sábado, novembro 24, 2012

417 - RUAS VIVAS: ELEMENTOS QUE FAZEM A CIDADE - Infohabitar 417

Infohabitar, Ano VIII, n.º 417



Muito provavelmente a edição da semana que vem do Infohabitar será reservada a novidades relativas à evolução da preparação do 2.º CIHEL, cujas comunicações têm chegado a bom ritmo, e a novos e importantes apoios a este Congresso. Já há dias que ultrapassámos as 100 comunicações completas entregues e está na altura de se pensar nos convites para as palestras, que irão marcar o final da tarde do Congresso.

A Comissão Organizadora do 2.º CIHEL



RUAS VIVAS: ELEMENTOS QUE FAZEM A CIDADE
Artigo XXVI da Série habitar e viver melhor
António Baptista Coelho

Disse Jaime Lerner, arquitecto que foi prefeito de Curitiba, uma grande cidade do sul do Brasil onde dinamizou um leque amplo de medidas de re-humanização e de sustentabilidade urbana e ambiental (1), que “até agora não se inventou nada melhor do que uma rua tradicional, que é a síntese de uma cidade onde todas as funções estão juntas: moradia, trabalho, lazer...”


Jaime Lerner fala-nos da cidade habitada, da cidade física que acumula, numa simples rua tradicional, aspectos tão valiosos como a síntese de funções e actividades que se aponta em seguida: a habitação diversificada; um leque de postos de trabalho; uma grande variedade de possibilidades de lazer, desde por exemplo o passear nos passeios (flanar), ao estar numa esplanada a cavaquear, ao jantar num restaurante, ali, mesmo sobre o passeio, ao ir ver um filme num cinema/estúdio; o ensino e a formação numa escola ou colégio integrados na continuidade da rua, como costumava ser; o comércio diário e ocasional, desenvolvido, também, numa verdadeira perspectiva convivial; a cultura ali, logo, seja numa pequena galeria de arte, seja na banca de uma livraria “de bairro”; a facilidade de uma consulta médica também num andar da mesma rua; e poderemos continuar a desfiar estas contas de uma rua citadina bem habitada e verdadeiramente convivial, pois é nestas ruas que passa o principal fluxo de sangue arterial de uma cidade viva e que vale a pena.


Nada desta mistura rica de actividades, ambientes e pessoas, perdeu alguma viabilidade ou algum sentido nesta nossa nova época de megacidades e de economia globalizada e pontuada por grandes áreas de serviços automobilizadas. E quem tenha alguma dúvida sobre esta realidade bastará viver um pouco uma daquelas ruas bem vivas de um daqueles bairros bem vivos, que, felizmente, ainda marcam as nossas cidades, para interiorizar a importância que tem e que terá este fazer cidade com ruas vivas.


E só desta forma, com ruas assim, vivas e estimulantes, a cidade se poderá cumprir como “refúgio da solidariedade, nossa garantia e salvaguarda”, novamente palavras de Jaime Lerner na mesma entrevista, afinal um papel que assume uma importância renovada e muito especial em tempos de crise.



Fig. 1

Mas fazer cidade humanizada, porque marcada por ruas vivas e solidárias, não é, hoje em dia, um objectivo simples. Todos sabemos disso, porque todos conhecemos muitas ruas, que de ruas quase só têm o nome na placa toponímica, quando a têm. São ruas sem continuidade urbana, sem habitação vitalizadora, sem actividades diversificadas, sem ligações activa à cidade viva e sem uma escala formal e funcional que esteja, verdadeiramente, ao serviço do homem a pé, e de uma comunidade humana local, pelo menos, minimamente solidária e naturalmente convivial.

E é tão grave e, realmente, tão estranho este facto, desta ausência de ruas que sejam amigas do homem e sítios de cidadania, que, começa a haver um número crescente de estudiosos, técnicos e organizações técnicas e científicas (2) que se dedicam à redescoberta da cidade e da rua citadina como sítio que, antes de circuito para automóveis, foi e tem de voltar a ser sítio de homens a pé, sítio de convívio e local de vida urbana positiva. E, desde já se esclarece, que aqui não se está a voltar a seguir a perspectiva, que teve alguns amargos frutos, de uma pedonalização solta da vida urbana, mas sim um privilegiar consistente e vitalizado do uso da cidade pelo homem, servindo-se, funcionalmente, do automóvel e de todos os outros meios, com destaque para os transportes públicos amigos do ambiente, que sejam factores aliados para uma fundamental (re)vitalização urbana.


E nesta matéria parece oportuno citar Nuno Portas (3), quando referiu que: “nem uma cidade de comunidades, hoje, substitui a metrópole, nem a metrópole,... pode passar sem os outros níveis de relação que não são os bairros transformados em equivalentes a aldeias tradicionais... a cidade não é mais igual, não pode ser igual. ... A procura é diversa. A procura cultural é diversificada, não há consenso no modelo para fazer isso. Por isso é que me parece estratégico falar no espaço comum. Tentar encontrar mais depressa o consenso sobre o espaço comum, em vez de ter uma grande preocupação sobre o consenso quanto ao edificado".


