sábado, abril 09, 2011

341 - A privacidade arquitectónica no habitar - I - Infohabitar 341

Infohabitar, Ano VII, n.º 341

Novos comentários sobre a qualidade arquitectónica residencial

Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XI: A privacidade arquitectónica no habitar - I

Artigo de António Baptista Coelho


Informações:


Lembra-se a sessão que terá lugar na Biblioteca do LNEC, no dia 13 de Abril, pelas 15h 00, sobre a temática da "Ventilação e da qualidade do ar interior", integrando a apresentação do n.º 06 da Série do LNEC, Cadernos Edifícios, pelo seu coordenador editorial, o Investigador do LNEC Eng.º João Viegas e contando com duas palestras, uma pelo Investigador do LNEC Eng.º Jorge Gil Saraiva, e a outra pelo Professor Doutor Arq.º Vasco Moreira Rato, Director do Departamento de Arquitectura e Urbanismo (DAU) do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa (IUL) - entrada livre, limitada à capacidade da sala.

Para mais informações sobte esta sessão basta consultar a edição n.º 340 desta revista, acessível aqui bem próximo.


Nota prévia à presente edição:

Retomando uma série editorial cujo último “capítulo”, sobre a convivialidade arquitectónica residencial, foi editado, há algumas semanas, com os n.ºs 337 e 338 deste Infohabitar, publicam-se agora e serão publuicada na ppróxima semana algumas reflexões sobre a matéria da PRIVACIDADE arquitectónica residencial - numa perspectiva naturalmente aberta ao desenvolvimento dessa reflexão.

Introdução geral

Nas páginas seguintes apontam-se alguns aspectos que têm sido sistematicamente ponderados, na sequência da aplicação dos conceitos ligados aos diversos rumos de qualidade arquitectónica residencial. Não se trata, assim, da sua respectiva e clarificada estruturação, mas apenas da sua ponderação cuidada, considerando, essencialmente, os anos de prática de análise, que já decorreram desde a sua formulação inicial, realizada num estudo do Núcleo de Arquitectura e Urbanismo do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, apresentado e discutido numa prova de doutoramento em Arquitectura que teve lugar na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto em 1995, e posteriormente editado pela Livraria do LNEC (ver Fig. 01).

É sempre possível entrar no Infohabitar e aceder, de imediato, ao respectivo catálogo interactivo, onde uma das categorias agrupa todos os artigos dedicados à temática da Melhor Habitação com Melhor Arquitectura (no total serão cerca de 18, sendo 15 sobre as 15 qualidade qualidades consideradas, um de introdução, um de conclusão genérica e outro de conclusão sintetizada e de temas de continuidade).

Regista-se, em seguida, o plano editorial previsto no Infohabitar, que, repete-se, será, descontínuo, alternado por outras edições e realizado à medida da elaboração dos respectivos artigos (a bold os temas já editados):
Infohabitar n.º 290 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura I: Introdução

A matéria da relação e do contacto entre espaços e ambientes é tratada em termos de aspectos de:

Infohabitar n.º 291 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura II: Acessibilidade - facilidade na aproximação ou no trato e desenvolvimento de continuidades naturais por prolongamentos e múltiplas ligações.

Infohabitar n.º 295 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura III: Comunicabilidade - a qualidade daquilo que está ligado ou que tem correspondência ou contacto físico ou visual.

A matéria da caracterização adequação de espaços e ambientes é tratada em termos de aspectos de:

Infohabitar n.º 297 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura IV: Espaciosidade – referida, tanto aos espaços que são extensos e amplos como aos que apresentam desafogo nas suas envolventes.

Infohabitar n.º 316 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura V: Capacidade – que designa e qualifica o âmbito interior (dentro dos limites) ou a aptidão geral, espacial e ambiental, de qualquer elemento residencial.

Infohabitar n.º 318 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura VI: Funcionalidade – referida ao adequado desempenho das várias funções e actividades residenciais.

