domingo, julho 27, 2014

493 - Diversas opções para os espaços da habitação - Infohabitar 493

Artigo LV da Série habitar e viver melhor
Infohabitar, Ano X, n.º 493

Diversas opções para os espaços da habitação ou

Zonas domésticas: propostas organizativas – II

António Baptista Coelho

Em seguida e na sequência do artigo editado na passada semana desenvolvem-se, um pouco mais, as matérias associadas a um leque de propostas organizativas para as zonas domésticas, sob o ponto de vista de diversos autores especialistas nestas matérias, apontando-se, desde já, a importância deste tipo de reflexões, designadamente, quando aplicadas a soluções habitacionais espacialmente muito condicionadas, como é o caso das soluções de habitação de interesse social.

Espaços tipologicamente distintos em termos de socialização, privacidade e funcionalidade geral.

Harald Deilmann distingue cinco tipos de espaços domésticos e, sequencialmente define cinco zonas domésticas distintas (1):
·      espaços de socialização e comunicação;
·      espaços individuais;
·      espaços sanitários;
·      espaços de preparação de refeições;
·      espaços de circulação.
Fica, de certa forma, a fragmentação funcional totalmente consumada.

Habitações “divididas” pela barreira entre usos essencialmente noturnos ou diurnos.

Vamos agora à “última fronteira” funcional a da barreira entre noite e dia, a famosa definição de “zona de quartos” e zona de entrada e recepção.
E nesta matéria e na perspectiva de Claude Lamure, essa distinção “clássica” entre espaços "de noite" e "de dia" terá perdido boa parte da sua razão de ser, porque a falta de espaço obriga crianças e por vezes adultos a passarem parte do dia nos seus quartos "de dormir"; e Lamure propõe que talvez a distinção possa ter mais a ver com as diversas características de privacidade e de convencionalidade no uso e no arranjo dos espaços, que marcam zonas domésticas mais formais ou mais informais. (2)

Espaços mais formais e mais informais da habitação – ou domínios das crianças, domínios dos adultos e domínios comuns.

Ficamos, então, com formalidade e informalidade, matérias que pouco serão aplicáveis nas áreas limitadas da habitação de interesse social, onde, provavelmente, não haveria espaço para a formalidade, mas, como ela subsiste, então as pessoas acabam, por vezes, por se acumularem em partes da habitação para poderem continuar a ser formais noutros espaços da mesma habitação.
Alexander defende que numa habitação para uma família com filhos devem existir dois domínios próprios, especificamente, dos pais e dos filhos, relacionados entre si através de um terceiro domínio, o domínio comum. (3)
.  O domínio implica isolamento visual e acústico, e, como as crianças correm toda a casa, uma relação directa com uma casa de banho. (4)
.  O domínio das crianças deve considerá-las nos seus momentos de maior energia, evitando-se, que os espaços dos adultos estejam no meio da confusão, protegendo-se os quartos dos adultos e os locais de maior sossego ou com mais fortes exigências de formalidade. (5)
Teremos aqui os domínios das crianças, dos adultos e comum aos dois grupos; uma exigência que parece obrigar a condições especiais de espaciosidade.


Fig. 1

Habitação que se adapta à evolução etária e da composição da família e dos respetivos usos e desejos domésticos

Harald Deilmann (6), que estudou um muito amplo leque de casos práticos, desenvolveu, um pouco mais, esta perspectiva de uma organização doméstica associada a uma evolução da idade da família e chegou às seguintes conclusões: quando existam crianças pequenas, a habitação deve caracterizar-se por um forte relacionamento mútuo entre os seus diversos espaços.

Quando existam crianças e adolescentes, a habitação deve caracterizar-se por um equilíbrio entre o referido relacionamento mútuo entre os diversos espaços e outros espaços onde seja possível alguma privacidade e autonomia vivencial; quando existam adolescentes e jovens adultos, a habitação deve caracterizar-se por um equilíbrio entre os referidos aspectos de relacionamento mútuo entre os diversos espaços e de existência de outros espaços onde seja possível alguma privacidade e autonomia vivencial e, ainda, outros espaços domésticos com afirmada privacidade e autonomia; quando existam jovens adultos, a habitação deve caracterizar-se pela existência de espaços com forte privacidade e autonomia.
As notas relativas às conclusões de Deilmann acabaram, mas é possível juntar que, quando existam adultos talvez seja de favorecer para além dos espaços com forte privacidade e autonomia, outros espaços com um amplo e adaptável leque de aptidões funcionais e de forte caracterização formal; e quando existirem velhos adultos então, talvez seja a altura de “voltar” a uma certa adaptabilidade e indiferenciação.
Deste registo dos estudos de Deilmann fica uma perspectiva de uma sequência evolutiva da habitação acompanhando o envelhecimento da família.

Influência da ocupação habitacional no dimensionamento doméstico

Segundo M. Imbert, em habitações fortemente ocupadas e dimensionalmente limitadas não faz sentido incentivar as crianças a permanecerem nos seus quartos, e o resultado é que a sala-comum será por elas apropriada. (7)

As crianças precisam de mais espaço doméstico do que os adultos para as suas diversas actividades, devido à sua grande necessidade de movimento e à sua capacidade limitada de concentração. Por estas razões as famílias com crianças precisam de mais espaço, em geral e, nomeadamente, em vários espaços da casa (sala, quartos ou quarto e casa de banho, para banho assistido).
Desta reflexão de Imbert fica a noção que as maiores tipologias domésticas devem ter áreas funcionais substancialmente acrescidas e que as áreas sociais da habitação (cozinha e sala-comum) deverão oferecer alternativas para diversas actividades de lazer e convívio.