Um consenso sobre o espaço comum, que pode ser um consenso sobre os aspectos fundamentais de uma rua viva e solidária, e, já agora, uma rua bem desenhada e estruturada, pois, tal como disse, há muitos anos, Etienne de Gröer: "Avenidas que não conduzem a nada e cuja grande largura não corresponde a nenhuma função são sempre desertos cheios de poeira" (4).


E o mesmo Gröer considerava uma rua enfadonha se durante uma extensão maior do que 500m não houver nenhuma mutação (largura, direcção, altura dos edifícios); e sobretudo se a rua não estiver guarnecida por árvores ou jardins frontais (5); e repare-se na riqueza da paisagem urbana que assim se pode atingir.



Fig. 2

Numa fundamental redescoberta do fazer um espaço público e uma rua com vida, atractividade e qualidade cultural, que é o mínimo que há que fazer, importa ter o máximo cuidado para não laborar em erros, que podem ser críticos, sendo fundamental que, num primeiro nível de exigência, se assegurem as melhores condições de continuidade e vitalidade nos percursos pedonais estruturadores; condições estas que se ligam à dinamização de rirmos de percurso, sugeridos nos pavimentos e nas próprias fachadas urbanas que acompanham esses percursos (6).

Os percursos pedonais têm exigências funcionais bastante rigorosas, quando se deseja obter a sua máxima vitalização (7), e importa favorecer a sua estratégica articulação com os fluxos de veículos, considerando-se fundamental que nas vizinhanças residenciais seja instituída uma predominância do peão, embora tirando-se o máximo partido das funcionalidades ligadas aos veículos, por exemplo através de ruas e pracetas com tráfego "banalizado", portanto, misto (peões e veículos), caracterizadas por uma forte variação das características funcionais dos perfis transversais, nomeadamente, no caso das faixas de circulação de veículos, obrigando-os a frequentes manobras a baixa velocidade, para além de serem desenvolvidas apenas pequenas bolsas de estacionamento, e tudo isto num quadro de prioridade pedonal.


Todas estas condições são verdadeiramente estruturantes na criação de espaços de vizinhança residencial marcados pela agradabilidade nos seus mais diversos aspectos – desde a reduzida presença visual dos veículos ao sossego e naturalmente à segurança pedonal e rodoviária; considerando-se que estas condições serão, consequentemente, geradoras de mais satisfação com o sítio que se habita.


Há, no entanto, que referir que ao subirmos no jogo da cidade para espaços e sítios específicos onde a habitação se caldeia e se agrega, com benefícios mútuos, com outras actividades do habitar a cidade, como lojas e serviços, há que ter muito cuidado com a prioridade ao peão, julgando-se ser preferível que aqui ela se “refugie”, quer em passeios largos, quer numa estrutura “clássica” ortogonal de vias frequentemente marcadas por passadeiras, quer numa relação intensa com um leque o mais possível amplo de transportes públicos. Desta forma se garantirá, simultaneamente, segurança e vitalização pedonal e, consequentemente, teremos os principais ingredientes para as desejadas ruas vivas.


Jane Jacobs abordou várias matérias essenciais para esta desejada harmonização de tráfegos, numa perspectiva de cidade vitalizada (8), destacando-se aqui, apenas, algumas suas afirmações, que não precisam de comentários:. “a separação entre peões e veículos só é possível contando-se com a redução estrondosa do número de veículos nas cidades, de contrário os estacionamentos, as garagens e as vias de acesso à volta das zonas pedonais … seriam medidas de desintegração e não de recuperação urbana” (p.383);

. “a vida atrai a vida, a separação dos pedestres não pode ser capricho (p.388);
. “ocorre pressão (positiva) sobre os automóveis quando se criam condições (de acalmia de tráfego) menos favoráveis para eles... a redução de automóveis tem de ser medida de base, mas ligada ao estímulo do uso do transporte público, e a pressão da cidade sobre o automóvel não pode ser arbitrária nem negativa e tem de ser uma medida gradual e com um amplo tempo de aplicação” (p.404);
. e, finalmente, “(mais do que zonas pedonais) calçadas largas são imprescindíveis… filas duplas de árvores… (p.405).



Notas:


(1) Rui Barreiros Duarte (entrevistador), “Acupunctura urbana – entrevista com Jaime Lerner”, Arquitectura e Vida, n.º 39, 2003, pp. 38 e 43.


(2) Por O Project for Public Spaces é uma organização não lucrativa de apoio técnico que já ultrapassou 30 anos de actividade, que apoia espaços públicos indutores de convívio sustentado e de espírito comunitário. A forma de actuação do PPS implica os moradores e utentes na (re)criação de uma dada visão dos sítios de vida comunitária, numa perspectiva de melhorias faseadas. A actuação do PPS baseia-se nas metodologias desenvolvidas por William White e designadamente numa cuidada e sistemática documentação da vida local, procurando envolver o mais possível os protagonistas locais.


(3) Nuno Portas, in "Colóquio Viver (n)a Cidade", LNEC, ISCTE, Comunicações, p. 9.


(4) Etienne de Groer, "Introdução ao Urbanismo", p. 61.


