domingo, fevereiro 23, 2014

473 - Adaptabilidade/flexibilidade e tipologia habitacional - Infohabitar 473



Infohabitar, Ano X, n.º 473


Adaptabilidade/flexibilidade e tipologia habitacional


Artigo XLVIII da Série habitar e viver melhor


António Baptista Coelho


Tipos de adaptabilidade e flexibilidade habitacional


A adaptabilidade da habitação a diversos modos de vida e usos domésticos ou específicos, colocada ao serviço de diversos tipos de agregados familiares e de diversas apropriações funcionais e pormenorizadas, é cada vez mais um aspecto fundamental a considerar na concepção dos espaços domésticos, tal como foi apontado em artigo anterior desta revista, mediante a referência à opinião de diversos autores, que salientaram a importância de deixarmos de privilegiar organizações domésticas rígidas e excessivamente hierarquizadas, favorecendo-se, sim, os caminhos marcados por espaços habitacionais mais apropriáveis e potencialmente mutantes:

  • seja pela capacidade “passiva” de adaptabilidade e conversão de espaços a diversos usos, proporcionada pela própria organização e dimensionamento gerais de uma habitação;
  • seja na flexibilização oferecida aos seus respetivos conteúdos funcionais e de mobiliário/decoração (nos mesmos espaços-base);
  • seja pelas condições de adaptabilidade relacional disponibilizadas, em termos de localizações e relações que proporcionem e incentivem diversos usos;
  • seja pelo potencial de adaptabilidade física (“hardware”) específica que igualmente ofereçam, designadamente, através da junção e subdividão de espaços e compartimentos, já existentes;
  • seja pela dinamização do equipamento evolutivo de alguns espaços e compartimentos;
  • seja mesmo pela capacidade de expansão real que seja proporcionada para novos compartimentos – uma solução naturalmente mais adequada a soluões habitacionais unifamiliares.


Fig. 01: adaptabilidade/flexibilidade dos espaços habitacionais - espaço "x" ocupação "a".

 

Relação entre família e habitação


No entanto, para além desta múltipla perspectiva da adaptabilidade e flexibilidade habitacional, que está globalmente ligada às amplas matérias da apropriação dos espaços domésticos, outra linha de reflexão é importante na opção por diversas formas de organização dos mesmos espaços; trata-se da caracterização do perfil da habitação na sua relação com as características etárias e gregárias dos seus habitantes.

E nesta perspectiva vários autores apontam um leque global de soluções integradas de tipologias família-habitação, tal como em seguida se regista.


Fig. 02: adaptabilidade/flexibilidade dos espaços habitacionais - espaço "x" ocupação "b".

Estúdios individuais e para casais

Estúdios mínimos para jovens longe de casa e pessoas sós, idosas ou não; estúdios estes com equipamentos domésticos muito funcionais e completos, ou reduzidos a um mínimo razoável, que pode ser pré-instalado, e dispondo de um quarto de dormir em zona que possa ser separada do resto da casa, ou nela integrada de forma a criar um espaço amplo.

Segundo Alexander, a habitação para uma pessoa só deve ser um espaço com grande capacidade de individualização/apropriação, podendo caracterizar-se por um amplo espaço central e multifuncional, rodeado por recantos ou subespaços com diversas atribuições funcionais (1); e um espaço doméstico entre cerca de 30 e 40m² serve bem uma solução deste tipo.

Naturalmente que este tipo de solução pode ser adaptada, com alguma facilidade, ao uso por casais (jovens ou idosos), que aceitem este tipo de condições domésticas marcadas por alguma informalidade e/ou versatilidade da organização e do recheio doméstico. 
 
Fig. 03: adaptabilidade/flexibilidade dos espaços habitacionais - espaço "x" ocupação "c".

Soluções habitacionais para pessoas sós

Citando, julga-se, a propósito, um estudo realizado pela Taylor University of York (2), apontam-se, então, diversos subtipos de soluções habitacionais para pessoas sós e para casais:

  •  "unidade auto-suficiente", provida de porta de acesso, cozinha, casa de banho completa – uma habitação pode ser uma unidade de alojamento ou conter várias unidades desse tipo; (3)
  • "unidade compartilhada", onde vivem várias pessoas, cada uma com um "espaço particular", mas compartilhando uma zona de estar, cozinha e casa de banho completa ;
  • "espaço particular", quarto individual dentro de um alojamento compartilhado, usado essencialmente como espaço para dormir, mas também como zona de estar e para guardar bens pessoais;
  • "quarto completo", como o "espaço particular", mas com pequena zona de estar mais desenvolvida e incluindo lavabo e pequena cozinha; há que compartilhar a retrete e o banho;
  • "espaço comum ou colectivo, compartilhado", que pode incluir casa de banho, cozinha, estar, arrumações;
  • e, finalmente, uma evolução do "espaço particular", anexando-lhe instalações sanitárias que podem ser mínima e/ou pequena zona de estar, que pode resumir-se a um espaço para um pequeno sofá e uma mesa de trabalho (esta opção foi desenvolvida pelo autor deste trabalho).