Importância da socialização na estruturação e na espaciosidade domésticas

Finalmente, regista-se a noção do Arq.º Prieur (8) no que se refere a considerar que a principal actividade da família, toda junta, é a conversa por ocasião das refeições, o que faria destacar a importância da localização e das características de conforto e agradabilidade da zona de refeições. Sem se negar a justeza do raciocínio importa comentar que, hoje em dia, talvez a par desta espaço de refeições, que há que defender como pólo convivial doméstico, não é possível deixar de referir a zona onde se vê televisão, igualmente, como pólo de convívio da habitação.

Destas notas retira-se que é fundamental que a organização e o espaço disponível na habitação proporcione a evidenciada instalação de uma mesa de refeições e de um espaço de estar, ambos com excelentes condições para estímulo do convívio e do lazer em casa; se tais espaços não forem possíveis as pessoas irão “fugir”, rapidamente, para os seus quartos ou para fora de casa.

Abordaram-se vários “temas” de organização doméstica, mas há que ter a noção de que nesta(s) matéria(s) cada bom projectista terá os seus “segredos”, no sentido de ir preferindo certas soluções e experimentando outras, e em todas estas matérias tudo se ganha com o estudo e a visita cuidadosa ao leque mais alargado possível de soluções.

Em próximos artigos desta série editorial iremos aprofundar um pouco dessa rica e importante/fundamentada diversidade que deve marcar uma renovada e adaptável estruturação doméstica.

Notas:

(1) Harald Deilmann; J. Kirschenmann; H. Pfeiffer, "The Dwelling / Dwelling-types, Building-types", p. 39.
(2) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 106.
(3) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", p. 350.
(4) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 577 e 578.
(5) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 581 e 582.
(6) Harald Deilmann; J. Kirschenmann; H. Pfeiffer, "The Dwelling / Dwelling-types, Building-types", pp. 25 e 30.
(7) M. Imbert, "Mission d'Études de la Ville Nouvelle du Vaudreil", p. 13.
(8) P. H. Chombart de Lauwe, et al, "Famille et Habitation I, Sciences Humaines et Conceptions de l'Habitation", pp. 175, 176 e 177.

Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

INFOHABITAR Ano X, nº 493
Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional, 

Zonas domésticas: propostas organizativas – II

Artigo LV da Série habitar e viver melhor


Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

segunda-feira, julho 21, 2014

492 - ZONAS DOMÉSTICAS: PROPOSTAS ORGANIZATIVAS – I - Infohabitar 492


Infohabitar, Ano X, n.º 492

Zonas domésticas: propostas organizativas – I

Artigo LIV da Série habitar e viver melhor


Zonas domésticas: propostas organizativas – I

António Baptista Coelho

Provavelmente, há alguns anos, esta parte do trabalho, no âmbito de um estudo sobre a temática ampla do “habitar e viver melhor”, seria das mais importantes em termos de um apoio prático ao desenvolvimento de melhores soluções habitacionais. Tratava-se, então, afinal, de um relativo culminar de toda uma tradição de zonamentos funcionais ou funcionalistas, zonamentos estes que, infelizmente, ajudaram a destruir bairros de cidades e a uniformizar espaços domésticos no sentido do serviço a uma pessoa “média” e a uma família “média”, provavelmente a tal que deseja o T3, mas que acaba por se contentar com um T2 com uma pequena sala e uma pequena cozinha, quartos dimensionados para “mobílias completas” e uma sala-comum onde quase nem há espaço para encaixar todo o catálogo de mobiliário, quanto mais para aceitar toda uma vida doméstica que aí se tem de concentrar.

A culpa não foi apenas de quem projectou estes espaços, mas também de uma relativa paranóia regulamentar que, só por acaso, não acabou, ou acabará, por regulamentar tudo aquilo que tem a ver com a actividade humana.

Já se apontou que se considera haver matérias que têm de ser regulamentadas, como as ligadas à segurança, mas, mesmo nestes casos há que sopesar, em casos específicos, se será melhor assegurar mais segurança ou mais qualidade de vida, e se não haverá soluções alternativas, quando tais escolhas se colocarem e, por vezes, colocam-se mesmo. E, naturalmente, sempre que possível há que harmonizar tais condições de segurança com as condições aplicáveis de qualidade de vida; disso se falou um pouco quando andámos pelos espaços comuns dos edifícios.

Mas agora estamos em pleno “mundo” privado, e aqui o que há a regulamentar deve estar embebido em instalações e equipamentos de certa forma longe de quem habita, longe porque funcionalmente independente do habitante. E, assim, a ideia que se perfilha, aqui, no interior doméstico é a de um muito amplo leque de soluções, onde o que se garante além dessas condições “embebidas”, deve estar ligado a aspectos essenciais de funcionalidade, acessibilidade e higiene básica, aspectos estes muito concentrados em “zonas de água” (bancadas de cozinha, espaços de tratamento de roupa e casas de banho).

Teremos, assim, portanto e desejavelmente, uma organização-base doméstica que assegure uma funcionalidade maximizada dos espaços e elementos verdadeiramente “maquinais”, e designadamente daqueles associados às instalações de águas e esgotos, sendo que todos os outros mais do âmbito eléctrico devem ser integrados ao máximo numa ambientação doméstica, podendo mesmo optar-se pela sua camuflagem.