(5) Etienne de Groer, "Introdução ao Urbanismo", p. 65.


(6) Christian Norberg-Schulz, "Habiter", p. 25.


(7) As exigências fundamentais de caminhos pedonais são as seguintes (M. A. Boyer, in "Espaces Extérieurs Urbains, Rencontres du Centre de Recherche d'Urbanisme", J. P. Muret (Coord.), pp. 171 e 172): distância mais curta entre dois pontos, do que usando veículo particular; tempo de percurso inferior a 10 minutos em zona de actividades densa; continuidade urbana máxima; piso confortável e bem iluminado à noite; marcação de "unidades de percurso", dividindo o caminho em unidades mais curtas, que podem variar entre 50 e 150m, conforme a inclinação seja, respectivamente, forte ou praticamente nula.


(8) Jane Jacobs, “Morte e vida das grandes cidades” , trad. Carlos Mendes Rosa, 2001 (1961).






Notas editoriais:


(i) A edição dos artigos no âmbito do blogger exige um conjunto de procedimentos que tornam difícil a revisão final editorial designadamente em termos de marcações a bold/negrito e em itálico; pelo que eventuais imperfeições editoriais deste tipo são, por regra, da responsabilidade da edição do Infohabitar, pois, designadamente, no caso de artigos longos uma edição mais perfeita exigiria um esforço editorial difícil de garantir considerando o ritmo semanal de edição do Infohabitar.


(ii) Por razões idênticas às que acabaram de ser referidas certas simbologias e certos pormenores editoriais têm de ser simplificados e/ou passados a texto corrido para edição no blogger.


(iii) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.






Infohabitar a Revista do Grupo Habitar


Infohabitar, Ano VIII, n.º 417


Artigo XXVI da Série habitar e viver melhor


Editor: António Baptista Coelho


Edição de José Baptista Coelho


Lisboa, Encarnação - Olivais Norte


sexta-feira, novembro 16, 2012

416 - Em memória do Engº Licínio Cantarino de Carvalho - Infohabitar 416


Infohabitar, Ano VIII, n.º 416

Aos leitores do Infohabitar,
A edição corrente da nossa revista, faz uma pausa nesta semana, devido a uma notícia muito triste para todos aqueles que conheceram o Eng.º Licínio.


Em memória do Engº Licínio Cantarino de Carvalho

Na passada noite de 11 para 12 de novembro de 2012 faleceu o amigo e colega Licínio Cantarino de Carvalho; à sua família enlutada, à sua esposa e aos seus filhos, os colegas do LNEC e do Grupo Habitar e o editor desta revista enviam sentimentos sinceros e afirmam que irão manter a sua memória bem viva.

Licínio Cantarino de Carvalho licenciou-se em engenharia civil e foi investigador do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), onde trabalhou durante muitos anos nos domínios da iluminação natural e da radiação solar.

Em 1984 prestou provas públicas para acesso a Investigador Auxiliar, tendo apresentado o trabalho de tese “Cálculo Automático da Iluminação Natural”.

Em 1989 acedeu a Investigador Principal e, alguns anos depois, foi aprovado no concurso de acesso a Investigador Coordenador, onde defendeu o Programa de Investigação com o título “Iluminação Natural e radiação Solar no Projecto da Fenestração”.

É autor de numerosas publicações, participou activamente na preparação do Regulamento das Características do Comportamento Térmico dos Edifícios (RCCTE) e desenvolveu atividade de Investigação científica no âmbito de estudos nacionais e europeus.

Foi provavelmente a pessoa que mais fez pelo conhecimento aprofundado da importância fundamental da iluminação natural na concepção dos edifícios, em Portugal, desde há muitos anos, para não dizer desde sempre.

No LNEC marcou pelas suas qualidades de trabalho, pela sua invulgar capacidade científica e, talvez primeiro do que tudo o resto, pela sua fundamental e natural qualidade humana.

Após a sua “vida” no LNEC, iniciou e desenvolveu uma outra “vida” no Instituto de Engenharia da Universidade do Algarve até 2011, ano em que se aposentou; tendo assegurado ainda intensa participação em outras instituições universitárias, bem como atividade de projecto e consultoria privada nos domínios da iluminação natural, térmica e acústica em edifícios.

Mas sempre que podia passava pelo LNEC para saudar os amigos e para estes irem “matando um pouco as saudades.”

Bem hajas Licínio. Estarás sempre vivo na nossa memória,

Os colegas do LNEC e do Grupo Habitar e o editor do Infohabitar





sexta-feira, novembro 09, 2012

415 - Da rua à casa e da casa à rua: caminhos da surpresa e do pormenor - Infohabitar 415

Infohabitar, Ano VIII, n.º 415

Da rua à casa e da casa à rua: caminhos da surpresa e do pormenor

Artigo XXV da Série habitar e viver melhor
António Baptista Coelho

Habitar é viver a cidade, seja como sítio de habitar, seja como espaço próprio de actividades urbanas específicas e desejavelmente estimulantes, e o lugar comum, mais fulcral e estratégico, deste quadro do habitar é o percurso da rua à casa e da casa à rua, um percurso que deve proporcionar agradabilidade, um certo sentido de surpresa estimulante e interessantes e adequadas condições de pormenorização; características estas que devem definir a identidade e a positiva singularidade de cada sítio urbano e habitacional.