A matéria do conforto espacial e ambiental é tratada em termos de aspectos de:

Infohabitar n.º 319 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura VII: Agradabilidade – referida ao desenvolvimento de condições de conforto, bem-estar e comodidade, nos espaços e ambientes residenciais.

Infohabitar n.º 323 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura VIII: Durabilidade – qualidade do que dura muito ou, melhor, do que pode durar muito e em excelentes condições de manutenção.

Infohabitar n.º 332 e n.º 333 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura IX: Segurança – o acto ou efeito de tornar seguro, prevenir perigos, (tranquilizar).

A matéria da interacção social e da expressão individual é tratada em termos de aspectos de:

Infohabitar n.º 337 e n.º 338 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura X: A convivialidade no habitar e no espaço urbano – referida ao viver em comum, ao ter familiaridade e camaradagem, à entreajuda natural ou sociabilidade entre vizinhos.

Infohabitar n.º 341 e n.º 342 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XI: Privacidade – referida à intimidade e capacidade de privança oferecida por um dado espaço num dado ambiente.

A matéria da participação, identificação e regulação é tratada em termos de aspectos de:

Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XII: Adaptabilidade – referida à versatilidade e ao que se pode acomodar e consequentemente apropriar.

Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XIII: Apropriação – referida à capacidade de identificação, à acção de "tomar de propriedade", tornando próprio e a si adaptado.

A matéria do “aspecto” e da coerência espacial e ambiental é tratada em termos de aspectos de:

Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XIV: Atractividade - a capacidade de dinamizar e polarizar a atenção.

Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XV: Domesticidade – referida à expressão mais pública ou doméstica do carácter residencial.

Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XVI: Integração – que é a integração ou integridade de um contexto, e de uma totalidade onde não falta nem um elemento de conteúdo e de relação.

Salienta-se ser possível aprofundar estas matérias num estudo editado pela livraria do LNEC - intitulado " Qualidade Arquitectónica Residencial - Rumos e factores de análise" - n.º 8 da colecção Informação Técnica Arquitectura, ITA 8 - que contém um desenvolvimento sistemático dos rumos e factores gerais de análise da qualidade arquitectónica residencial, que se devem constituir em objectivos de programa e que correspondem à definição de características funcionais, ambientais, sociais e de aspecto geral a satisfazer para que se atinja um elevado nível de qualidade nos espaços exteriores e interiores do habitat humano.

Fig. 01: capa da edição do LNEC " Qualidade Arquitectónica Residencial - Rumos e factores de análise" - ITA 8, Referindo-se, em seguida, o respectivo link para a Livraria do LNEC

http://livraria.lnec.pt/php/livro_ficha.php?cod_edicao=52319.php

Sublinha-se, no entanto, que a abordagem que se faz, em seguida, às matérias da convivialidade, enquanto qualidade arquitectónica residencial e urbana, corresponde ao revisitar do tema, passados cerca de 15 anos do seu primeiro desenvolvimento, e numa perspectiva autónoma, mais pessoal, mais marcada pela prática e razoavelmente distinta, relativamente a essa primeira abordagem.

Refere-se, ainda, que em complemento a esta abordagem qualitativa do arquitectura residencial, o autor desenvolveu uma abordagem dos diversos níveis físicos do habitat e as suas relações mais importantes: envolvente da área residencial, vizinhança alargada, vizinhança próxima, edifício residencial, habitação e espaços e compartimentos habitacionais.

Fig. 02: capa da edição do LNEC "Do bairro e da vizinhança à habitação" - ITA 2, referindo-se, em seguida, o respectivo link para a Livraria do LNEC

http://livraria.lnec.pt/php/livro_ficha.php?cod_edicao=53085.php


NOTA IMPORTANTE: POR SE TRATAR DE UM ARTIGO COM MAIS DE 20 PÁGINAS FOI DIVIDIDO EM DUAS PARTES E SERÁ EDITADO ESTA SEMANA E NA PRÓXIMA, JUNTANDO-SE UM ÍNDICE PARA ORIENTAÇÃO: A BOLD/NEGRITO A PARTE DO ARTIGO EDITADA ESTA SEMANA.