Quanto aos “velhos” aspectos de organização dita “funcional” da casa, tal como ainda são considerados, designadamente, no “mercado habitacional”, como por exemplo as “clássicas” “zonas íntimas” e outras zonas mais ou menos funcionais, julga-se que a estruturação doméstica será tanto mais negativa, no que se refere à sua assimilação por diversas famílias, quanto mais “hierarquizada”, "rígida" e “em árvore” for a respectiva organização.

O resto, e o resto que é quase tudo no espaço doméstico, deveria ser deixado a uma ampla liberdade de concepção, embora tal liberdade seja, como sabemos, uma condição gémea de uma apertada exigência de qualidade de Arquitectura.


Fig. 1

Dito isto, que será um tema geral orientador desta reflexão sobre habitações que possam influenciar uma vida mais feliz, apontam-se e comentam-se, brevemente, em seguida, algumas das “velhas”, mas adequadas, ideias de organização da habitação que podem informar as diversas soluções de organização domésticas, mesmo quando consideradas apenas a título de quadros organizativos genéricos – e regista-se que estas referências foram baseadas nos elementos recolhidos para o meu estudo intitulado “Do bairro e da vizinhança à habitação”, editado pelo LNEC (ITA 2).

E nessas “velhas” ideias iremos abordar,sinteticamente, servindo-nos das opiniões de um amplo leque de autores, as matérias que, em seguida, se apontam:

Espaços tipologicamente distintos em termos de socialização, privacidade e funcionalidade geral.
Matéria que interessantemente conjuga aspetos que por vezes são considerados de forma desagregada, provocando “organizações” domésticas muito discutíveis ou mesmo muito negativas.

Habitações “divididas” pela barreira entre usos essencialmente noturnos ou diurnos.
Matéria que não deve ser considerada “à letra”, em termos da referida “divisão”, mas sim numa aproximação a estruturações domésticas que salvaguardem aspetos essenciais de conforto e de privacidade, assim como alguma estimulante diversidade de arranjos e de ambientes gerais, que são proporcionados – contrariamente a quadros domésticos monótonos, repetitivos e sem capacidade de atração.

Zonas mais formais e mais informais da habitação – ou domínios das crianças, domínios dos adultos e domínios comuns.
A questão da boa aceitação doméstica, em termos de estruturação e pormenorização, a modos de vida mais formais ou mais informais é essencial quando se pretende dotar a habitação de uma boa capacidade em termos de adaptabilidade e de apropriação.

Habitação que se adapta à evolução etária e da composição da família e dos respetivos usos e desejos domésticos.
Uma habitação que se possa ir razoavelmente adaptadando, em termos de processos mais passivos ou mais ativos, à evolução etária e da composição da família e dos respetivos usos e desejos domésticos, é uma qualidade essencial, seja na máxima valia de cada habitação relativamente a diversos grupos de utentes e de agregados familiares que a usem ao longo de gerações, seja na sua versatilidade de resposta ao uso pela mesma família ao longo dos anos e designadamente por pessoas que vão envelhecendo, mas que devem poder continuar a contar com a sua habitação.

Influência da ocupação habitacional no dimensionamento doméstico.
As questões ligadas à ocupação tendencial específica de um dado espaço doméstico, por exemplo, por uma família com crianças, por um jovem sozinho, ou por um casal de idosos, deve influenciar a “tipologia” do respetivo dimensionamento (ex., maior ou menor espaciosidade) e, naturalmente, da sua estruturação e conteúdos funcionais.

Importância da socialização na estruturação e na espaciosidade domésticas.
Finalmente, nesta pequena súmula de aspetos que influenciam as propostas organizativas para as zonas domésticas, salienta-se a importância que sempre tem o apoio ao convívio/socialização na respetiva estruturação e espaciosidade domésticas.

No próximo artigo serão desenvolvidas, um pouco mais, estas matérias, mas desde já se aponta a sua importância, designadamente, quando aplicadas a soluções habitacionais espacialmente muito condicionadas, como é o caso das soluções de habitação de interesse social.

Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

INFOHABITAR Ano X, nº 492
Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT)

Zonas domésticas: propostas organizativas – I

Artigo LIV da Série habitar e viver melhor
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

domingo, julho 13, 2014

491 - ARQUITECTURA COM TERRA II - Infohabitar 491

Infohabitar, Ano X, n.º 491

 ARQUITECTURA COM TERRA

Experiências do fazer - II
 ARESTA, Marco; GIULIA, Scialpi

Nota prévia do editor da Infohabitar:
Há poucas semanas foi editado um primeiro artigo sobre a formação em Arquitetura na Universidade da Beira Interior (UBI), na Covilhã, uma escola de Arquitetura que ajudei a criar, há cerca de 10 anos, e à qual estou atualmente ligado, como coordenador do respetivo Mestrado Integrado, e para ajudar a estruturar um novo Centro de Investigação, que abranja as áreas da Arquitetura e do Urbanismo, e apoiar no desenvolvimento de um renovado Doutoramento em Arquitetura.
Outros artigos serão aqui editados, visando a divulgação da formação em arquitetura da UBI, que, em breve, estará associada a um novo Departamento de Arquitetura, desenvolvendo-se, assim, uma natural autonomização, capaz de dinamizar excelentes relações com as engenharias e com outras faculdades da UBI e de outras Universidades, seja no âmbito formativo, seja no quadro do previsto novo Centro de Investigação, no qual estão previstas parcerias com Centros de outros pólos de ensino superior, numa dinâmica que estimule um amplo conjunto de ações e eventos formativos, informativos, técnicos e científicos, que tirem todo o partido das excelentes condições humanas e de instalações existentes na UBI, na Covilhã, bem como do agradável e estimulante ambiente académico, urbano e social que ali se vive.