Será em boa parte deste jogo de positivas e mutuamente conjugadas singularidades urbanas e vicinais, associado a um outro jogo de acessos, de visibilidades e de delimitações de espaços mais privados ou mais públicos, que poderá resultar um estimulante e diversificado leque de tipologias habitacionais e urbanas; portanto de um jogo de jogos de uma série de elementos urbanos onde, incrivelmente, quase ainda não se falou aqui de edifícios.


Lembremos, segundo esta perspectiva, que Louis Kahn definiu a rua como “ a mais vital instituição humana numa cidade” e escreveu que as fachadas dos edifícios ao longo da rua pertencem à rua, “são as paredes da rua, espaço sem tecto" (1).


Há assim aqui como que um natural apagamento da presença do edifício como elemento mais isolado, e um simultâneo protagonismo urbano e vivencial dos conjuntos coesos de edifícios, mas numa perspectiva que os assume muito como as tais sequências de fachadas que pertencem à rua, as tais “paredes da rua”.


E assim se constroem as sequências nas vizinhanças, sequências afirmadamente públicas com toda a certeza, pois de outro modo nega-se a cidade, mas onde sentimos a vizinhança um pouco também como espaço nosso, espaço de vida directa, mitigadamente apropriável e desejavelmente protector e identificável como único, como aquele sítio de que gostamos, que sentimos como nosso e de que nos orgulhamos.


Paolo Portoghesi, citando o mesmo Louis Kahn, escreveu, até: (2)




Fig. 1

"A rua é um quarto que exprime um pacto. A rua é, por cada proprietário, dedicada à cidade em troca de serviços públicos. Nas cidades de hoje, as ruas sem saída conservam ainda o carácter de quarto. As ruas e cruzamentos, depois da invenção do automóvel, perderam toda a sua qualidade de quarto... a urbanística pode começar a tomar consciência desta perda e a impulsionar a reintegração da via, onde as pessoas vivem, aprendem, compram e trabalham, na sua qualidade de quarto comunitário."

Teremos, assim, uma rua que pode até ser "um quarto"; já há muitos casos de citadinos que usam partes das ruas como extensões directas das suas casas, por exemplo, como espaço de trabalho e de restauração à mesa de cafés e de pequenos restaurantes conviviais e bem colocados, bem dentro de um espectáculo urbano já mais num movimento mais lento e mais íntimo.

E naturalmente teremos de ter casas e compartimentos de casas que sejam sítios estimulantes e também bem integrados nas paisagens urbanas mais animadas ou mais repousantes, que as tem de haver com essas duas qualidades; e esta referência liga-se a dever tratar-se o espaço edificado habitável com toda a atenção, com todo o cuidado e com todo o potencial se satisfação que ele tem.


As ruas são, assim, elementos fundamentais do habitar citadino, as ruas são para se "estar" nelas, e não só para serem percorridas com pressa; e, tal como sublinha Christopher Alexander, devem ser como que compartimentos exteriores públicos, com um certo sentido de interioridade, dado por formas subtilmente convexas e côncavas, pelo alargamento pontual dos seus perfis, pela sua cobertura parcial e por estreitamentos nas suas extremidades. (3)


Dizer que se fala da rua como elemento aglutinador de um amplo leque de figuras urbanas é dizer pouco, pois a rua é a “mãe” de muitos dos aspectos que fazem de certas partes da cidade sítios únicos de vida …plenos de surpresa e de pormenor, mas também pacificados por aspectos bem conhecidos, que nos marcam a memória.


Mas, logo ali, em pleno, na rua e fazendo-a, conformando-a, recheando-a de carácter e de características, temos as entradas dos edifícios, que podem ser, logo, entradas domésticas ou entradas de lojas e cafés, portanto, logo, sítios que marcam mundos domésticos privados, e que deles nos mostram aquilo apenas que nos querem mostrar, ou que nos cativam para os tais terceiros espaços desejavelmente conviviais, que fazem expandir, agradavelmente, a “esfera" da nossa melhor vivência diária.


Ou então temos as entradas dos edifícios multifamiliares. E estas se forem boas entradas, "boas" no sentido de participarem na construção de edifícios tendencialmente facilitadores de bem-estar e alegria de viver, e indirectamente de ruas também facilitadoras das mesmas qualidades ao nível urbano, então há todo um enorme conjunto de possibilidades relacionais, cenariais e, basicamente, arquitectónicas, com que é possível e desejável jogar, desde a “caverna” orgânica que vai dando acesso a tantos pequenos mundos mais ou menos revelados, ao amplo espaço/átrio que de certa forma quase duplica a rua, ou quem sabe até a multiplica, proporcionando, por exemplo, aquele sentido de uma incrível e estimulante grande "gruta de Aladino", logo ali, bem junto à "nossa" rua.


Lembremos, porque devemos lembrar, que estamos aqui a falar/tratar de "Arquitectura urbana e habitacional" e não de "produção habitacional", ideias bem diferentes.