Pequenas habitações


Subindo, agora, um pouco na “escala” do dimensionamento doméstico, mas mantendo-nos no âmbito de soluções especialmente adequadas para pessoas sozinhas, casais e outros pequenos agregados familiares, apontam-se, em seguida, as sugestões de diversos autores nesta matéria.

Desenvolvimento de pequenas habitações para jovens longe de casa, pessoas sós, idosas ou não, ou casais sem filhos em coabitação; estúdios estes com equipamentos domésticos que podem ser mais ou menos elaborados e completos, nomeadamente, para se disponibilizarem espaços para a instalação de mobiliário patrimonial ou, contrariamente, oferecendo os espaços já mobilados.

Esta solução deverá dispor de um quarto de dormir relativamente isolado do resto da casa, que seja suficientemente espaçoso para integrar duas camas individuais e certas zonas específicas (ex., sofá perto de janela). A habitação deve ser globalmente espaçoso e ter circulações facilitadas, tanto entre cozinha e sala, como entre a sala e o quarto (pensa-se na funcionalidade do uso por idosos). (4)

Esta solução será muito útil a idosos pouco activos, que assim poderão dispor de pequenos fogos "super-funcionais" e razoavelmente espaçosos que lhes poupem e facilitem o trabalho doméstico e as próprias deslocações interiores. (5).

Pequena habitação para um casal


Considera-se que a habitação para um casal (habitação com quarto comum) será muito semelhante à habitação para uma pessoa só, designadamente, no caso de um casal de adultos; pois no caso de se tratar de um casal de jovens ou de idosos, serão recomendáveis zonas mais amplas e diferenciadas. (6)

As pequenas habitações realizadas especificamente para favorecerem a vida doméstica de casais, num quadro privilegiadamente informal de uso da habitação, devem favorecer os espaços "super-funcionais" para os trabalhos domésticos, a abundância de diversos tipos de arrumações, feitas de raiz, a possibilidade de desenvolvimento de recantos individuais para estudo/trabalho profissional e caracterizarem-se por um franco relacionamento geral entre espaços, que assegure a vigilância natural e simplificada de crianças pequenas. (7)

Grandes habitações multigeracionais e multifuncionais

Interessa também apontar aqui o interesse do desenvolvimento de grandes habitações, razoavelmente espaçosas, para famílias "maduras" com diversos filhos de diferentes idades, com um quarto relativamente autónomo que pode servir para um filho mais velho, para escritório ou para um parente idoso, e, ainda, com um quarto de casal acentuadamente isolado do resto da casa. (8) Estas habitações poderão ligar-se espaços exteriores privados no caso de famílias com crianças. (9)
Este tipo de solução servirá casais idosos e activos continuando nas habitações onde criaram os filhos e onde, posteriormente, terão espaços adequados às numerosas actividades a que se dedicam em casa. (10)

Espaços e serviços domésticos comuns


Vale a pena salientar que se considera muito adequada a associação entre os estúdios e as pequenas habitações e um potencial e diversificado leque de espaços e serviços comuns; condição esta que naturalmente será menos interessante no caso das grandes habitações.

No entanto a ideia que se julga mais adequada é que deverá haver, cada vez mais, uma maior possibilidade de escolha das soluções de habitar, quer em termos de carácter tipológico geral, quer em termos de espaços domésticos e comuns disponíveis, quer em termos de serviços domésticos, e outros, disponibilizados ou facilitados; e depois poderemos escolher o que preferimos.

Serviços comuns e domiciliários e equipamentos coletivos de proximidade


De certa forma até é possível considerar a possibilidade de haver um desenvolvimento de serviços domiciliários com um amplo leque funcional e sedeados fora dos edifícios servidos, disponibilizando o seu apoio/serviço a diversas unidades habitacionais. E um aspeto que aqui deve ser bem considerado é a vantagem que tem uma gestão autonomizada e bem equilibrada destes possíveis pequenos complexos de espaços e serviços comuns e/ou de apoio domiciliári; sendo aqui muito interessante a reflexão que há a fazer sobre a relação deste tipo de “complexos” com algumas das velhas e com novas valências de equipamentos coletivos com faceta residencial.

Em tudo isto há que referir que a potencial diversidade de oferta de espaços e serviços comuns e domiciliários pode a ajudar a diversificar e apurar o leque de opções domésticas e residenciais disponíveis, considerando-se esta matéria de grande interesse, face à grande diversificação dos modos de vida, e  ao evidente e significativo crescimento dos pequenos agregados familiares e das pessoas idosas vivendo sós e necessitando de diversos serviços de apoio.



Notas:


(1) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", p. 356.