O Editor da Infohabitar, António Baptista Coelho
Professor catedrático convidado (UBI), investigador principal com habilitação (LNEC), doutor em Arquitectura (FAUP), arquitecto (ESBAL)

Na presente edição da Infohabitar apresentamos a segunda parte de um artigo de Marco Aresta e Giulia Scialpi, que aborda uma interessante experiência de "Arquitectura com terra: Experiências do fazer", sob uma perspetiva prática, mas também participativa.
Salienta-se que um dos autores do artigo, o colega Marco Aresta, editou há muito pouco tempo, um livro sobre estas temáticas, intitulado "Arquitectura Biológica - La vivienda como organismo vivo", de que se dá notícia, já de seguida, seja através de uma pequena síntese editorial, seja através de uma imagem da respetiva capa.



"Arquitectura Biológica - La vivienda como organismo vivo"
Editorial: Diseño Editorial
(síntese editorial)
Dentro del complejo saber de la naturaleza y del intricado universo del ser humano, este libro deja como reto la búsqueda de un equilibrio entre nuestras acciones y el entorno que habitamos para garantizar la armonía en el planeta que compartimos. Pero principalmente este libro lanza el desafío para la búsqueda de un espacio perdido, el espacio que nos pertenece como seres vivos, esos espacios biológicos de los cuales carecemos, huérfanos del espacio que nos es propio como organismos vivos.

Deixamos aqui as boas-vindas a mais estes dois novos autores da Infohabitar, os colegas Marco Aresta e Giulia Scialpi, e sublinhamos que a primeira parte do respetivo artigo - "Arquitectura com terra: Experiências do fazer" - foi editada, há uma semana, na Infohabitar, estando portanto facilmente acessível.

O Editor da Infohabitar
António Baptista Coelho

ÍNDICE

PRIMERA SEMANA
1. INTRODUÇAO
“Cada um por si!”
2. ARQUITECTURA COM TERRA
2.1. Contexto e características
2.2. Modos de fazer

SEGUNDA SEMANA
2.3. Técnicas de paredes de terra
3. CONCLUSAO

(continuação do artigo editado na passada semana) 

2.3. Técnicas de paredes de terra


No âmbito do nosso trabalho, chamamos barro á mistura da terra com os seus aditivos de ordem vegetal ou mineral. Ou seja, á mistura que fazemos com terra argilosa ou argila, juntamente com a palha ou qualquer fibra vegetal, e a areia, chamamos-lhe barro.


Figura 9. Vivenda L&M, El Bolson, Argentina. Construção com terra adobe

A argila é o elemento na terra que atua como aglutinante para poder juntar todas as demais partículas. O limo e as areias não têm esta função aglutinante, mas, no caso das areias e da gravilha, constituem a estrutura dando densidade á mistura (barro). É bastante comum confundir o limo com a argila ou vice-versa. Isto tem que ver com a sua granulosidade ser  muito pequena, mas facilmente se pode distinguir dado que o limo não aglomera, ou seja, não se cola a pele ou á roupa como é o caso da argila.
O uso e a aplicação da terra faz-se através de distintas técnicas construtivas. No caso das paredes podem-se aplicar técnicas em seco (onde o material que compõe a parede é feito antes e colocado na parede em seco ou com um baixo conteúdo de humidade), ou húmidas (onde o barro é feito e aplicado no mesmo momento que se faz a parede). Independente desta característica categorizamos três tipos de técnicas.

- Técnicas de blocos: estas técnicas consistem na realização de blocos preparados no momento da realização da parede, ou previamente, e aplicados em seco. Dentro deste grupo está o adobe (técnica tradicionalmente executada em Portugal); os BTC (Blocos de terra comprimida); o bloco térmico, o torrão, o hiperadobe; o superadobe; e o modelado direto (COB)

- Técnicas de cofragem: estas  técnicas consistem em pisar o barro em estado húmido dentro de cofragens que se vão movendo á medida que se levantam as paredes.

Figura 10. Técnica de palha encofrada. Vivenda T&E, Foyel, Argentina, 2014.

As cofragens utilizadas podem ser de madeira ou de metal e normalmente utiliza-se um pisão para poder compactar o barro dentro da cofragem. Dependendo do tipo de técnica, mais ou menos húmida, a resistência da parede é dada pelo fenómeno de compressão, exercido na mistura do barro. Pertencem a esta grupo a taipa (técnica tradicionalmente executada em Portugal); o “barro encofrado”; e a palha  encofrada.  

- Técnicas mistas: Estas técnicas, como o próprio nome indica, executam-se com distintos materiais de origem vegetal (canas, varas de árvores, arame, pranchas de madeira, etecetera...)  que servem de corpo. Neste caso o barro serve de material de preenchimento ou revestimento de um esqueleto prévio.

Figura 11. Técnica de tabique. Curso de Construção Natural de 6 meses para construção de uma vivenda social “Módulo Orgânico”. El Hoyo, Argentina.