Fig. 2

E lembremos que nada disto se inventou agora, mas sim já ao longo de milhares de anos, com certeza, tantas vezes, de forma, pode dizer-se, intuitiva, natural, longa no tempo, associada a necessidades e meios disponíveis, e decorrente de situações específicas, como, por exemplo, no caso das grandes grutas habitacionais iranianas e chinesas e de tantas fabulosas casas-pátio, "quase fechadas" à rua, mas enriquecendo-a de muitos sentidos, ou níveis de leitura e de fruição em termos de ambientes e cenários urbanos e residenciais mutuamente conjugados e dando, de certa forma, até sequência natural à própria sequência dos percursos mais urbanos.

E não tenhamos dúvidas que todas estas soluções podem ser directa ou indirectamente replicadas, adaptadas, reinterpretadas e experimentadas hoje, nas nossas cidades, e só o não são essencialmente por alguma ignorância, pois o custo, o custo será idêntico e a satisfação, a satisfação urbana e residencial, de quem lá vive realmente e também de quem lá passa e afinal também habita, será, potencialmente muito grande e diversificada.


Há que voltar a este assunto das entradas habitacionais ligadas às ruas e do enorme leque de situações, apropriações e soluções formais que são possíveis, e que produzem boa parte do excelente potencial de riqueza e de diversidade de uma cidade bem habitada atraente e com valia cultural, mas fiquemos, para já, com a lembrança, que todos temos, de alguns exemplos que se podem encontrar, ao virar de uma qualquer esquina de uma qualquer boa cidade agradável e habitada; e fixemos que estes tipos de soluções de habitar que foram casos correntes podem ser hoje em dia replicadas, actualizadas em aspectos funcionais, naturalmente, mas sempre com evidentes ganhos de apropriação e de diversificação das formas de habitar e de preencher a cidade.


Notas:


(1) Louis Kahn, "O que é a Arquitectura? (Harmony Between Man ans Architecture)", p. 125.


(2) Paolo Portoghesi, "Depois da Arquitectura Moderna", p. 88.


(3) Christopher Alexander, S. Ishikawa, M. Silverstein, et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", p.526 e 527.


Notas editoriais:

(i) A edição dos artigos no âmbito do blogger exige um conjunto de procedimentos que tornam difícil a revisão final editorial designadamente em termos de marcações a bold/negrito e em itálico; pelo que eventuais imperfeições editoriais deste tipo são, por regra, da responsabilidade da edição do Infohabitar, pois, designadamente, no caso de artigos longos uma edição mais perfeita exigiria um esforço editorial difícil de garantir considerando o ritmo semanal de edição do Infohabitar.
(ii) Por razões idênticas às que acabaram de ser referidas certas simbologias e certos pormenores editoriais têm de ser simplificados e/ou passados a texto corrido para edição no blogger.
(iii) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.


Infohabitar a Revista do Grupo Habitar

Infohabitar, Ano VIII, n.º 415

Da rua à casa e da casa à rua: caminhos da surpresa e do pormenor


Artigo XXV da Série habitar e viver melhor

Editor: António Baptista Coelho

Edição de José Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte

sexta-feira, novembro 02, 2012

414 - 3.º Congresso Habitação Social, 2.º CIHEL e artigo “Sítios singulares” Infohabitar - Infohabitar 414

Infohabitar Ano VIII, N.º 414"Sítios singulares"Artigo XXIV da Série habitar e viver melhor
(Artigo da semana, editado a seguir às notas informativas)


Notas informativas Infohabitar:

3.º Congresso de Habitação Social, Lisboa,
8 e 9 de novembro de 2012
Para quem ainda não saiba vai acontecer já daqui a menos de uma semana o 3.º Congresso de Habitação Social, sobre o tema geral: Repensar a Habitação Social – Necessidade ou Oportunidade?

O 3º Congresso de Habitação Social é organizado pelo CECODHAS.P - Comité Português de Coordenação da Habitação Social.
No site do Pelouro da Habitação de Lisboa poderão encontrar as devidas informações- http://habitacao.cm-lisboa.pt/?no=151000100762:072012

A ficha de incrição (gratuita mas obrigatória) e o programa estão disponíveis em http://www.cecodhasp.org/index.php/inscricoes

O Congresso decorrerá nos próximos dias 8 e 9 de Novembro de 2012, em Lisboa, no ISCTE – IUL e como objectivos destacam-se: Promover momentos de reflexão e debate entre os vários actores no Sector da Habitação Social; Enriquecer o debate sobre esta matéria, num momento em que se verificam significativas alterações legislativas; Proporcionar encontros entre os diversos actores, nomeadamente entre os decisores políticos e os técnicos; Proporcionar a apresentação de boas práticas e de projectos feitos pelas várias entidades gestoras de Habitação Social; Potenciar a criação de laços entre os investigadores/academia e as instituições, de forma a promover a realização de estudos e proporcionar oportunidades de investigação às Universidades;



2.º CIHEL
A todos os interessados lembra-se que as inscrições no 2.º Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono – 2.º CIHEL – estão já abertas em inscricoes2cihel@lnec.pt podendo as condições ser consultadas no site do 2.º CIHEL, em http://2cihel.lnec.pt/2cihel.html , e a ficha de incrição facilmente acessível no referido site e aqui em http://2cihel.lnec.pt/fi_2CIHEL.doc

Lembra-se a todos os autores de comunicações a aproximação do prazo final de entrega das mesmas, no dia 12 de novembro de 2012, e que os autores cujos resumos foram aprovados sem indicações de reformulação deverão realizar, desde já, a respectiva inscrição no Congresso.