(2) Direccion General de Arquitectura y Vivienda; Ministerio de Obras Publicas y Urbanismo (MOPU), "Individuo y Vivienda", p. 86.

(3) Por exemplo dois quartos individuais, para duas pessoas que vivem juntas, mas cada uma com o seu espaço privado e independente ("LAT", "Living Apart Together") - Direccion General de Arquitectura y Vivienda; Ministerio de Obras Publicas y Urbanismo (MOPU), "Individuo y Vivienda", p. 79.

(4) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 15.

(5) John Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 514.

(6) Direccion General de Arquitectura y Vivienda; Ministerio de Obras Publicas y Urbanismo (MOPU), "Individuo y Vivienda", p. 46.

(7) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 15.

(8) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 15.

(9) John Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 514.

(10) John Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 514.



Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.



Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano X, nº473
Artigo XLVIII da Série habitar e viver melhor

Adaptabilidade/flexibilidade e tipologia habitacional

Grupo Habitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional

e Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do LNEC

Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.




segunda-feira, fevereiro 17, 2014

472 - Adaptabilidade e habitação - Infohabitar 472


Infohabitar, Ano X, n.º 472 

Artigo XLVII da Série habitar e viver melhor

Adaptabilidade e habitação

António Baptista Coelho

Continuando a apresentar e comentar reflexões de projectistas e estudiosos sobre aspetos considerados estruturantes nas opções de organização dos espaços domésticos, ficamos em seguida com Amos Rapoport e, depois, com Christopher Alexander, entre opiniões de outros autores, privilegiando-se uma perspetiva que tenta aprofundar a grande diversidade de soluções potencialmente disponibilizadas e que propiciam uma vida doméstica mais adequada, agradável e estimulante.

Habitação e modos de vida

Amos Rapoport evidencia três factores a ter em conta naquela que ele considera dever ser uma aproximação muito cuidadosa e funcionalmente “aberta” a uma solução doméstica que sirva, o melhor possível, determinados modos de vida familiares: (1)
  • o afastamento cultural existente e a "capacidade de comunicação" que possa ser criada entre habitante e projectista [capacidade esta que, julga-se, ser potenciada por intermédio da acção de certos promotores como é evidentemente o caso das cooperativas de habitação];
  • a significativa variedade de subculturas que estão, actualmente, em mutação rápida (designadamente, por desenraizamento cultural e imigração para as grandes cidades);
  • e a existência, em cada grupo sociocultural, de muitos níveis de aculturação e mesmo de  mutação sociocultural.

Diversidade no habitar – diversas soluções domésticas e de vizinhança

E é ainda Rapoport que evidencia o que considera ser a principal medida de adequação entre habitação e família, ou entre habitação e características socioculturais, que é, para aquele estudioso, a oferta de uma ampla capacidade de escolha ao futuro morador, seja do tipo específico de habitação, seja do tipo geral de solução habitacional.

Trata-se, portanto, de uma espécie de capacidade de adaptação prévia, por possibilidade de escolha e aqui importa comentar que o mercado, infelizmente, nem disponibiliza, habitualmente, variedade de soluções habitacionais de vizinhança e de formas de associação em edifícios, nem mesmo variedade de soluções domésticas, o que seria muito mais simples. Mas, não! O mercado, por regra, oferece o mesmo “produto” do 1º ao 7º andar. Há excepções, começa a haver excepções, mas por ora elas pouco ultrapassam a barreira da produção dita de luxo, ou então da promoção de interesse social, quando bem qualificada e informada.

 

Habitação adaptável

Há que evidenciar aqui que as matérias da adaptabilidade doméstica são de extrema importância no sentido de uma maior apropriação da casa pelos seus habitantes e de favorecimento de soluções domésticas mais duráveis e adequáveis em termos de natural conversão funcional e de ambiente doméstico geral – por exemplo, uma casa que se transforme com facilidade de uma solução com um assinalável peso de áreas de quartos, para uma outra marcada por uma expressiva sequência de áreas de estar.
A adaptabilidade doméstica foi aprofundada, ainda não há muitos anos, num livro editado pela Livraria do LNEC, intitulado “Habitação evolutiva e adaptável” (ITA 9), e importa aqui referir que ela é fundamental:
  •  quer no sentido de se proporcionar aos moradores uma expressiva capacidade de apropriação do seu espaço doméstico;
  •  quer no sentido de se compatibilizar a organização da habitação e dos seus aspectos específicos de ordem construtiva, funcional (relações entre espaços), dimensional, ocupacional (capacidade de acolhimento de mobiliário) e ambiental (localização, dimensão e características de abertura de vãos exteriores).