Habitação e Arquitectura XI: A privacidade arquitectónica no habitar- Parte I

Índice

1 - Entre privacidade e convivialidade, um equilíbrio vital


2 - Sobre a natureza da privacidade arquitectónica residencial


3 - A estruturação da privacidade: velhas e novas ideias


4 - A privacidade, da habitação, à vizinhança e ao bairro


5 - A privacidade arquitectónica residencial ao nível urbano: como base de concepção tipológica habitacional

6 - A privacidade nos espaços domésticos e edificados versus a espaciosidade nos espaços públicos

6.1 - A privacidade nos espaços públicos

6.2 - A privacidade na vizinhança de proximidade e na relação desta com os edifícios

6.3 - A privacidade nos espaços edificados

6.4 - A privacidade nas habitações

7 - Carácter e importância específica da privacidade

8 - Notas de reflexão e para desenvolvimento sobre a privacidade arquitectónica residencial


Fig. 03

Privacidade Arquitectónica Residencial

1 - Entre privacidade e convivialidade, um equilíbrio vital

Tal como se referiu, quando se abordaram os aspectos ligados ao convívio, a privacidade e a convivialidade são, no meio residencial e urbano, faces da mesma moeda, e assim pode dizer-se que, numa perspectiva de essencial conjugação, embora diferentemente matizada consoante os níveis físicos (da habitação à cidade), o “novelo” qualitativo integrado pela convivialidade e pela privacidade é responsável pelo expressivo desenvolvimento de adequadas condições residenciais de interacção social e expressão individual.


Fig. 04

2 - Sobre a natureza da privacidade arquitectónica residencial

Muito provavelmente a privacidade é uma das qualidades básicas e mais estruturantes do habitar, considerando nós que a “invenção” da privavcidade terá partido de um sentido de marcação territorial ligada a uma possibilidade de estar em família em adequadas condições de segurança e de bem-estar, pois, afinal, a privacidade é a qualidade do que é íntimo e próprio de um dado grupo de pessoas e, muito frequentemente, de um dado agregado familiar.

E salienta-se, desde já, que privacidade é uma qualidade que se exercita no habitar, seja mediante a capacidade de exclusividade e de identidade, que é oferecida por um dado espaço ou conjunto de espaços domésticos num dado ambiente, seja através de um conjunto de barreiras, filtros, transições, ligações visuais e passagens, entre esses espaços de privacidade e os outros territórios do habitar, que são mais de vizinhança ou mesmo claramente públicos; numa relação que poderá ajudar a explicar a razão de em certos “bairros dormitórios” a privacidade doméstica poder assumir até, por vezes, um sentido quase negativo, associado à percepção de uma falta crítica de vida urbana e a um certo sentido de desterro e de isolamento doloroso.

E assim podemos afirmar que ter privacidade no recanto ou compartimento pessoal é uma necessidade fundamental, que se prolonga por idêntica exigência em cada um dos outros espaços domésticos, e depois por uma gradação de privacidades de grupo caracterizando o edifício, o espaço de vizinhança de proximidade – por exemplo o quarteirão – e, até, o pequeno bairro caracterizadamente residencial, sossegado e intimista onde muitos desejariam morar, desde que contíguo a zonas urbanas vivas e diversificadas. Tem tudo a ver com a intimidade, a interioridade e a auto-afirmação de indivíduos e, por vezes, de grupos.

Podemos referir que a privacidade será, provavelmente, tão importante como a convivialidade na construção de um espaço urbano habitado muito positivo, pois afinal a privacidade doméstica é também uma das fundações dos diversos níveis de urbanidade e proximidade, tal como defendem Chermayeff e Alexander (1), quando apontam que: “Acima de todos os outros um elemento precioso da vida de outrora está em risco de extinção: a intimidade, essa maravilhosa combinação de afastamento, confiança em si próprio, solidão, calma, contemplação e concentração” (p. 23)... Uma forma urbana que tomasse em conta correctamente todas as condicionantes e tensões da nossa época seria capaz de manter uma vida equilibrada, que eliminaria grande parte do desejo de evasão” (p. 35).