Na maioria das vezes estas técnicas dependem da estrutura mestre. Neste grupo incluímos a enramada; a entravada; chouriço; palha enrolada; tabique (quincha, parede francesa). Também se podem utilizar materiais reutilizados para armar o esqueleto estrutural da parede, tal como arame de galinheiro, redes de pesca, tubos de cartão, ou paletes.
Entre as diferentes técnicas que trabalhamos ou ensinamos nos cursos, ampliaremos neste artigo algumas das mais utilizadas a nível profissional e que vieram trazer inovações desde o ponto de vista técnico e construtivo. Deixaremos de lado o adobe (fig. 9) pela sua vasta bibliografia assim como o tabique (fig.11), mas que merecem o nosso respeito sendo das técnicas mais utilizadas hoje em dia e que nos permitem eficazes processos de obra não só ao nível económico, mas também construtivo. 

Bloco térmico

É uma das técnicas de alvenaria com blocos aligeirados com palha. As suas dimensões ultrapassam na maioria dos casos os adobes. Normalmente fazemos blocos térmicos de 20cm x 25cm x 50cm, podendo variar de maneira substancial, chegando alguns a medir 30cm x 50cm x 60cm. A construção dos blocos térmicos realiza-se colocando a mistura em moldes, deixar desmoldando de seguida e deixando secar antes de serem utilizados. A mistura utilizada deve ter um baixo conteúdo de humidade, praticamente uma palha suja de argila sem que a palha chegue a escorrer argila. Para estabilizar a parede em caso de zonas sísmicas como é o caso de Lisboa ou da cordilheira dos Andes, entre as filas de blocos deve-se colocar canas em modo de armadura horizontal unidas aos extremos onde se encontram as colunas e a canas intermedias dispostas verticalmente.

Figura 12. Construção de uma escola com técnica de barro encofrado. Buenos Aires, Argentina, 2013.

Barro encofrado

É umas das técnicas em que a terra se molda com a ajuda de uma cofragem e sem a necessidade de grande compactação como no caso da taipa. Esta diferença para a taipa tradicional faz com que o processo de obra seja mais rápido, menos difícil e oneroso. Uma vez seca a parede conquista índices de densidade que, na maioria dos casos, suporta as cargas verticais derivadas do teto e, por isso, se considera como técnica autoportante. Para acelerar o processo de secagem colocam-se tubos de PVC de 5cm de diâmetro a cada 50cm de parede que posteriormente se extraem deixando buracos verticais na parede que funcionam como chaminés de ventilação.  A mistura faz-se com um conteúdo baixo de humidade, de forma a que seja plástica e fácil de trabalhar sem cair no excesso de humidade para que a parede não se debilite quando se retira a cofragem.  Como se sabe, não há receitas na construção natural, mas como referencia a mistura pode-se fazer com 1/3 de terra argilosa, 1/3 de areia e 1/3 de fibra (palha). Esta técnica derivou da nossa necessidade de fazer paredes em curva, mais isolantes e ao mesmo tempo densas e com menor esforço e tecnologia aplicada que a tradicional taipa. Outra das vantagens é que permite ter directamente a parede em prumo e preparada para um reboco fino.

Figura 13. Vivenda T&E, Foyel, Argentina. Construção em terra palha encofrada.

Palha encofrada

Tal como a anterior técnica também se insere dentro do grupo de técnicas com cofragem, o que permite conciliar as duas e mudar as características das paredes em função da sua orientação. É excelente para climas frios pela sua alta capacidade isolante, dado que resulta numa parede leve e com alto conteúdo de ar intersticial. Esta técnica consiste em introduzir uma mistura de terra argilosa e palha numa cofragem de aproximadamente 70cm de altura compactando-se com pisões manuais leves. Este processo realiza-se subindo a cofragem até cobrir toda a altura da parede. A mistura do barro consiste numa palha suja de argila, sem que escorra a argila da palha, semelhante a mistura dos blocos térmicos. Para a união da parede com a estrutura vertical devem ser colocados pregos ou canas em toda a altura das colunas que funcionam de “âncora”. A espessura da parede será de aproximadamente 30cm com o reboco incluído.

3. CONCLUSAO
No âmbito do atual estado de conhecimento e da cada vez maior divulgação deste conhecimento no contexto académico, institucional e popular, podemos afirmar que a Construção Natural em geral e a Arquitectura com terra em particular surgem não como uma tendência ou alternativa mais ou menos “hippie”, mas sim como uma necessidade apoiada por um saber atualizado, contemporâneo e com respostas formais, funcionais e estruturais que satisfazem na plenitude os requisitos do Habitar.
É importante que, nesta aproximação á resolução de problemas da humanidade no que se refere ao edificado mas também a gestão de recursos, a arquitectura com terra possa introduzir não só uma “nova” materialidade, mas também que faça parte de um natural questionamento em relação as nossas práticas construtivas.
Com isto quero dizer que os processos de extração, fabricação e aplicação das matérias primas devem ser questionados, assim como os processos de trabalho em obra, para que a prática profissional evolua para sistemas mais humanizados, mais cooperativistas e menos corporativistas.

Figura 14. Vivenda M&G, Chubut, Argentina, 2014. Construção com terra tabique e adobe.