ARTIGO DA SEMANA - ARTIGO DA SEMANA

Sítios singulares
Artigo XXIV da Série habitar e viver melhor


António Baptista Coelho

A construção de uma Arquitectura Urbana e do Habitar estimulante, porque harmonizada com as boas medidas do homem e bem reflectidas nas boas medidas da cidade e das vizinhanças que a compõem, nunca será possível em espaços urbanos monótonos e descaracterizados.

Não devemos pensar na cidade habitada como um sítio de diversidade obrigatória ou “pictórica”, mas temos de a pensar em termos de sequências de sítios com alguma singularidade e, mesmo, pontualmente, com expressiva singularidade.

Esta qualidade do que é singular, mas que o é com expressiva naturalidade, sem quaisquer tipos de protagonismos que, depois, se iriam anular mutuamente numa muito negativa cacofonia visual e ambiental, é uma qualidade que tem de ser, evidentemente, manejada com grande cuidado, mas que pode advir, por exemplo, simplesmente, de uma posição bem memorizável num dado conjunto urbano – uma posição singular porque bem marcada – ou pode decorrer de uma caracterização formal e funcional pouco frequente ou “única” – caracterização esta que pode ser global ou estar, eventualmente, associada a aspectos de pormenor estrategicamente evidenciados.

Considera-se que estas matéria do como estudar, isolar, caracterizar, coleccionar, aplicar e avaliar posteriormente a utilização deste tipo de “objectivos de singularidade”, passa pelo tipo de processos que acabaram de ser referidos e trata-se de uma matéria que importa resgatar, urgentemente, de um “sótão” de temas de Arquitectura Urbana que têm sido sistematicamente esquecidos e menosprezados, desde há bastantes anos, pelas mais diversas razões, algumas delas com certeza verdadeiras, mas outras tantas sem qualquer sentido e que acabaram por gerar, tão frequentemente, um “não urbanismo” frio, pobremente funcionalista, sem identidade e sem capacidade para geral atracção e apropriação.



Fig. 1

E avança-se, ainda, que o que se defende não é qualquer tipo de urbanismo mais ou menos pitoresco, mas sim uma Arquitectura Urbana, bem pormenorizada, bem desenhada, adequadamente concebida em termos das referidas escalas humanas e urbanas, culturalmente dialogante e que, evidentemente, continue a garantir as mais diversas e adequadas exigências de funcionalidade e de segurança; e pode-se mesmo comentar que ao juntar a esta últimas o referido sentido de bom desenho e de identidade, talvez até a funcionalidade seja redinamizada, por exemplo, através de uma atracção, que gera mais uso, que geral mais convívio e actividades, que, por sua vez, geram mais atractividade.

Evidentemente que os perigos de algum “decorativismo” ou excessivo sentido de um pitoresco centrado em si mesmo e pouco ou nada coerente em termos de ligações funcionais e culturais, são perigos reais neste caminho de concepção urbana de pormenor que é aqui comentado; e trata-se de matérias a que importa dedicar uma atenção específica e desenvolvida, que aqui não será possível. Mas lembremos, apenas, com brevidade, alguns aspectos de enquadramento do assunto.

Um destes aspectos refere-se a ser um caminho de concepção que exige uma muito apurada qualidade de projecto, uma qualidade que, há que o dizer, só estará, provavelmente, à altura da capacidade de intervenção de um número limitado de projectistas, apenas um pequeno grupo será capaz de manejar estes objectivos de Arquitectura Urbana e Residencial atractiva, “orgânica”, estimulante, bem radicada, e funcionalmente fundida e adequada, sem se comprometer uma qualidade de desenho apurada e “estruturalmente” marcada por uma adequada sobriedade e dignidade urbanas.

E ainda nesta linha de raciocínio importa ainda referir que se julga que mesmo este fundamental apuro na escolha de projectistas que sejam capazes de fazer uma excelente Arquitectura Urbana e Residencial, nos moldes atrás apontados, tem de ser adequadamente ponderado no sentido em que haverá excelentes Arquitectos de edifícios, que talvez não sejam tão excelentes Arquitectos Urbanos, sendo que a situação contrária também sem dúvida acontecerá.

Mas o que importa aqui sublinhar é que se julga que o fazer uma excelente Arquitectura Urbana e Residencial ou Arquitectura da Cidade e do Habitar, é algo que exige mesmo muito de quem projecta; e podemos acrescentar deveria também exigir muito de quem as irá habitar, no sentido, primeiro, de uma informação adequada sobre toda a qualidade que é possível ter/viver e a custos bem controlados, e, depois, de uma exigente afirmação de patamares qualitativos que têm mesmo de ser garantidos pela concepção e execução das intervenções. E este trabalho com quem habita está ainda muito por fazer, sendo essencial para garantir a referida qualidade global e pormenorizada.