Fig. 05

3 - A estruturação da privacidade: velhas e novas ideias

Entre os aspectos que estruturam a privacidade arquitectónica residencial, salientam-se os seguintes:

• Caracterização do lugar e sua significação, designadamente, em termos de: características específicas do lugar, sentido humano e citadino de cada lugar e significado do lugar.

• Relações humanas, por: regulação das distâncias inter-pessoais; e relação espacial no grupo potencial que habita o lugar, considerando-se os diferentes quadros de vida necessariamente existentes – do quadro citadino, ao de vizinhança e ao doméstico.

• Desenvolvimento do espaço pessoal: seja em aspectos básicos de provisão de espaço quantitativamente adequado (claramente acima dos níveis de espaciosidade associados a problemas de saúde), seja no que se refere a uma espaciosidade interior que seja veículo de caracterização sociocultural e etária.

A privacidade tem aplicação intensa e extensa ao nível dos espaços domésticos e da própria caracterização doméstica (domesticidade), constituindo-se como elemento estruturador dos outros níveis físicos mais urbanos.

Estas matérias parecem poder estruturar-se em duas partes fundamentais: um nível urbano, de espaço privado (por exemplo, quintais e pátios, mais, ou menos, encerrados) e de gradações de “sugestão” de intimidade marcando determinadas partes dos espaços de vizinhança e mesmo de pequenas parcelas e “recantos” de espaços assumidamente públicos, como elementos estruturadores de continuidades caracterizadoras de determinadas zonas públicas; e um nível doméstico, onde se identificam, designadamente, as relações de espaciosidade e funcionalidade dia/noite, a progressão de graus de intimidade, a diferenciação de zonas em casos mulfifamiliares e a delimitação de zonas e de graus de privacidade.

Uma terceira parte do habitar, também marcado pelas relações de privacidade, embora de formas talvez mais subtis, é o próprio edifício habitacional multifamiliar, onde é possível e desejável diversificar os respectivos conteúdos em termos de expressão da privacidade doméstica, de cada habitação, e mesmo da relativa “privacidade” de grupo que se pode associar a determinados agregados de habitações e habitantes. Esta é uma matéria com grande potencial de criatividade, lembrando-se, aqui, apenas a título de exemplos significativos, as simples soluções de relação quase directa entre habitações e espaço público, assim como as soluções de reforço da presença do espaço comum do edifício, mas atribuindo-lhe um carácter e um sentido de dignidade e de pormenorização directamente associados a uma expansão, em continuidade, dos respectivos e contíguos espaços domésticos; e também será possível levar um forte sentido de espaço público a espaços comuns de grandes edifícios, reduzindo-se, assim, visual e estrategicamente, a conotação residencial de partes desses edifícios.

Pode-se chegar, assim, com alguma e essencial naturalidade se privilegiarmos uma positiva e evidenciada qualidade de concepção arquitectónica (pois estamos a cruzar matérias muito sensíveis), ao desenvolvimento de “novos” tipos de espaços e de escalas de habitar, salientando-se aquelas soluções em que a casa será pólo de comunicação com o mundo, proporcionando o fundamental “lastro” de confiança e de espaço bem conhecido numa cidade que comece a funcionar um pouco como a extensão do espaço doméstico, podendo este espaço, numa espécie de sinal contrário ou de estimulante vice-versa, assumir sentidos “públicos” parciais pouco verosímeis há poucos anos, por exemplo numa perspectiva corrente de trabalho profissional em casa, condição esta que acarreta fortes implicações no embeber da privacidade e da “convivialidade” ou mesmo “publicidade” (no sentido de recepção de público) na concepção doméstica.


Fig. 06


4 - A privacidade, da habitação, à vizinhança e ao bairro

A privacidade numa perspectiva arquitectónica e residencial qualifica o que é particular e favorito de uma pessoa ou de um dado grupo (mais ou menos restrito) de pessoas que convivem ou tratam de perto, mais ou menos íntima e frequentemente, de acordo, essencialmente, com a natureza e a dimensão desse grupo.