Habitação apropriável, habitação mutante

A primeira perspectiva, acima referida, evidencia a importância que tem o potencial de capacidade de apropriação de uma habitação por parte de quem a habita. Trata-se, naturalmente, de um aspecto de enorme importância para o desenvolvimento da adequação habitacional e de um sentimento de verdadeira satisfação com o habitar, e tem expressão directa na possibilidade que a casa deve oferecer para o desenrolar de uma importante dinâmica de mudança periódica nos arranjos domésticos:
  •  seja por conversões funcionais e de mobiliário, mais frequentes, simples e passivas (simples mudanças nas disposições de conjuntos de mobiliário e outros elementos de composição e decoração);
  •  seja por conversões funcionais e de mobiliário associadas a eventuais junções e subdivisões de compartimentos.

Um exemplo extremo deste tipo de solução é dado por Sven Thiberg (Sven Thiberg, Ed., "Housing Research and Design in Sweden", p. 139), quando se refere ao compartimento tradicional da casa japonesa, que muda, funcionalmente, através de mudanças de peças de mobiliário muito simples; e,  mesmo na nossa cultura, bastará recuarmos à Idade Média para encontrarmos soluções semelhantes.

E há que sublinhar que a referida dinâmica de mudança periódica nos arranjos domésticos obriga a uma organização e a um dimensionamento muito cuidados dos espaços domésticos e a uma espaciosidade razoável porque seja ou claramente acima dos mínimos regulamentares, ou próxima de tais mínimos mas compensada por uma excelente solução de organização e configuração domésticas – um excelente projecto de Arquitectura, portanto.
 
 Junção e subdividão de compartimentos
A segunda perspectiva, acima referida, as conversões funcionais e de mobiliário associadas a eventuais junções e subdivisões de compartimentos, tem tem idênticas influências na capacidade de apropriação e de identidade que a habitação deve oferecer e liga-se:
  • quer à evolução da família que aí resida (crescimento e decrescimento);
  • quer à mudança nas necessidades e nos gostos domésticos; por exemplo, à medida que a família original envelhece e cresce haverá mais necessidade de mais espaço de circulação e de desafogo funcional e, eventualmente, um maior gosto numa especialização de zonas de estar.
E esta perspectiva de junção e subdividão de compartimentos é servida:
  • quer por simples aspetos de pormenorização, extremamente fáceis de prever, como é o caso da distribuição estratégica de tomadas de telecomunicações ao longo da casa, proporcionando variadas utilizações e versáteis mudanças de usos dos mesmos compartimentos;
  • quer por aspectos estruturantes na organização da habitação, mas que podem proporcionar uma sua riquíssima versatilidade de uso, como é caso de uma parte do espaço doméstico poder ser usado como espaço total ou relativamente autónomo, desde que disponha, ou possa vir a dispor, sem obras significativas, de acesso próprio e de instalações mínimas de cozinha e sanitárias.(2)
  

Adaptabilidade doméstica e adequação a modos de vida

A adaptabilidade da habitação a diversos modos de vida, caracterizando diversos tipos de agregados familiares e, até, diversas apropriações funcionais específicas, é, cada vez mais, um aspecto fundamental a considerar na concepção dos espaços domésticos, pois assim se podem servir melhor um leque crescente de modos de vida e de usos da habitação, que decorre, tal como sintetizei num anterior livro editado pela livraria do LNEC (“Do bairro e da vizinhança à habitação” – ITA 2):
  • de uma diversidade de horários de trabalho;
  • da ausência, frequente, dos habitantes no seu domicílio, durante os dias úteis;
  • de um nível gradualmente mais elevado de acesso à cultura e à informação;
  • da mobilidade dos agregados implicada por uma tendência, provavelmente  crescente, de mobilidade nos postos de trabalho;
  • da recuperação do uso da casa, também, como sítio de trabalho;
  • do crescente uso da casa como sítio privilegiado de exercício de actividades de lazer, tendencialmente mais numerosas e temporalmente cada vez mais prolongadas;
  • e da tendência fortemente crescente de existência de modos de vida e de tipos de agregados familiares socioculturalmente diferenciados, e aos quais é essencial proporcionar respostas domésticas adequadas.

Notas:
(1) Amos Rapoport, "Housing Ecology", p. 149.
(2) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", p. 637.

Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.


Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano X, nº472
Artigo XLVII da Série habitar e viver melhor

Adaptabilidade e habitação
Grupo Habitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
e Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do LNEC
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

domingo, fevereiro 09, 2014

471 - Diversidade na organização habitacional - Infohabitar 471

Infohabitar, Ano X, n.º 471

Diversidade na organização habitacional

Artigo XLVI da Série habitar e viver melhor

António Baptista Coelho

Mais do que tudo o que, em seguida, se aponte sobre as matérias associáveis à organização doméstica e à sua influência numa expressiva satisfação dos habitantes, na fruição doméstica há aspectos que importa sublinhar por se considerarem determinantes num tal resultado.


Organização espacial habitacional e qualidade arquitetónica

O primeiro aspecto é que a qualidade da organização espacial e da pormenorização se ligue, intimamente, a uma adequada ideia de habitar e de viver a casa, por outras palavras é fundamental que a função siga a forma, não perdendo, naturalmente, eficácia, porque nós habitantes vivemos as casas, intensa e profundamente e, portanto, a forma interior das casas tem de ser algo fortemente coerente e equilibrado; matéria que importa vir a desenvolver.

