bem o espaço público urbano não constituem elementos fundamentais numa adequada estratégia de reabilitação urbana e habitacional?
O artigo integra a intervenção do autor, sobre o tema, na sessão sobre "reabilitação urbana e habitacional", que correspondeu à 19.ª Sessão Técnica do Grupo Habitar e que foi realizada em 16 de Junho de 2010, no Cais de Gaia, numa parceria com a CidadeGaia SRU e com a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia.



Fig. 01

A ideia que quero sublinhar é que um habitar mais feliz, porque mais humanizado em termos de escala e de expansão sobre o espaço público terá muito a ver com uma relação aprofundada entre espaço doméstico e espaço citadino; e é no casco antigo das cidades que o espaço doméstico fica mais próximo do espaço público.
A cidade precisa da vitalidade da habitação, e a habitação precisa da vida citadina, e por isso temos de enfrentar, rapidamente, os actuais problemas de falta de habitações vitalizadoras dos centros históricos, e de falta de vida urbana nas periferias.
Tal como refere o arquitecto Herman Hertzberger, nas suas Lições de Arquitectura (1), “uma casa é uma cidade em miniatura e uma cidade é uma casa enorme”; mas para que a cidade seja esta casa enorme, tem de proporcionar um complemento funcional mas também um verdadeiro suplemento de alma ao habitante, tal como diz Jorge Silva Melo: “um café aqui, um apartamento em cima, a rua larga, o Tejo ao fundo (neste caso o Douro), passeios, gente que se encontra, gente que se salva, que se reencontra …” (2)
Afinal, escadas, galerias, passeios, pracetas, lojas e cafés fazem parte do espaço do habitar, enriquecendo-o e proporcionando até eventuais compensações entre casa e cidade.
Podemos redescobrir e reinventar soluções de habitar baseadas na cidade tradicional, aquela em que o comércio se estende sobre a rua, aquela em que são as próprias portas dos fogos e das lojas que estruturam e vitalizam as ruas, aquelas em que estar em casa é estar perto de poder estar a uma mesa de “café”, aquelas em que estar num jardim é também estar na cidade, soluções estas que são, por exemplo, extremamente úteis no desenvolvimento de uma cidade habitada, que seja, o mais possível, naturalmente segura, pois estruturada por espaços urbanos naturalmente defensáveis e vigiados nas suas margens vivas.


Fig. 02

E neste re-habitar da cidade há que privilegiar os mais idosos e dos mais jovens, que são, afinal, aqueles habitantes que mais usam a cidade, que tanto podem dar de vida à cidade e aos quais a cidade tanto pode dar em termos de quadro de vida formativo e de lazer.
E é essencial que na habitação que se faça de novo ou se reabilite se aproximem as habitações do espaço urbano, designadamente, pela humanização das soluções multifamiliares e por novas soluções de moradias bem agregadas compactas e densificadas.
Julga-se ser este um objectivo muito importante: vitalizar a cidade com jovens e pequenos agregados familiares para os quais tal possibilidade será um elemento fundamental na manutenção ou na redescoberta do interesse, da riqueza e da vitalidade e funcionalidade na vida diária em meio urbano denso; enquanto no caso dos seniores o resultado será a contribuição para a manutenção da vitalidade individual, em termos físicos e mentais – e mesmo com excelentes efeitos na sua saúde.
Nas acções de reabilitação e de introdução de novos edifícios há que ter em conta a grande urgência de intervenção em tantos casos que chegam ao risco colapso, e aos inúmeros casos de condições de habitabilidade críticas; uma matéria que exige uma abordagem específica e bem ponderada no que se refere ao estabelecimento de patamares mínimos de habitabilidade, que assegurem condições adequadas de saúde na habitação, mas que não inviabilizem, na prática, um processo dinâmico de reabilitação urbana e habitacional.
Mas para se refazer uma cidade bem habitada não basta seguir critérios objectivos de ordenamento, porque o habitante necessita de emoção na relação com o espaço urbano, assumindo-se as intervenções de arquitectura urbana como oportunidades de abertura ao mundo e à vida, tal como refere o arqº Yves Lyon, numa perspectiva de urbanidade melhorada e re-humanizada, e aqui é obrigatório citar Gordon Cullen (3), quando este escreve que: “o conformismo mata, aniquila; enquanto a diferenciação, pelo contrário, é fonte de vida" e que “a composição de um conjunto urbano é potencialmente uma das mais emotivas e variadas fontes de prazer”.


Fig. 03


Este caminho tem de ser construído numa cidade do vagar que, naturalmente, encontra importantes modelos na cidade histórica e diferenciada, marcada por usos mistos e veículo de cultura.
Mas, tal como escreveu António Pinto Ribeiro (4), “a maioria das nossas cidades tem perdido a escala que seria mais adequada à sua fruição enquanto espaço, arquitectura, urbanismo e coreografia, porque a medida do cidadão pedestre … tem sido preterida em favor da do automóvel... Neste sentido, seria desejável que a cidade voltasse a ter como medidas de planeamento o peão e o utente do transporte público. Tal corresponderia… a uma ligação mais epidérmica com o espaço e à possibilidade de se instalar durabilidade no tempo de gozo da cidade”; acabei de citar
E o prazer de quem habita, realmente, a cidade, percorrendo-a, parando, conversando, optando, subitamente, por um outro percurso, decidindo permanecer um pouco mais na mesa daquele pequeno café, da qual se vê a rua e quem passa, deve ser o objectivo de quem reabilita a cidade; tão simples como isso, proporcionar a “tentação de andar só mais cem metros, e depois mais outros cem”; escreveu-o Edmund White sobre Paris (5), mas podia tê-lo feito sobre qualquer cidade viva e à escala do homem.
O tema central em toda esta matéria é como nos aproximarmos de uma expressiva amabilidade nos ambientes urbanos e, afinal, poder viver num ritmo mais humano, em ambientes atraentes, saudáveis e conviviais, levará a uma predisposição para a cultura e para a arte, e provavelmente o contrário também é verdadeiro e um ambiente marcado pela arte e pelas indústrias culturais será um meio sensibilizador para a adopção de formas de vida e de ambientes globalmente mais sustentáveis.


Fig. 04

E a opção pela cultura é também, hoje em dia, na nossa Europa, um investimento que cada vez mais dará resultados económicos, e sobre esta matéria lembra-se o sub-título de um artigo sobre Tom Fleming e as suas pequenas indústrias culturais e criativas, que aponta: “Quando a economia falha, sobra a cultura”. (6) E não é possível deixar aqui de lembrar, bem a propósito, que na União Europeia a cultura contribui mais para a economia do que os automóveis e que, mesmo em Portugal, a cultura, era, já em 2006, o terceiro contribuinte para o nosso PIB (7).
E conclui-se esta breve reflexão com uma citação, “de síntese”, retirada à “Carta de Leipzig sobre as Cidades Europeias Sustentáveis” (8), e onde se refere:
“Entendemos que as nossas cidades têm qualidades culturais e arquitectónicas únicas, uma forte capacidade de inclusão social e excelentes oportunidades de desenvolvimento económico. São centros de conhecimento e fontes de crescimento e inovação. Mas, ao mesmo tempo, debatem-se com problemas demográficos, desigualdade social, exclusão social de grupos populacionais específicos, falta de alojamento adequado a preços acessíveis e problemas ambientais. A longo prazo, as cidades não poderão desempenhar a sua função de motor de progresso social e crescimento económico descrita na Estratégia de Lisboa se não conseguirmos manter o equilíbrio social no interior de cada uma e entre elas, preservando a diversidade cultural e fixando elevados padrões de qualidade para o planeamento urbanístico, a arquitectura e o ambiente.”


Fig. 05

Conclui-se com um poema de Constantino Cavafis, intitulado "A CIDADE"
Não encontrarás outro país nem outras praias,
levarás por todo o lado e com custo a tua cidade;
caminharás nas mesmas ruas,
envelhecerás nos mesmos subúrbios,
ficarás grisalho nas mesmas casas.
Chegarás sempre a esta cidade;
Não esperes outra,
não há barco nem caminho para ti.
Ao arruinar a tua vida nesta parte da terra,
Destroçaste-a em todo o universo.
A CIDADE - Constantino Cavafis, 1863 (Alexandria) - 1933
Notas:
(1) Herman Hertzberger, Lições de Arquitetura, São Paulo, Martins Fontes, 1996 (1991),p.193.
(2) Artigo saído no Jornal Público de 22 de Janeiro de 2005
(3) Gordon CULLEN. Paisaje Urbano – Tratado de estética urbanística, Barcelona, 1977 (1971), pp. 13 e 15.
(4) António Pinto Ribeiro, “Abrigos: condições das cidades e energia das culturas”, 2004, p. 18.
(5) Edmund WHITE, O Flâneur – Um passeio pelos Paradoxos de Paris. São Paulo, Companhia das Letras, Colecção “O Escritor e a Cidade”, 2001 - excerto retirado do artigo de Andréia Azevedo Soares, intitulado “O Flâneur – Um passeio pelos Paradoxos de Paris – Passear por uma Paris menos óbvia”, saído no suplemento “Fugas” do jornal “ Público” de 2002/09/28. Este mesmo livro foi, entretanto, editado entre nós pela editora ASA na Colecção “O Escritor e a Cidade.”
(6) Abel Coentrão, “Tom Fleming - Quando a economia falha, sobra a cultura”, Público, 3 de Fevereiro 2008.
(7) Joana Gorjão Henriques - “É a cultura, estúpido!”, Público, 16 de Novembro 2006.
(8) Carta de Leipzig sobre as Cidades Europeias Sustentáveis – adoptada na reunião informal dos Ministros responsáveis pelo Desenvolvimento Urbano e Coesão Territorial, em 24 e 25 de Maio de 2007, em Leipzig (CdR 163/2007 EN-EP/hlm, 9 págs.).
Nota da edição: embora os artigos editados na revista Infohabitar sejam previamente avaliados e editorialmente trabalhados pela edição da revista, eles respeitam, ao máximo, o aspecto formal e o conteúdo que são propostos, inicialmente pelos respectivos autores, sublinhando-se que as matérias editadas se referem, apenas, aos pontos de vista, perspectivas e mesmo opiniões específicas dos respectivos autores sobre essas temáticas, não correspondendo a qualquer tomada de posição da edição da revista sobre esses assuntos.
Infohabitar, Ano VI, n.º 303
Infohabitar a Revista do Grupo Habitar
Editor: António Baptista Coelho
Edição de José Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte, 4 de Julho de 2010

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