Por ultimo lanço uma ideia no decorrer desta mesma lógica de pensamento altruísta: originar “consultórios públicos para a habitação”.
Para quê?
Para que os profissionais cheguem até a população e a população chegue até aos profissionais numa lógica de intercâmbio e serviço social.
Todas as necessidades básicas do ser humano e tidas como direitos pela maioria das constituições nacionais (educação, saúde e habitação) são importantes, mas no caso da habitação,  os profissionais que se dedicam a ela carecem de um lugar e posição profissional para dar resposta às necessidades da sociedade. Por outro lado, para o cidadão  é difícil aceder a um arquiteto, mestre de obras ou mestre carpinteiro, pedreiro, etecetera... para pedir assistência e ajuda em dúvidas que tem sobre o  projeto ou a execução da sua casa.
Com isto quero lançar o desafio para que se expanda o projeto que já temos em curso na Argentina, que é a criação de “consultórios públicos para a habitação” que permitam a participação de profissionais em tarefas de restauro, ampliação, melhoramento ou construção da habitação de uma família.

4. BIBLIOGRAFIA
ARESTA, Marco; “Arquitectura Biológica – la vivienda como organismo vivo”; 2014: Diseño editorial; Buenos Aires; ISBN: 978-987-3607-26-4

Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

INFOHABITAR Ano X, nº 491
Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT)
ARQUITECTURA COM TERRA
Experiências do fazer - II

Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

segunda-feira, julho 07, 2014

490 - ARQUITECTURA COM TERRA I - Infohabitar 490

Infohabitar, Ano X, n.º 490

ARQUITECTURA COM TERRA

Experiências do fazer - I

por
ARESTA, Marco; GIULIA, Scialpi



Na presente edição da Infohabitar apresentamos a primeira parte de um artigo de Marco Aresta e Scialpi Giulia, que aborda uma interessante experiência de "Arquitectura com terra: Experiências do fazer", sob uma perspetiva prática, mas também participativa.
Salienta-se que um dos autores do artigo, o colega Marco Aresta, editou há muito pouco tempo, um livro sobre estas temáticas, intitulado "Arquitectura Biológica - La vivienda como organismo vivo", de que se dá notícia, já de seguida, seja através de uma pequena síntese editorial, seja através de uma imagem da respetiva capa.

"Arquitectura Biológica - La vivienda como organismo vivo"
Editorial: Diseño Editorial
(síntese editorial, retirada da divulgação do livro)
"Dentro del complejo saber de la naturaleza y del intricado universo del ser humano, este libro deja como reto la búsqueda de un equilibrio entre nuestras acciones y el entorno que habitamos para garantizar la armonía en el planeta que compartimos. Pero principalmente este libro lanza el desafío para la búsqueda de un espacio perdido, el espacio que nos pertenece como seres vivos, esos espacios biológicos de los cuales carecemos, huérfanos del espacio que nos es propio como organismos vivos."


Deixamos, então, aqui as boas-vindas a mais estes dois novos autores da Infohabitar, os colegas Marco Aresta e Scialpi Giulia, e sublinhamos que a segunda e última parte do respetivo artigo - "Arquitectura com terra: Experiências do fazer" - será editada na próxima edição da Infohabitar, já na próxima semana.

O Editor da Infohabitar, António Baptista Coelho


ARQUITECTURA COM TERRAExperiências do fazer - I

 ARESTA, Marco; GIULIA, Scialpi
ÍNDICE

PRIMERA SEMANA

1. INTRODUÇÃO
“Cada um por si!”
2. ARQUITECTURA COM TERRA
2.1. Contexto e características
2.2. Modos de fazer

SEGUNDA SEMANA
2.3. Técnicas de paredes de terra
3. CONCLUSAO

1. INTRODUÇÃO

“Cada um por si!”

Cada um de nós poderá pensar que a frase “cada um por si” é negativa, mas desde o ponto de vista da atualidade eu vejo-a mais como uma característica a ter que aceitar, se já não diretamente aceite.
Cada um por si não invalida que não sejamos pelos outros desde uma perspectiva na qual o bem colectivo vai obviamente ser o nosso próprio bem. Também não invalida que o meu bem-estar passe pelo conhecimento de como as minhas ações impactam no bem-estar da totalidade e como tal, sobre mim mesmo. Por outro lado é importante que cada um possa ter o seu conforto e condições de saúde para poder pensar, atuar e sentir com total capacidade sobre o colectivo que integra. E neste sentido é importante pensar a vivenda como refúgio são.



Figura 1. Trabalho colectivo. Curso “Eco-Arquiteturas”, Modulo “Construção Natural e Arquitectura Biológica”, Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, 2014

Cada um, hoje em dia, participa  numa grande rede de comunicação que permitiu o desenvolvimento da tecnologia. Mas é importante reconhecer que no exato momento em que vivemos, o desenvolvimento, assim como progresso humano tem a ver com a capacidade de inovar o tecido económico, tecnológico, científico para praticas que reduzam o impacto ambiental, até a à minimização da “pegada ecológica”.
Cada um de nós, cada vez mais, é chamado a ”pensar sobre a “sustentabilidade”, com tendência ao aumento da investigação pela praxis académica independente, mas também pela investigação apoiada pela comunidade empresarial, de modo a garantir que a produção humana tenha o mínimo impacto sobre o contexto natural e consecutivamente sobre ela mesma. Obviamente que estamos no inicio de um largo longo processo que reclama urgência, cujo grande desafio é como antecipar tempos que naturalmente são os que necessitamos como grupo consciente e racional para poder atuar em e no colectivo.