Adaptabilidade habitacional passiva

O segundo aspecto é a enorme importância que tem a adaptabilidade passiva numa habitação, uma condição que lhe permite satisfazer um significativo leque de funções nos mesmos espaços e, tão importante como isso, um amplo leque de ocupações específicas por mobiliário em cada espaço, condições estas que estão associadas, quer a uma organização significativamente neutral, embora bem afirmada, quer a condições de espaciosidade e dimensionais cuidadas; e tanto mais cuidadas quanto menor for a quantidade de espaço que esteja disponível – o que obriga a um grande cuidado por exemplo quando tratamos de habitação de interesse social.

Funcionalidade habitacional

O terceiro aspecto tem a ver com a maximização das condições funcionais associadas a instalações e equipamentos, à capacidade de arrumação e a uma grande facilidade de execução das tarefas domésticas mais intensas e mais exigentes, como é o caso da preparação de refeições, do tratamento de roupas e da limpeza doméstica. Realmente é hoje em dia fundamental que todo este leque de condições seja garantido de uma forma maximizada e não há desculpa para que isso não aconteça pois todas essas funções estão já exaustivamente estudadas e existem documentos claros que as elucidam.

Acessibilidade habitacional

O quarto e último aspecto, desta reflexão, decorre em boa parte do terceiro e tem a ver com a disponibilização de condições globais de acessibilidade no interior da casa, tema este sobre o qual há também já muito dos elementos de apoio técnico necessários; e, afinal, a funcionalidade essencial para pessoas com dificuldade na movimentação é sempre uma funcionalidade acrescida para aqueles que não têm tais limitações, uma matéria frequentemente esquecida quando se trada deste assunto.

Importância da organização habitacional

Salinta-se, ainda, que os primeiros dois aspectos, que acabaram de ser apontados, englobam, claramente, os últimos, pois é afinal de uma organização espacial bem estruturada e adaptável que pode resultar uma casa adequada, e sobre isto basta dizer que há muitas casas realmente adequadas que cumprem essas duas primeiras condições e não as últimas. Afinal, e tal como se tem apontado, a função não é tudo, acaba mesmo por ser muito pouco, designadamente, quando estamos em presença de uma boa Arquitetura habitacional, mas se pudermos respeitar este leque de objectivos é, naturalmente, preferível,  e será mesmo essencial quando se trate de uma habitação nova.

Fig. 01: Habitação como espaço distinto e imaginável

Habitação como espaço distinto e imaginável
Lembrando uma frase já citada de Christian Norberg-Schulz, afinal, a casa não é um refúgio funcional, um "não lugar" uniforme, mas exige um espaço distinto e uma cena que se possa imaginar (1).

E este espaço "distinto e imaginável", portanto, base de algum sonho de como se deseja habitar, tem já uma longa história a registar, pois já passaram mais de 10.000 anos do início de uma sua construção mais premeditada em termos de espaços e ambientes comésticos, e sobre estes tantos anos de evolução, que como em tantas outras áreas tiveram uma enorme dinâmica no passado Século XX , podemos citar uma síntese de Claude Lamure que aponta ter acontecido uma diferenciação progressiva do espaço, e uma evolução genérica de um único compartimento multifuncional até ambientes muito compartimentados e funcionalmente especializados, ou mesmo espacializados (podemos nós comentar). (2)

Da unidade à diferenciação do espaço habitacional

Será, portanto, esta base funcional, do espaço doméstico único, amplo e indiferenciado, onde se passam todas as funções e outras matérias domésticas das pequenas casas de terra de Çatal Huiuk, na actual Turquia, há cerca de 10.000 anos, que fomos evoluindo, consoante as nossas culturas, as nossas paisagens de habitar e os nossos meios financeiros e outros, até à enorme casa altamente diferenciada nos mais diversos tipos de compartimentos e outros espaços domésticos e para-domésticos, tecnológicos e “inteligentes” que se diz terem integrado uma grande casa que Bill Gates desenvolveu para seu uso pessoal, já há alguns anos.
Mas esta evolução traz-nos, hoje, também a redescoberta de um certo novo sentido de amplo espaço pouco diferenciado ou muito comunicante que carateriza, por exemplo, a recente corrente dos lofts habitacionais, que acabam, afinal, por recriar o tal espaço único mas agora com uma enorme amplitude de volume de ar interior e com todas as mais recentes tecnologias.