Qualifica também, tanto a apropriação de um dado espaço/ambiente (o tornar próprio e peculiar), como o consequente e natural desenvolvimento de relações profundas e cordiais (de grande afeição) entre os membros do grupo e/ou com o espaço ou elemento que é cenário ou "motor" dessa privança.

A privacidade tem, também, muito a ver, tanto com sentimentos de protecção pessoal e de marcação territorial, como com a defesa e a afirmação da individualidade pessoal (expressão individual) e do carácter do grupo.

Concretiza-se, frequentemente, por oposição simples às características qualitativas do que é público, através do desenvolvimento, tanto do afastamento, como de barreiras em relação ao "resto do mundo".

Mas a privacidade no habitar não pode ser uma receita que se aplica, sempre de uma mesma forma, aos espaços interiores domésticos, pois estes também têm de ser conviviais e estarem selectivamente abertos à vizinhança e à cidade, assim como esta mesma cidade tem de ser selectivamente privatizada, em espaços de convizinhança e em recantos públicos marcados pela intimidade.

Sublinha-se, assim, a relevância de uma cuidadosa e diversificada privatização dos espaços urbanos predominantemente residenciais, e regista-se que, tal como escreveu Rapoport (1977) “a habitação e as suas envolventes são regiões privadas por excelência contrastando com a natureza pública da cidadania como uma totalidade, o Bairro se existe proporciona-nos um elemento mediatizador: semi-público, semi-privado, etc. Se estes elementos falham, o sistema pode falhar. Qualquer cidade pode ser considerada como uma selecção de subsistemas com vários graus de publicidade e privacidade, frontalidade/posterioridade e separados por diversas barreiras e mecanismos… Domínio privado, variável; transições, semipúblico e semiprivado, muito variáveis; domínio público medianamente variável.”(2)


Fig. 07

5 - A privacidade arquitectónica residencial ao nível urbano: como base de concepção tipológica habitacional

A privacidade é um factor muito importante na construção de uma estimulante diversidade tipológica em termos de ofertas de soluções habitacionais, variadamente conjugadas com o espaço urbano.

Nestas matérias tipológicas residenciais e urbanas, e considerando a perspectiva do desenvolvimento de uma ponderada humanização das soluções do habitar, háverá, pelo menos, cinco grandes linhas a desenvolver, nessa perspectiva de conformação e oferta de variadas condições de privacidade, que se apontam, em seguida:

(i) Uma linha de pequenas tipologias, que não excedam o T1 (ex., t0 e t1), com um dimensionamento diversificado, destinada a um segmento de pessoas que vivam sós, ou em casais, que privilegiem uma localização central e a eventual existência de um variado menu de serviços e equipamentos comuns.

Esta é uma opção em que as relações de privacidade marcadamente urbanas são reduzidas, pois a privacidade aqui será delimitada a uma marcação das unidades dentro do sistema “multifamiliar”, ou mesmo assumidamente “comum”, embora tais estruturas devam ser adequadamente caracterizadas em termos de uma “privacidade” comum, que caracterize do conjunto de unidades privadas e as suas zonas e instalações partilhadas, marcando-o como um verdadeiro “sítio de habitar” e, tal como numa habitação, abrindo-o, “pontualmente” aos visitantes e tratando-os com a devida amabilidade e até alguma positiva/diga “cerimónia”.

Em alternativa a este afirmado sentido “comunitário”, ou, eventualmente, a ele associado, poderemos optar por uma estrutura mais “hoteleira”, caracterizadamente “anónima” nos seus espaços comuns e expressivamente aberta ao público, reservando-se, assim, o sentido de privacidade para as unidades habitacionais e podendo prolongar-se, até, um certo sentido de “espaço aberto/quase público” até aos próprios acessos privavtivos às diversas unidades habitacionais, isto para se evidenciar o sentido de autonomia de vivência em cada uma destas unidades.