Figura 2. Construção de um módulo de vivenda social. Curso de Construção Natural, Astigarraga, Euskal Herria, 2013

Tudo isto é o reflexo de uma consciência colectiva que formula uma opinião pública e que cada vez mais nos faz repetir a mensagem.
Mas isto só não chega!
Cada um terá que ter a responsabilidade, guiada por uma ideologia do sentir e do pensar, para atuar de forma coerente. Esta coerência é dada pela informação que necessitamos e que devemos compartilhar , fazendo-a chegar até aos outros e, por conseguinte, até nós mesmos.
A informação que cada vez mais se difunde de maneira vertiginosa pelos meios virtuais leva-nos a poder aceder a conceitos que nutrem o nosso próprio exercício do “fazer”. Mas fazer o quê?
Cada ser humano realiza ações no seu dia que decorrem da necessidade de fazer coisas. Alguns justificam que é por dinheiro; outros para não ouvir o marido ou a mulher, ou a sogra, ou os filhos; outros por ambição, por poder, por reconhecimento (diria que todos); outros por paixão, por compromisso, por palavra, etecetera…O que interessa é que agimos e realizamos coisas. Ora esse agir é que deve ser questionado desde a perspectiva das consequências que ele poderá ter nas presentes e futuras ações do ser humano.
Como é sabido, umas das ações que mais consome recursos é o ato de construir o nosso habitar.  Os edifícios consomem entre 20 a 50% dos recursos físicos do planeta segundo o seu contexto edificatório e sendo a obra pública a que mais consome. Sabendo que, dentro das atividades industriais, a construção é a mais consumidora de recursos naturais, juntamente com a industria associada, e a principal responsável pela contaminação ambiental, a aplicação de critérios de construção sustentável aos edifícios torna-se imprescindível para o desenvolvimento das sociedades futuras.
Mas que critérios? Obviamente critérios ao nível da eficiência e poupança energética, noções de conforto e saúde para os ocupantes, processos humanizados de trabalho, tratamento de águas, etecetera; mas principalmente é importante incidir no processo de seleção dos materiais.
Ë na seleção dos materiais que maior impacto podemos ter na urgente redução do impacto das construções no meio ambiente. Selecionar materiais naturais, locais e com processos de extração não invasivos é como se pode contribuir, económica e tecnicamente, na urgente redução da “pegada ecológica”.
E não falamos de reciclagem! Também os materiais reciclados implicam processos contaminantes de alto consumo energético proveniente de sistemas industrializados.
Falamos de materiais recuperados não contaminantes e de materiais naturais.

Figura 3. Vivenda V&E, Villa La Angostura, Argentina, 2012. Construção em terra palha encofrada

Como exemplo temos a industria de reciclagem do betão. Quando um edifício chega ao final da sua vida útil, uma media de 25% do betão da estrutura é reciclado: as paredes e lajes são esmagadas e separadas para o seu uso em estradas, viadutos e outros edifícios. Claro está que este ato de reciclar na Análise do Ciclo de Vida (ACV) é bom mas nada tem que ver com o possível 100% de reutilização com baixo consumo energético que é possível obter com as paredes construídas com terra. A mais valia reutilização é que não origina um consumo de energia e recursos que é obrigatório na reciclagem.
Contudo, não estamos aqui para comparar, mas sim para introduzir o tema da construção natural e especificamente da arquitetura com terra.


2. ARQUITECTURA COM TERRA

2.1. Contexto e características

A Arquitectura com terra alude a “todas as manifestações construtivas, arquitectónicas e urbanísticas que foram projetadas e construídas com terra como  material predominante” (Neves, 2004).
À parte de aproximadamente 60% do património histórico de Portugal ser de terra e de um terço da população mundial habitar casas de terra, o uso consciente e responsável da terra como material de construção origina que cada vez mais se utilize a terra para satisfazer as nossas necessidades contemporâneas de habitar. Mas principalmente como forma de resolver o défice de habitação no  mundo.
As vantagens da utilização da terra na construção transcendem o âmbito económico, somando vantagens de índole técnica (facilidade construtiva, disponibilidade e abundância do material, bom isolamento térmico e acústico, material ignífugo, etc.); de índole sociocultural (valorização de recursos locais, recuperação de tradições populares, trabalho cooperativo e associativo, etc.); e de índole ambiental (baixo consumo energético e pequena “pegada ecológica” no ciclo de vida das construções).

Figura 4. Vivenda Fede, Tigre-Buenos Aires, Argentina, 2013. Construção em terra tabique

Atualmente a Arquitectura com terra dá a possibilidade de construir, recuperar, melhorar e ampliar vivendas, além da aplicação em equipamentos públicos um pouco por todo o mundo.
Contudo, o cenário em Portugal ainda é deficiente na busca de soluções para a habitação, não só pela prática no que respeita a equipas profissionalizadas, mas também pela parte legislativa. Uma das soluções que procura dar resposta a isto é a formação em pequenos cursos que servem de divulgação, mas que também servem para dar ferramentas a autoconstructores e a profissionais que procuram introduzir-se na área temática.
Estas tímidas iniciativas tendem a crescer se os grupos locais se juntarem e divulgarem de forma altruísta o seu conhecimento, juntando esforços no caminho a uma arquitetura de terra profissionalizada que permite resolver problemas arquitectónicos e urbanísticos na contemporaneidade e não só como recuperação e conservação do património ou pelo simples folclore da tradição.