Influência da habitação no habitante

Esta é uma matéria à qual iremos tentar voltar e aprofundar, um dia, porque ela o merece, mas a ideia desta referência nesta entrada temática às matérias dos aspectos domésticos que poderão ser mais indutores de verdadeira adequação e satisfação residencial, tem a ver com a ideia, que defendemos, de a organização doméstica, ou o layout doméstico, ser uma matéria crucial, quer numa forte adequação a modos de vida, quer numa caraterização da habitação que parece ser determinante nessa influência que se julga que a casca do caracol tem sobre o caracol humano; e neste jogo de relações a ideia que se julga pode ficar é que os aspectos funcionais têm a sua importância, mas há muito mais para lá, ou ao lado, dos aspectos estritamente funcionais. E por isto se dá, aqui, algum desenvolvimento a estas matérias.

Organização doméstica: opções básicas

Claude Lamure oferece-nos algumas linhas de reflexão nesta perspectiva de preocupações com uma organização doméstica verdadeiramente satisfatória e diz-nos que: (3)


  • "podemos distinguir, frequentemente, espaços que agrupam diversos compartimentos e que se diferenciam de formas várias" (ex., várias funções, características mais conviviais ou mais íntimas, etc.);
  • que "inversamente, num mesmo compartimento, diversos espaços ou cantos/recantos podem ser caraterizados por diversos critérios: apropriação por este ou aquele membro da família, tipo de actividade, ou de decoração".
  • E que, "mais globalmente, as zonas bem diferenciáveis são aquelas acústica e visualmente isoláveis".
Ora temos, assim, um caminho que parece ser agradavelmente simples e coerente numa estruturação de espaços domésticos: zonas mais, ou menos, conviviais ou “sociais”, possibilidade de desenvolver subespaços caracterizados, dentro de outros espaços maiores, e eleição dos isolamentos visual e acústico como elementos fundamentais na criação de diferentes zonas domésticas.

Fig. 02: opções de organização da habitação

Várias opiniões sobre as opções de organização da habitação

A ideia que fica é que, sinteticamente, estará, talvez, quase tudo nesta reflexão de Lamure, no entanto, nestas matérias tão sensíveis, que muito têm a ver com os aspectos específicos de cada intervenção e de cada ideia de habitar a cidade, a vizinhança e o edifícios, haverá muito a ganhar com a integração de outras reflexões de outros projectistas e estudiosos nestas matérias e por isso, a seguir, se integram e comentam, com brevidade, algumas outras ideias sobre a organização dos mundos domésticos, numa ordem que tenta dar relevo aos aspectos julgados mais importantes no objectivo de aproximação a uma casa que possa ajudar a uma vida doméstica mais adequada, agradável e estimulante.


Da casa que estrutura formas de habitar à casa adaptável

E, assim, se evidencia a questão básica de uma ideia de casa que é gerada por quem a projecta e que pode entrar em conflito, e frequentemente entra, com a ideia de casa do próprio habitante e neste balanço entre ideias de casa, e na opinião de Harald Deilmann (4), quem projecta pode seguir duas vias distintas:
·         ou comunica ao habitante as suas ideias de "habitabilidade" de uma forma positiva e convincente, clarificando o interesse de certas soluções, eventualmente, menos frequentes e salientando a mais-valia de uma solução mais caracterizada e plena de identidade;
·         ou avança numa estratégia de adaptabilidade doméstica dos espaços previstos a um amplo leque de modos de vida e de usos da habitação, adaptabilidade esta que pode jogar quer numa ideia de neutralidade organizativa (espaços com condições dimensionais e de acessibilidade adequadas a diversos usos), quer em soluções activas de ligação e de separação entre diversos espaços, quer, naturalmente, numa aliança entre os dois tipos de soluções.

Opções domésticas e adequação aos modos de vida

E nesta matéria da adaptabilidade doméstica Claude Lamure, interpretando vários trabalhos franceses e, nomeadamente, os estudos de Chombart de Lauwe sobre a adaptabilidade das habitações aos modos de vida, propõe um conjunto de possibilidades que elas, habitações, podem/devem oferecer às famílias ("Adaptation du Logement à la Vie Familiale", pp. 43 e 44): (5)
(i) de arranjo e apropriação de um espaço que seja suficiente;
(ii) de independência de grupos humanos no interior das habitações;
(iii) de uma graduação da privacidade no interior de cada alojamento;
(iv) de repouso e descontracção;
(v) de separação operacional das funções;
(vi) de atenuação das limitações materiais;
(vii) de prestígio (social);
(viii) de adaptabilidade da estrutura do fogo e dos seus arranjos às estruturas familiares;
(ix) e de relações sociais exteriores.

Em próximas edições desta série apresentaremos e comentaremos, então, outras reflexões de outros projectistas e estudiosos nestas matérias sobre aspetos que consideram estruturantes nas opções de organização dos espaços domésticos, numa perspetiva que tenta aprofundar a grande diversidade de soluções que se oferecem e que propiciam uma vida doméstica mais adequada, agradável e estimulante.