(ii) Uma linha dos fogos considerados correntes, integrados em edifícios multifamiliares, mas que também possam dispor de um leque de serviços e equipamentos comuns – o exemplo da habitação nas grandes metrópoles brasileiras é significativo a este nível, sendo, pelo menos um piso geral globalmente dedicado para este tipo de serviços (ex., pequeno ginásio, salão de festas, sala de jogos, pequena piscina, sauna, etc.).

Aqui há um manejar das condições de privacidade residencial que só ganhará com uma abertura condicionada, mas muito franca, dos referidos espaços e equipamentos comuns aos residentes e a quem venha de fora, naturalmente, a convite dos próprios habitantes; e uma tal condição obriga a uma localização e caracterização específica destas instalações.

Mas o tratar a privacidade nestes edifícios multifamiliares “correntes”, passa por uma conformação/pormenorização dos respectivos espaços comuns, que, basicamente, procure conciliar o quadro multifamiliar com a presença específica de cada habitação, designadamente, em termos da expressão dos seus vãos de porta e de janela e do respectivo enquadramento de pormenor, incluindo os elementos e aspectos de identificação, apropriação e orientação, que para além de serem matéria de apropriação, têm de ser veículo de um equilibrado sentido de privacidade e presença doméstica; e é importante que esta sentido tenha algum reflexo urbano.

Naturalmente que o que aqui foi referido terá de reflectir a dimensão do edifício, sendo bem diferente num conjunto de seis habitações ou num conglomerado de 100 fogos, mas talvez neste último continue a ser vital o sentido de privacidade e intimidade que cada unidade habitacional possa transmitir no uso dos respectivos espaços comuns; e mesmo quando começamos a misturar habitação e outros tipos de usos ligados, designadamente, ao trabalho/escritório em casa, esse sentido de privacidade continua a ter toda a razão de ser, provavelmente agora um pouco transmutado em termos de expressão de uma dada identidade específica, harmonizada num quadro comum ambiental e funcional.

(iii) Uma linha que privilegia a habitação individualizada, mas que poderá variar em múltiplos matizes de individualização, com eventuais ganhos funcionais e de densificação e localização urbana, e que, naturalmente, também poderá dispor de um eventual leque de serviços e equipamentos comuns.

Estaremos aqui no principal núcleo de expressão potencialmente evidenciada de privacidade, provavelmente ligada a um forte sentido de identidade e de apropriação; de certa forma trata-se da principal razão de ser deste tipo de habitação: o sentido de privacidade clara e total, o “a minha casa é o meu castelo”, tantas vezes com imagens e “muralhas” de castelo. E sobre isto não se desenvolvem aqui mais comentários.

No entanto, aponta-se, aqui, a possibilidade que há de associar a um equilibrado, embora forte, sentido de privacidade e identidade, que marque soluções unifamiliares, com satisfação de muitos dos seus habitantes, um sentido de integração numa mesma unidade residencial e urbana, sem grandes perdas nesse carácter e com grandes ganhos num evidente reforço do sentido do lugar e de agradável e evidenciada expressão residencial, para além de se poderem obter excelentes acréscimos de funcionalidade e de disponibilidade em termos de apoios e serviços, que numa base exclusivamente individual seriam muito difíceis de garantir.

Em termos de uma tipologia que serve globalmente tais objectivos devemos apontar a “velha” e boa “casa-pátio”, que oferece grandes vantagens em termos de privacidade, expressão individualizada de programas específicos e capacidade de agregação entre várias habitações, enquanto em termos urbanos disponibiliza uma apelativa imagem de conjunto, interessantes resultados formais e volumétricos e uma excelente capacidade de integração de habitações com variados tipos de desenvolvimentos espaciais, sendo, ainda, uma excelente solução de agregação de diversas tipologias: unifamiliares, bifamiliares e pequenos multifamiliares com acessos directos ao espaço público.

(iv) Uma linha intermédia entre as tipologias multifamiliar e individualizada/unifamiliar, que aproveite e desenvolva muitas das ricas potencialidades formais/e de escala, funcionais, conviviais e de integração urbana e paisagística destas tipologias intermédias.