Figura 5. Teto com estrutura reciproca em madeira. Vivenda T&E, Foyel, Argentina, 2014

Por trás da prática e do fazer técnico, apoiado pelo desenvolvimento tecnológico da arquitetura com terra, deve existir também um comprometido saber filosófico e ideológico que leva a uma justificação de base teórica. A Arquitectura com terra já não é só o resolver de problemas e necessidades da população a um nível pragmático, mas sim também a ferramenta propicia e alternativa a resolução de problemas de índole ambiental, económica, social e de saúde publica. 

2.2. Modos de fazer

Neste momento a nossa prática assenta em experiências no âmbito da formação popular e académica, da investigação, da atividade profissional de projeto e construção e do apoio a  autoconstructores.
Recentemente fui convidado pela Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa a participar de um curso com o nome “Eco-Arquiteturas”. O mesmo era composto por vários módulos, um dos quais me competia leccionar. Dessa forma, dei um seminário sobre “Construção Natural e Arquitectura Biológica” com 6 dias de prática em obra e 2 dias de teoria na Faculdade. Na componente prática construímos uma pequena sala de um equipamento público que será futuramente utilizada pela Câmara Municipal de Lisboa. Partimos do zero, com o local de implantação totalmente virgem e terminámos com as paredes, tecto, pavimentos, pintura, etecetera; ou seja, a construção terminada em todas as suas etapas de obra.  Este é mais um dos exemplos de cursos que nos últimos anos tenho feito para poder divulgar e formar, mas principalmente e, em muitos casos, para ajudar a fazer uma habitação.

Figura 6. Construção de uma parede e um arco em adobe. Curso “Eco-Arquiteturas”, Modulo “Construção Natural e Arquitectura Biológica”, Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, 2014

Muitos foram os cursos nos quais se fizeram habitações ou se ajudaram a fazer com processos de cursos. O intercâmbio estabelece-se da seguinte maneira: os materiais e ferramentas são disponibilizados pelos proprietários e a mão-de-obra são os próprios participantes do curso que, em troca da aprendizagem, ajudam a construir. Desta maneira temos uma possibilidade de construir, formando simultaneamente profissionais e autoconstructores através da prática direta de obra.
Esta prática é apoiada pela experiencia profissional e também pela investigação académica.  No caso da investigação académica fazemos ensaios de prova e erro e obtemos por métodos de experimentação e observação resultados que nos permitem melhorar aspectos técnicos de carácter mecânico, físico e/ou químico. Uma das grandes inovações dos últimos anos no que se refere á Arquitectura com terra é o tema dos rebocos e das pinturas. É importante que a terminação da construção seja resistente para dar a garantia de salubridade ao edifício.

Figura 7. Reboco fino a base de argila numa vivenda de terra.

Por outro lado as técnicas de construção com terra são desenvolvidas e melhoradas para a sua correta  aplicação em climas e orientações distintas. Não é o mesmo construir no Sul da Argentina ou no Sul de Portugal, pelas suas diferenças climáticas que determinam distintas exigências na construção. Muitas vezes, estas pautas ao nível das diferentes técnicas de paredes, morfologia e rebocos são dadas pela própria Arquitectura popular e pelo saber-fazer acumulado de gerações que é importante conhecer e resgatar pelo grupo de investigação.
A investigação transita da atividade académica para o projeto e principalmente a obra, estabelecendo-se um intercâmbio de dados e informação.
Ao nível profissional a atividade também muda dado que os clientes e a própria equipa de trabalho buscam uma relação humanizada que passa pela confiança e o desafio de ultrapassar juntos barreiras colocadas pelo acesso ao novo e diferente. Esta questão é essencial dado que atualmente a Arquitectura de terra sofre de preconceitos fruto da ignorância. Há muito menos tempo que se constrói com materiais industrializados que com materiais naturais. Também os materiais naturais demonstram resultados de durabilidade, salubridade, resistência e conforto, mas a atualidade reclama que ainda se tenha que ultrapassar determinados mitos neste caminho para resgatar práticas ancestrais. Por isso mesmo a prática profissional encontra uma enorme responsabilidade no momento de concretizar o objeto arquitectónico.

Figura 8. Interior da Vivenda V&E, Villa La Angostura, Argentina, 2012. Construção em terra palha encofrada

Neste momento temos já habitações construídas que se confrontam com o tempo e os usuários. Dentro da prática profissional há vários desafios com que nos confrontamos diariamente: a falta de legislação para a construção com terra, o preconceito em relação ás condições de salubridade e resistência de uma habitação de barro e a falta de equipas de profissionais. Mesmo assim o universo de clientes é variado e aumenta cada vez mais com a consciência global sobre o ambiente.
Á materialidade das construções em terra, soma-se no projeto: a morfologia determinada por geometrias da natureza biológica; os sistemas solares passivos para aquecer e refrigerar a vivenda; as tecnologias apropriadas ao lugar; as estratégias de desenho bioclimático; e por último os processos de trabalho associativo e cooperativo.

BIBLIOGRAFIA
ARESTA, Marco; “Arquitectura Biológica – la vivienda como organismo vivo”; 2014: Diseño editorial; Buenos Aires; ISBN: 978-987-3607-26-4

Nota: este artigo será concluído, com a respetiva segunda e última parte, na edição da próxima semana da Infohabitar,

Notas editoriais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.


INFOHABITAR Ano X, nº 490
Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
Universidade da Beira Interior (UBI), Secção Autónoma de Arquitetura (SAA), Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura (DECA) 
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional

Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT)
ARQUITECTURA COM TERRA
Experiências do fazer - II
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

Infohabitar, Ano X, n.º 490