Notas:
(1) Christian Norberg-Schulz, "Habiter", p. 105.
(2) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 106.
(3) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 105.
(4) Harald Deilmann; J. Kirschenmann; H. Pfeiffer, "The Dw elling / Dwelling-types, Building-types", p. 32.
(5) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", pp. 43 e 44.

Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.


Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano X, nº471
Artigo XLVI da Série habitar e viver melhor
Diversidade na organização habitacional
Habitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional e  Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do LNEC
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.


segunda-feira, fevereiro 03, 2014

470 - Novas formas de habitar - Infohabitar 470


Infohabitar, Ano X, n.º 470
Infohabitar a revista semanal na WWW sobre o

habitat humano


Artigo XLV da Série habitar e viver melhor

António Baptista Coelho

Novas formas de habitar


Organização da habitação

A organização e a caracterização de um espaço doméstico pode seguir determinados hábitos de funcionalidade doméstica, e aqui tanto há hábitos que decorreram da evolução da vivência doméstica ao longo de alguns milénios, como outros que, praticamente, acabaram de nascer pois podemos dizer que foram, de certo modo, “inventados”  em finais do séc. XIX e, designadamente, no séc. XX.
Alternativamente, a organização e a caracterização de um espaço doméstico pode passar por uma verdadeira reinvenção bem fundamentada das respectivas funções, ambientes, associações espaciais e simbólicas e condições específicas de desenvolvimento de diversos espaços de actividade e de cena, numa perspetiva de aplicação discutida do que podemos designar, aqui, como “Grandes Opções Domésticas”- matéria que abordaremos em vários artigos desta série editorial.

Cidade e habitação

Esta possibilidade muito ampla de diversidade no interior doméstico é, realmente, a base do enorme interesse de que se pode, ainda, vir a revestir o acto de habitar, um interesse potenciado, hoje em dia pela noção de que é a habitação que faz cidade adequada, condição essencial no nosso século das cidades e das mega-cidades frequente e criticamente caóticas; e daí se retira a crítica oportunidade que têm e terão, por exemplo, as exposições habitacionais e os amplos fóruns de discussão sobre estas matérias.
Relativamente a esta clara abertura de perspectivas e de liberdade na organização e nos conteúdos domésticos importa salientar que boa parte, se não a totalidade, dos regulamentos que enquadram, por vezes rigidamente, a concepção do espaço doméstico privativo nasceram devido a justas e vitais preocupações ligadas à higiene, à saúde, à segurança e à defesa dos habitantes relativamente à sua frequente exploração económica através do seu alojamento em condições dimensional e ambientalmente patológicas; condições estas que muito se ligam aos respetivos quadros urbanos.

Regulamentação da habitação – novos caminhos

Ora, hoje em dia, é possível proteger os habitantes de boa parte, ou mesmo da totalidade, dessas negativas condições urbanísticas e de habitar através de outras medidas técnicas, construtivas e normativas que não aquelas que definem uniformemente e quese “milimetricamente” a organização doméstica, compartimento a compartimento e espaço a espaço.
E todos sabemos que as diversas instalações que servem o habitar, incluindo as sanitárias, conheceram enormes avanços nos últimos 100 anos, assim como as estratégias de ventilação, as prescrições relativas a condições de higiene e saúde associadas aos acabamentos e, naturalmente, todo o enorme compêndio de novas soluções construtivas e de pormenorização; e portanto o que aqui se defende é que para garantir as apropriadas e necessárias condições de higiene e de saúde no habitar doméstico não é hoje necessário seguir, como regra única, prescrições justificadas por condições por vezes até já relativamente ultrapassadas, por proporcionarem, em alguns casos, soluções espaciais e técnicas alternativas e eventualmente mais adequadas à crescente diversidade de modos e desejos de habitar casa, cidade e paisagem.

Fig. 01: apontamento de espaço doméstico baseado, livremente, em situações reais.

Novos modos e desejos de habitar e velhas soluções recuperadas

Mas, para além desta perspetiva, talvez seja chegada a altura, numa altura de tantas inovações e possibilidades tecnológicas em termos de climatização, ventilação, isolamentos e instalações, de poder começar a re-equacionar as próprias opções básicas de organização doméstica; ou, pelo menos, é bem a altura de acabar com modelos quase-únicos e de começar a disponibilizar uma verdadeira e atraente diversidade de grandes opções domésticas.
E a título de exemplos, que se julgam simples e atraentes, aponta-se a reinterpretação da ideia de “hall”, no sentido de espaço de entrada e de reunião mais ampla, uma ideia/função que depois se pode desdobrar numa pequena saleta – o velho “parlour” – e numa cozinha e zona de refeições, cuja duplicidade funcional possa ser, eventualmente, graduada conforme a dimensão da habitação e até a ocasião de vivência – mais formal ou mais familiar/informal.
E entenda-se que este exemplo é, isso mesmo, apenas um exemplo, embora fundado numa tradição de viver doméstico que passou de um único espaço de habitar, ou de dois espaços sendo um privado do casal e outro comum aos restantes habitantes da casa, para uma especialização e respectiva espacialização fundada essencialmente nos aspectos da privacidade dos quartos e da função social – e eventualmente convivial – do receber (um receber que implica convívio), isto ainda na alta idade média e referido às grandes casas, para, depois, se desenvolver uma funcionalização de todas as habitações, incluindo as mais pequenas.
E o que se quer deixar aqui apontado é que, hoje em dia, talvez seja a altura de retomar algum desse “caos” equilibrado em termos de funções domésticas.
Importa, no entanto, sublinhar que tais novos caminhos não podem seguir o mau exemplo do anterior funcionalismo organizativo, rigidamente hiereraquizado e de “modelo único”, mas sim têm de ser aplicados adequada e cuidadosamente em relação e ao serviço dos tais novos modos e desejos de habitar, ou de formas específicas de viver a habitação; e quem projeta tem de ter a capacidade de julgar da adequação ou inadequação destes caminhos, considerando as caraterísticas dos moradores conhecidos ou prováveis.

Funções habitacionais renovadas e novos espaços habitacionais

Centrando-nos, agora, na referida reinvenção das funções, dos ambientes, das associações e dos espaços de exercício do habitar doméstico há que sublinhar que esta ideia se liga quer a uma nova espacialização de determinados compartimentos, transformando, por exemplo, a cozinha num amplo espaço multifuncional e convivial e a sala-comum num pequeno complexo de áreas de actividade distintas e convertendo outras áreas em espaços inovadores, porque concretizam a associação de funções e de ideias diversificadas; por exemplo, uma semi-cave que se transforma numa sala familiar, de trabalho e para dormir de convidados e um lavabo social que é tratado muito mais como um espaço de recepção e representativo, do que como uma vulgar e pequena casa de banho.
O que se acabou de apontar tem a ver, por um lado, com a ideia que se tem apontado, nesta série editorial, sobre a função não ser tudo, quando abordamos o habitat humano, e revelar ser mesmo bastante pouco; uma ideia que se julga ser bastante adequada seja na própria cidade e nos seus bairros, seja nas vizinhanças residenciais e urbanas, seja nos edifícios habitacionais e, finalmente, e naturalmente, de forma destacada, nos interiores domésticos.


Fig. 02: apontamento de Braga - zona do Arco da Porta Nova -, espaço urbano vivo, diverso e multifuncional

Funcionalismo no habitar – passado criticável e realidade a alterar

E lembremos como o funcionalismo fez e faz sofrer os habitantes das cidades, tentando “impingir-lhes” tipos de organização e conteúdos funcionais por vezes aberrantes, porque tão distintos das misturas funcionais diversificadas que são as mais humanas e que se ligam aos núcleos e novelos funcionais diversificados, que são os verdadeiros motores e caracterizadores de cidades vivas e estimulantes.
E se tal aconteceu à escala da cidade o que dizer da escala do edificado, abandonada à fúria especulativa do “pronto-a-habitar”, feito “à medida” de famílias-tipo cada vez mais inexistentes e sempre “à medida” de uma indústria da construção habitacional, que, naturalmente, preferiu um produto estandardizado; num processo uniformizador que, por exemplo, nos oferece o famoso leque tipológico do T0 ao T5, com eventuais e pouco frequentes soluções intermédias, marcado pela omnipresente zona íntima e por uma estruturação funcional rigidamente hierarquizada e repetida.

Habitar e inovação – habitar e adequação

Tal realidade, marcada verdadeiramente pela consideração da habitação e do habitar como produtos de consumo, foi apenas “combatida” em opções, ais ou menos, experimentalistas e/ou de extremo bom-senso e grande qualidade arquitetónica, associadas, frequentemente, a intervenções de habitação de interesse social e, por vezes, a habitação para os grupos sociais mais favorecidos e/ou em habitações feitas realmente à medida dos seus futuros habitantes; em ações que privilegiam o desenvolvimento de um mundo familiar e pessoal que deve e pode ser uma realidade feita para servir e estimular as necessidades e os sonhos de habitar, bem como a mutação dos mesmos, através de soluções, que por vezes parecem tão simples, como fusões e separações de espaços e de estruturas de circulação, caraterizações ambientais marcantes, designadamente em termos de sentido/”adn” doméstico, e de inovadoras integrações de instalações que potenciem essa mesma capacidade de mutação e adequação.
Afinal e tal como escreveu Christian Norberg-Schulz, a casa não é e não pode ser um refúgio funcional, um "não lugar" uniforme, mas exige um espaço distinto e uma cena que se possa imaginar (1).

Notas:
(1) Christian Norberg-Schulz, "Habiter", p. 105.
           Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.


      Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano X, nº470
Artigo XLV da Série habitar e viver melhor
          Novas formas de habitar
         Grupo Habitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
        e  Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do LNEC
        Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.