De certa forma nesta matéria, assim como temos casos em que o unifamiliar, não o deixando de ser ganha, uma riquíssimo carácter colectivo e também globalmente integrado (por exemplo, no caso do Sea Ranch, por Cherles Moore), temos, com um sentido relativamente oposto, soluções multifamiliares, que não o deixando de ser, ganham um riquíssimo carácter individualizado/humanizado e dinamizado, associado a um certo carácter habitualmente associado a soluções unifamiliares caracterizadamente privatizadas e como tal identificadas (e o próprio Charles Moore tem exemplos deste tipo); note-se que se focou aqui um único gabinete projectista, essencialmente para evidenciar que estamos a tratar de matérias que são claramente manejáveis em termos de concepção residencial, arquitectónica e urbana.

Registaram-se, aqui, casos de unifamiliares com algum carácter comum e de multifamiliares com expressivo carácter privado, e de certa forma podemos considerar que é por esta via de miscigenação de características funcionais e formais, que poderemos ir reinventando as soluções habitacionais de transição entre uni e multifamiliar; considerando-se, portanto, que é o manejar do sentido de privacidade, seja em termos funcionais (ex., acesso doméstico privado directo, ou quase directo ao espaço público), seja em termos de imagens expressivamente associadas a mundos domésticos privados, que será em boa parte possível o desenvolvimento dessas soluções de transição ou intermediárias entre o uni e o multifamiliar, que na prática serão sempre “pequenas” tipologias multifamiliares razoavelmente inovadoras .

(v) Podemos ainda referir uma linha tipológica de habitação assistida (e com variados níveis de assistência), que, um pouco ao contrário das tipologias que acabaram de ser referidas, privilegie um muito completo menu de serviços e equipamentos comuns e cujas unidades ofereçam um leque de diversas condições de integração urbana e paisagística; linha esta que só ganhará em caracterização e urbanidade se conseguir implantar-se como uma verdadeira tipologia do habitar, sem quaisquer “marcas” negativamente assistenciais – portanto, numa perspectiva de natural integração de uma grande variedade de serviços, que, eventualmente, poderão chegar à disponibilização de um nível elevado de apoio diário e de saúde.

Nesta última perspectiva que visa integrar a assistência e o equipamento social com um habitar verdadeiramente satisfatório em termos domésticos e de integração vicinal e urbana é também de grande importância o cuidadoso manejar de uma caracterização de privacidade “comum” ou de grupo e de uma privacidade pessoal de cada pessoa no “seu” espaço mais privado e caracterizado, que se possa constituir numa marca de “habitar” que suplante o corrente e predominante sentido assistencial, “anónimo” e pouco afectuoso de muitas estruturas deste tipo já existentes.

Notas:

(1) Serge Chermayeff e Christopher Alexander, “ Intimité et Vie Communautaire – vers un nouvel humanisme architectural “, 1972 (1963).

(2) Amos Rapoport, “Aspectos humanos de la forma urbana – Hacia una confrontación de las Ciências Sociales com el diseño de la forma urbana”,1978 (1977), p. 265.



Notas editoriais:


(i) A edição dos artigos no âmbito do blogger exige um conjunto de procedimentos que tornam difícil a revisão final editorial designadamente em termos de marcações a bold/negrito e em itálico; pelo que eventuais imperfeições editoriais deste tipo são, por regra, da responsabilidade da edição do Infohabitar, pois, designadamente, no caso de artigos longos uma edição mais perfeita exigiria um esforço editorial difícil de garantir considerando o ritmo semanal de edição do Infohabitar.


(ii) Por razões idênticas às que acabaram de ser referidas certas simbologias e certos pormenores editoriais têm de ser simplificados e/ou passados a texto corrido para edição no blogger.


(iii) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.





Infohabitar a Revista do Grupo Habitar


Editor: António Baptista Coelho


Edição de José Baptista Coelho


Lisboa, Encarnação - Olivais Norte


Infohabitar, Ano VII, n.º 341, 9 de Abril de 2011

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