Outro aspecto de importante enquadramento deste assunto que visa o enquadramento qualitativo de uma adequada concepção urbana de pormenor atraente e estimulante é que esta matéria tem igual aplicação, seja em novas intervenções, seja em acções de reabilitação, reforma e/ou preenchimento do tecido urbano preexistente.

Mas não ficaríamos bem connosco próprios, em termos de um sentido de adequada análise tecnico-científica das possíveis opções existentes nesta smatérias, se não se referisse que será muito importante retirar comentários e conclusões sobre uma já extensa actividade de Arquitectura Urbana pormenorizada, que tem vindo a ser desenvolvida pelo movimento designado de “New Urbanism”, em diversos países do mundo e designadamente nos EUA.

Não se está a defender este caminho mas sim a propor-se o conhecimento pormenorizado do que de mais significativo tenha sido já feito no âmbito de quem segue esta tendência do “Novo Urbanismo”, no que se refere ao leque de objectivos que têm sido apontados nos últimos parágrafos deste texto. E recorda-se que este movimento opta, frequentemente, pelo recurso a arquitectos muito conhecidos e a uma, por vezes, “férrea” gestão urbana, ao serviço da construção de verdadeiros “cenários” – por vezes temáticos - de vida diária.

E lembremos um dos mentores deste movimento/corrente, Andres Duany (2003) (1), apontou que o desenho urbano pode ser considerado como verdadeira arte cívica, o que é, sem dúvida, uma perspectiva com grande interesse.

Concluindo esta reflexão refere-se que este movimento/corrente terá baseado, provavelmente, parte das suas raízes num conjunto de pequenas “escolas” de urbanismo de pormenor, entre as quais os “Housing” e “Urban Design Guides” ingleses terão tido uma importância significativa.

E, vai daí, lembra-se que talvez na base destes “Guias”, cujos resultados seria também muito importante conhecer, após algumas dezenas de anos de aplicação, estarão, sempre, e naturalmente os tão incontornáveis, como injustamente pouco divulgados, trabalhos de Gordon Cullen e designadamente a sua “Paisagem Urbana” (1971) (2). Um guia de fazer “paisagem urbana” que, hoje em dia, poderia/deveria ser “readaptado” para se refazer e recuperar boa parte de toda a nossa paisagem urbano-rural.

Realmente, para o aprofundamento da qualidade do desenho, da caracterização e da criação de uma paisagem urbana pormenorizada, há que ter em conta e aqui recordar, ainda que “telegraficamente”, Gordon Cullen o fundamental Cullen, como uma autoridade que abordou de forma natural, mas essencial, a qualidade do desenho e da imagem, um relembrar aprofundado que se impõe; e Cullen ainda hoje, ou especialmente hoje, abre-nos caminhos vitais de estudo/projecto nesta área da Arquitectura Urbana e Residencial bem promenorizada e desenhada: lembremos, portanto, algumas palavras de Cullen referidas à sua “A Paisagem Urbana – Tratado de estética urbanística”:

• “Será possível manipular todos os matizes de escala e estilo, de materiais e cor, de carácter e individualidade e, justapondo-os, criar algo que seja verdadeiramente proveitoso para a colectividade” (p.12).

• “As estatísticas são coisas abstractas; ao ser transportadas para planos e depois os planos convertidos em edifícios, o resultado carece de vida. O resultado não será mais do que um diagrama tridimensional, no qual se exige que a pessoa humana viva” (p.12).

• “O conformismo mata, aniquila; a diferenciação, pelo contrário, é fonte de vida ... E tudo é unificado pelo fogo e pela vitalidade da imaginação humana, e assim torna-se possível fazer habitações para homens” (p.13).

• “A questão essencial é que na opinião do público o planeamento oficial é frio, técnico e estéril, enquanto que na minha opinião uma boa planificação não é senão uma rua ampla e direita, com árvores de copa recortada dos dois lados... e basta! E tudo é bem diverso. A composição de um conjunto urbano é potencialmente uma das mais emotivas e variadas fontes de prazer” (p.15).

• “Em primeiro lugar, há que «forçar» a paisagem urbana, é difícil manter um princípio geral e, em vez disso, é mais fácil acarinhar o particular. Subdividindo o conjunto nas partes componentes” (p.16).

• “A paisagem urbana constrói-se de duas maneiras. Primeiro, objectivamente, através do senso comum e da lógica, baseados nos benévolos princípios da riqueza, da amenidade, da experiência e da privacidade ... Qual a base de partida? A única possível é estabelecer a forma com a qual o ser humano estabelece contacto com o que o rodeia. Clara e sobriamente, afirmando-se....(um sistema de relações)... Ao criar um sistema, devemos procurar essencialmente organizar o campo de tal forma que os fenómenos urbanos se integrem logicamente” (p. 194 e 195).



Fig. 2

Mas nesta matéria não seria possível deixar de lembrar outro autor que também trouxe estas matérias para a primeira cena do urbanismo, já há bastantes anos: trata-se como é evidente de Kevin Lynch, que aliás, julga-se, partilha com Cullen diversas considerações estruturantes.

E assim e de acordo com o clássico estudo de Kevin Lynch sobre a imagem urbana (e lembremos que Cullen escreveu e desnhou sobre “paisagem urbana”), esta concretiza-se em cinco tipos fundamentais de elementos: (3)

• as vias, canais ao longo dos quais as pessoas se deslocam habitual, ocasional ou potencialmente;

• os limites, elementos lineares que as pessoas não usam ou consideram como vias, e que constituem fronteiras, soluções de continuidade e elementos de referência;

• os bairros, partes da cidade com um tamanho tão grande, que caracterizam um espaço tridimensional onde podemos penetrar mentalmente, reconhecendo um carácter geral bem identificável;

• os nós, que são pontos e locais estratégicos da cidade onde podemos penetrar, pólos que dão origem e destino às nossas deslocações, sendo, naturalmente, confluências de vias e estruturando acontecimentos singulares ao longo delas, assumindo-se, por vezes, em pólos de animação dos bairros;

• e, finalmente, os pontos de referência, que são referências pontuais, externas ao observador (ex., edifício singular, anúncio muito evidente, loja característica, montanha dominante, etc.), longínquas ou marcando, directamente, constantes direccionais, percursos e sequências de vistas.

E Lynch remata este seu modelo de imagem urbana, referindo que é preciso modelar estes elementos conjuntamente, para que se possa atingir uma forma urbana consistente, através de grupos de elementos semelhantes ou distintos, que se reforcem mutuamente, e que, podemos provavelmente concluir, ao se integrarem e reforçarem constroem uma imagem unitária que dificilmente será igual a qualquer outra.

E tomando estas ideias de modelação conjunta e mutuamente reforçada de elementos sempre ao serviço de uma forma urbana e habitada consistente, será sempre oportuno relembrar algumas das muitas e preciosas lições de Herman Hertzberger (1991): (4)

• “A arquitetura deve ser generosa e convidativa para todos, sem distinção… O arquiteto é como o médico … deve simplesmente providenciar para que aquilo que pratica faça com que alguém se sinta melhor” (p.267).

• “Devemos ter cuidado para não deixar buracos e cantos perdidos e sem utilidade, que como não servem para nenhum objetivo, são «inabitáveis». Um arquiteto não deve desperdiçar espaço… pelo contrário deve acrescentar espaço… também em lugares que em geral não despertam atenção, isto é, entre as coisas” (p.186).

• “Onde quer que haja desperdício de espaço para o trânsito, os edifícios se tornam isolados, distantes entre si, isso faz com que seja impossível que o espaço urbano evolua organicamente” (p. 192).

• (e ainda Hertzberger, p.193, citando Aldo van Eyck): “Faça de cada coisa um lugar, faça de cada casa e de cada cidade uma porção de lugares, pois uma casa é uma cidade em miniatura e uma cidade é uma casa enorme. O espaço deve ser articulado para criar lugares… quanto mais articulação houver, menor será a unidade espacial, e, quantos mais centros de atenção existirem, mais o efeito total será individualizante.”

Sequencialmente e para rematar, para já, este tema que partiu da ideia “sítios singulares”, para rematar na estruturação da imagem/paisagem urbana habitada, há ainda que apontar que sítios singulares devem ter vitalidades singulares, uma condição que pouco terá a ver com previsões uniformizadas de equipamentos, previsões estas que, tal como sabemos, só por acaso se cumprem numa cidade viva e caracterizada e numa cidade de hoje em dia, tantas vezes em crise e/ou mega e informal.

Mas atenção, por mais liberais que possamos ser nesta forma de pensar a cidade habitada é fundamental que não existam vizinhanças residenciais desmunidas de espaços de equipamento conviviais e de primeira necessidade, como é o caso do “café de esquina” e da pequena loja de conveniência que terá um pouco de muita coisa; esta exigência é fundamental numa perspectiva de humanização e vitalização da cidade, permitindo que ela viva com razoável autonomia em cada uma das suas vizinhanças, mas é uma exigência que tem de ser cumprida com especificidade e singularidade em cada sítio, condição esta que nada tem a ver com as estereotipadas previsões de equipamentos, e que tem até muito a ver, por exemplo, com um comércio mais caracterizado e potencialmente vitalizado e vitalizador.

Notas:
(1) Andres Duany, Elizabeth Plater-Zyberck e Robert Alminana, “New Civic Art : Elements of Town Planning”, 2003.
(2) Gordon Cullen, “El Paisaje Urbano – Tratado de estética urbanística”, Barcelona, 1977 (1971).
(3) Kevin Lynch, "L'image de la Cité", pp. 53 a 55 e 97 a 98.
(4) Herman Hertzberger, “Lições de Arquitetura”, 1996 (1991).

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Infohabitar a Revista do Grupo Habitar
Infohabitar, Ano VIII, n.º 414
Sítios singulares - artigo
Editor: António Baptista Coelho
Edição de José Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte